11/02/2022
Por: Max Gomes (IOC/Fiocruz)*
O Laboratório de Fisiologia e Controle de Artrópodes Vetores do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) foi reconhecido pela Coordenação Geral de Acreditação do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (CGCRE/Inmetro) por estar em conformidade aos Princípios das Boas Práticas de Laboratório (BPL) da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
No Brasil, o Inmetro é a autoridade de monitoramento da conformidade aos princípios das BPL. Atualmente, o LAFICAVE (sigla pela qual o Laboratório é conhecido) possui o certificado na categoria de itens de teste saneantes (mais precisamente com inseticidas), dentro da área de especialidade de estudos de eficácia.
Com a acreditação, estudos desempenhados no Laboratório são reconhecidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e seus associados, além de países com adesão plena aos atos da OCDE para aceitação mútua de dados, reforçando e ampliando a credibilidade dos resultados e possibilitando novas parcerias nacionais e estrangeiras.
“Recebemos essa demanda da OMS, que selecionou 20 instalações em todo o mundo para estarem dentro dos requisitos das BPL. Após mais de três anos de dedicação, nosso Laboratório foi o primeiro das Américas a alcançar tal objetivo”, destacou José Bento Pereira Lima, chefe do Laboratório de Fisiologia e Controle de Artrópodes Vetores do IOC.
As Boas Práticas de Laboratório da OCDE (NIT-DICLA 035 – BPL) é um sistema da gestão da qualidade que rege a condução de estudos não clínicos de segurança à saúde humana e ao meio ambiente para garantir a qualidade, integridade e confiabilidade dos dados. Os trabalhos realizados dentro dos princípios das BPL precisam ser planejados, desenvolvidos, monitorados, registrados, arquivados e relatados.
“Todo processo precisa ser documentado. No caso dos inseticidas, por exemplo, registramos desde sua entrada no Laboratório, quando e como foi usado, quem usou, se o produto foi pesado, qual balança e o horário da pesagem. Temos conhecimento de todo o procedimento. O mesmo ocorre com os mosquitos, com registros de todo o processo de criação e manutenção das colônias, incluindo as condições ambientais do insetário. Não menos importante, a capacitação da equipe é acompanhada e avaliada constantemente, além da organização de um grande volume de documentações necessárias”, pontuou o chefe do Laboratório.
“A partir dessa validação, o nosso Laboratório está apto, por exemplo, a realizar ensaios com inseticidas submetidos para aprovação na OMS e no Ministério da Saúde ou para registro em órgãos regulamentadores. A empresa produtora do saneante poderá ser direcionada ao LAFICAVE, que, por ter o reconhecimento BPL, conduzirá estudos relatando se o produto é ou não eficaz, podendo ser indicado para uso em saúde pública”, explicou José Bento.
O LAFICAVE é o primeiro laboratório da Fiocruz a ter o reconhecimento BPL. De acordo com Saada Chequer Fernandez, coordenadora do Programa da Qualidade do IOC, essa validação é também de grande importância por ser um dos critérios da OMS para definir seus novos Laboratórios de Referência.
“Esse reconhecimento fornece uma maior confiabilidade e segurança na pesquisa que está sendo desenvolvida. É uma ação que promove transparência, rastreabilidade e integridade de dados por meio de documentações adequadas que consideram questões como repetitividade e reprodutibilidade de estudos”, ressaltou Saada.
Para José Bento, a conquista do certificado pode servir de impulso para outros laboratórios do IOC e da Fiocruz. “Não é fácil implantar uma norma da qualidade, mas a recompensa é imensurável, uma vez que, não somente os serviços, mas todos as pesquisas desenvolvidas no Laboratório são beneficiadas”, disse.
"Com uma maior padronização das atividades fica mais fácil gerir os processos, reproduzir ensaios e até mesmo produzir artigos científicos", complementou o pesquisador, enaltecendo a participação de cada integrante do Laboratório em todo o processo, em especial, o pesquisador Ademir Martins, vice-chefe do LAFICAVE, e Cynara Rodovalho e Diogo Bellinato, responsáveis pela garantia da qualidade.
Tarefa que exige tempo e dedicação
Para conquistar o Certificado de Reconhecimento aos Princípios das Boas Práticas de Laboratório, o Laboratório de Fisiologia e Controle de Artrópodes Vetores precisou passar por uma sequência de adaptações e implementações de novos protocolos.
Iniciado em 2017, o processo contou com uma série de treinamentos, consultorias e encontros para alinhamento de atividades laboratoriais com os padrões exigidos pelo sistema internacional de normas.
“Antes da demanda da Organização Mundial da Saúde, o LAFICAVE já implantava princípios das BPL como forma de obter uma melhor organização e padronização em seus procedimentos – um hábito herdado de gestões anteriores do Laboratório. No entanto, a consolidação dessas práticas e o compromisso de conquistar a certificação veio após um workshop realizado pela OMS no Rio de Janeiro em maio de 2017”, destacou Cynara Rodovalho.
Entre os tópicos abordados nessas capacitações, estão conceitos e requisitos das BPL, bem como simulações práticas dos ensaios que a serem avaliados. “A OMS e a OPAS [Organização Pan-Americana da Saúde] nos ajudaram bastante nesse processo, enviando representantes ao Brasil que realizaram o treinamento dos integrantes do nosso Laboratório. Também fizemos visitas a outros centros que estavam em processo de implantação das BPL para compartilharmos experiências e aprendizado”, contou José Bento.
