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Impacto da violência no Brasil é tema de mesa no Abrascão 2018


29/07/2018

Fonte: Ensp/Fiocruz

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Olhares distintos sobre impactos da violência no Brasil contemporâneo estiveram em discussão em mesa-redonda do 12º Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva (Abrascão 2018). A atividade contou com a participação de Maria de Fátima Marinho, diretora do Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos não Transmissíveis e Promoção da Saúde (DANTPS)/Ministério da Saúde, Bruno Manso, jornalista e pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência/Universidade de São Paulo, e Jacqueline Muniz, professora da Universidade Federal Fluminense e especialista em segurança pública. A coordenação do debate ficou a cargo de José Ferdinando Ramos Ferreira, professor da Universidade Estadual de Campinas.

Fátima Marinho afirmou que a violência se expressa por diferentes formas e múltiplos olhares. Ela discutiu o impacto da violência na vida das mulheres e o questionamento do porquê de fazer vigilância de violência contra as mulheres. Segundo ela, as mulheres são as principais vítimas de violência, um fenômeno histórico e complexo. “A violência tem impacto direto na saúde, é um grande problema de saúde pública. O feminicídio, por exemplo, decorre da violência familiar. Dessa forma, a resposta ao questionamento do motivo pelo qual fazemos vigilância de violência contra as mulheres é: cuidar, proteger, promover saúde, além de respeitar acordos internacionais.”

A diretora do DANTPS trouxe dados do Sistema de Vigilância de 2011, ano em que foi implementado, a 2017. Nesse período, o Sistema teve 1.450.326 notificações de violência registradas, sendo a maioria dos casos relacionada a jovens e crianças. Cerca de 60% dos municípios brasileiros já notificam casos de violência pelo Sistema, porém, a ameaça, principalmente aos profissionais de saúde, impede a notificação.

Ela também apresentou notificações de estupro e nascimento, no período de 2011 a 2016. Em relação a nascimento, entre vítimas de 10 a 14 anos, 162 mil mulheres tiveram pelo menos um filho. Dessa faixa etária, 67% eram negras e 23% estavam em união estável. Os casos de notificação de estupro – em meninas de 10 a 14 anos – chegaram a 33 mil, sendo, em 43% deles, o agressor um conhecido ou familiar, e 38% das vítimas eram negras. Fátima alertou sobre a subnotificação de casos de estupro de meninas brancas. Ainda a respeito das meninas de 10 a 14 anos, citou que 66% dos estupros ocorrem na residência, e 46% são de repetição.

Na faixa etária de 15 a 19 anos, as notificações de estupro são maiores em mulheres negras, 46% são realizados por desconhecidos, 41% ocorrem na residência e 26% são de repetição. Sobre maternidade e notificação de estupro dessa faixa etária, em 68% das notificações o agressor era da família e 73% tiveram caráter repetitivo. Fátima foi categórica ao afirmar que essas meninas tinham direito ao aborto legal. “Deveriam ter acesso ao aborto legal 3.276 meninas. Diante desse quadro há maior percentual de partos prematuros, grande atraso no pré-natal, além de maior proporção de baixo peso ao nascer.”

Por fim, Fátima Marinho alertou que as mulheres vítimas de violência têm, pelo menos, 20 vezes mais risco de serem assassinadas e 30 vezes mais risco de cometerem suicídio. “Os serviços de saúde são a principal porta de entrada para as mulheres que procuram ajuda quando em situação de violência aguda ou crônica. É importante saber que resposta estamos dando a essas mulheres. Até quando vamos conviver com violência contra mulher e feminicídio?”

Impactos da violência no Brasil

Bruno Manso, jornalista e pesquisador no Núcleo de Estudos da Violência/Universidade de São Paulo, trouxe para o debate os impactos da violência no Brasil contemporâneo. Bruno apresentou curva dos 100 anos de homicídios em São Paulo. Segundo ele, o formato da curva de homicídios (de 1914 a 2014) foi constante até os anos 1960. Após esse período, cresceu mais de 900%, chegando ao ápice em 1999, e, em seguida, caiu. Os homicídios são concentrados por gênero, idade e território. De acordo com Bruno, o crescimento das cidades influencia diretamente na questão dos homicídios.

Antes dos anos 1960, segundo o jornalista, os homicídios eram mais associados aos crimes de paixão. De 1880 a 1924, foram 222 casos de homicídio, e, em 30% deles, a família era o foco do crime. Em 1960, 55% dos homicídios eram cometidos em casa, em 1965, 64%, em 1970, 42%, e em 1975, 45%. Depois dos anos 1980/1990, a maioria dos homicídios ocorre na rua (60%). Em 2000, 9,9% acontecem dentro de casa. “O ano de 1999 teve o auge dos homicídios. Nessa época, ainda não se falava em facção criminosa, mas existiam círculos de vingança, um homicídio podia produzir dezenas de outros homicídios.”

Por fim, Bruno entrou na perspectiva do sistema prisional. Em 1993, houve redirecionamento das políticas carcerárias e criação da Secretaria de Administração Penitenciária, o que, segundo ele, levou à hegemonia do sistema prisional. “Não se trata de ausência do Estado, mas da forma como o Estado se faz presente. As prisões se tornaram locais onde lideranças prisionais podem controlar com mais eficiência procedimentos dos integrantes das carreiras criminosas. Respeitar as regras do crime do lado de fora vira um seguro-prisão”, finalizou o jornalista.

Para fechar o debate, Jacqueline Muniz, professora da Universidade Federal Fluminense (UFF) e especialista em segurança pública, falou sobre despolitização e segurança pública: controles e vigilância ampliadas em regime de exceção. A professora falou sobre construção de uma narrativa de segurança pública e o caso do Brasil, citando algumas capacidades do governo sobre populações e territórios. Jaqueline questionou o assunto da proteção ou segurança pública.

Segundo ela, quanto maior é o sentimento generalizado de insegurança, maior é a dificuldade de coesão e mobilização para a garantia de direitos. Quanto mais se agrava o temor mais se aumenta a oportunidade de sujeição de indivíduos e grupos a um pacto de submissão. “O defensor de hoje será o tirano de amanhã”, advertiu Jaqueline. Por fim, a professora destacou que, quanto mais se aprofunda uma crise, maior é a oportunidade de regimes de exceção e de excepcionalidade como rotina.

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