O teste com garrafas impregnadas, seguindo o protocolo dos Centros para o Controle e Prevenção de Doenças (CDC, na sigla em inglês), é um dos procedimentos com reconhecimento BPL no Laboratório (Foto: Josué Damacena)
O constante treinamento dos membros dos centros de testagem é um dos pontos principais para a conquista e manutenção do reconhecimento BPL, uma vez que os funcionários também precisam ser certificados. “O LAFICAVE tem feito um grande investimento para essa padronização. Temos funcionários com atividades exclusivas de gestão da qualidade, gerenciamento de arquivo e suporte em gestão de projetos. Todos os membros do Laboratório também se dividem para cada um ter uma função relativa à qualidade, seja na gestão de ambiente, biossegurança ou equipamentos”, acrescentou o chefe substituto, Ademir Martins.
Entre as vantagens que a implementação do sistema da gestão da qualidade e a conquista da certificação têm trazido ao Laboratório, como aponta Cynara, estão a diminuição de gastos e a possibilidade de captação de recursos. “Nós conseguimos identificar erros mais rapidamente, o que evita o desperdício de insumos e de tempo. A certificação também nos permite prestar serviços e obter um retorno financeiro, sendo uma forma de aumentar os recursos financeiros do Laboratório para o desenvolvimento de novas pesquisas”, destacou.
Desafios e projeções
Até o momento, dentro das normas do Inmetro, o LAFICAVE está certificado para estudos de eficácia na categoria de produtos saneantes, podendo conduzir dois tipos de avaliações: teste de larvicidas e o bioensaio com garrafas dos Centros para o Controle e Prevenção de Doenças (CDC, na sigla em inglês). De acordo com José Bento, foi um período de bastante empenho da equipe para que os procedimentos estivessem consolidados dentro das regras das BPL.
“O maior desafio na aplicação de um novo sistema de gestão de qualidade é fazer com que a equipe se adapte ao processo, pois envolve muita mudança e rompimento de hábitos. Para garantir a qualidade final desejada era preciso que todos estivessem alinhados, engajados e conscientes dos objetivos e das responsabilidades. Motivados pelas equipes da qualidade do LAFICAVE e do IOC, nosso grupo entendeu que aderir a esta nova filosofia de comportamento dentro do Laboratório iria agregar muito valor ao nosso trabalho”, comentou o pesquisador.
Após conquistada a certificação, o Laboratório vê como próximas etapas o aprimoramento de procedimentos para a acreditação de novos ensaios. “Uma vez implementada, precisamos manter as normas das BPL, pois qualquer deslize pode levar a perda da certificação. Receberemos visitas periódicas do Inmetro para confirmar se estamos cumprindo as normas”, afirmou José Bento.
Para Ademir, os dois principais desafios atuais que o Laboratório tem enfrentado para manter o título e conquistar novas certificações são infraestrutura e vínculos de funcionários. “Nosso laboratório é situado fora do campus Manguinhos, no Instituto de Biologia do Exército [em Benfica]. Apesar do grande apoio do exército para mantermos nossas instalações, estamos em uma fase na qual pretendemos expandir nossas certificações para a realização de outros ensaios. É importante que estejamos dentro da estrutura física da Fiocruz, visto que dependemos bastante do apoio predial e laboratorial, o que fica muito dificultado fora do campus”, pontuou.
Em relação ao tipo de vínculo dos funcionários do Laboratório, Ademir ressalta a atual rotatividade. “Os nossos técnicos são, em sua maioria, bolsistas que estão no nosso Laboratório apenas para trabalhar em projetos temporários. Pensando na gestão da qualidade, essa rotatividade fica muito dispendiosa para o grupo, pois são capacitados profissionais que acabam não conseguindo ficar no Laboratório, fazendo com que precisemos refazer todo esse processo de treinamento com novas pessoas”, concluiu.
O LAFICAVE
Referência nacional para monitoramento da resistência de Aedes aegypti a inseticidas, o Laboratório de Fisiologia e Controle de Artrópodes Vetores do IOC trabalha com diferentes aspectos da biologia e genética de mosquitos vetores, sendo reconhecido pela sua excelência em pesquisa e competência técnica na área de vigilância, controle e monitoramento da resistência a inseticidas.
Com foco nos gêneros Aedes (com espécies envolvidas na transmissão de doenças tropicais como dengue, Zika, chikungunya e febre amarela urbana) e Anopheles (vetores relacionados à malária), o Laboratório mantém criação de mosquitos que são utilizados em pesquisas não apenas no IOC e na Fiocruz, como também em diversas instituições brasileiras e estrangeiras.
No Brasil, o LAFICAVE foi o primeiro a manter em laboratório criações estáveis das espécies Anopheles albitarsis e Anopheles aquasalis, fornecendo esses mosquitos para uma rede de laboratórios interessados em pesquisar a biologia dos insetos.
Na área de desenvolvimento e avaliação de ferramentas de vigilância e controle de artrópodes vetores, o Laboratório se destaca na criação e testagem de novas tecnologias de vigilância, como a Mosqtent e a cartilha dos 10 minutos contra o Aedes. Também são avaliadas alternativas de controle com substâncias químicas que interferem no ciclo de vida dos mosquitos vetores.
O Laboratório está atuando, ainda, junto à OPAS e ao Ministério da Saúde no desenvolvimento de uma metodologia para avaliação da resistência de mosquitos Aedes aegypti a inseticidas. A iniciativa, no âmbito da Rede de monitoramento de resistência das Américas, coordenada pela OPAS, inclui a elaboração de material multimídia para capacitação de profissionais dos municípios selecionados pela Rede na realização de ensaios em laboratório.
Além disso, promove diversos eventos, cursos, treinamentos nacionais e internacionais e atua em consultorias para o Ministério da Saúde e Secretarias de Saúde no Brasil e no Mercosul na vigilância e controle de vetores.
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