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GT dedicado à Atenção Primária avalia resultados da Conferência de Astana


05/12/2018

Julia Dias (Agência Fiocruz de Notícias)

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O grupo de trabalho da Fiocruz dedicado à Atenção Primária em Saúde reuniu-se, no dia 9 de novembro, para avaliar os resultados e desdobramentos da Conferência de Astana, que aconteceu entre os dias 25 e 26 de outubro, no Cazaquistão. A Conferência Global de Atenção Primária em Saúde comemorou os 40 anos da Conferência de Alma-Ata, também no Cazaquistão, que marcou o estabelecimento da Atenção Primária como prioridade em saúde. 

A Fiocruz esteve representada no evento pelos pesquisadores Paulo Buss, Ligia Giovanella e Luiz Augusto Galvão. Completaram a delegação brasileira a representante do Ministério da Saúde Luciani Ricardi e o representante do Conselho Nacional de Saúde (CNS) Ronald Santos. Eles levaram um documento conjunto da Fiocruz e do CNS, que circulou entre os presentes na conferência, em especial os representantes das Américas, apresentando os pontos debatidos pelo grupo de trabalho.

Delegação da Fiocruz e do CNS na Conferência Global de Atenção Primária à Saúde, no Cazaquistão (Foto: Divulgação)

O encontrou reuniu cerca de 2 mil participantes, entre autoridades, acadêmicos, profissionais da saúde, sociedade civil e representantes do setor privado em sessões principais e mesas paralelas. Dele, saiu uma declaração que reafirma a saúde como um direito fundamental e a importância da atenção primária para efetivação deste direito.

“A Declaração de Astana é um avanço, embora não seja tão contundente quanto a Declaração de Alma-Ata”, avaliou Ligia Giovanella. “Ainda vamos ver qual será sua repercussão ao longo das décadas, porque também são contextos internacionais muito distintos. Estamos em um momento de políticas de austeridade fiscal, ameaças à democracia, uma situação diferenciada. Contudo, ela reitera os princípios da Declaração de Alma-Ata, reafirma o direito fundamental e universal à saúde.”, completou.

Para Ligia, a versão final do documento é mais completa que as versões anteriores e inclui, por exemplo, a responsabilidade governamental na garantia do acesso universal à saúde e o reconhecimento das profundas desigualdades na saúde, e sociais em geral, entre os países e no interior dos países, como fazia a Declaração de Alma-Ata. Entre as novidades estão a abordagem relacionada com a Agenda 2030 e a inclusão dos cuidados paliativos e da questão das doenças crônicas não transmissíveis. “É também um novo contexto demográfico e epidemiológico internacional”, afirma Ligia.

Fruto de uma longa negociação entre países, a Declaração ainda terá um longo caminho a percorrer até a Assembleia Geral das Nações Unidas de 2019, que acontece em setembro em Nova York e terá como tema a Cobertura Universal e a Atenção Primária em Saúde. Em janeiro, a Declaração deve gerar uma resolução do Comitê Executivo da OMS. O comitê é composto por 34 países e atualmente é presidido pela embaixadora brasileira Maria Nazareth Farani Azevêdo. Essa resolução, que contém a Declaração e recomendações aos países, seguirá então para aprovação na Assembleia Mundial da Saúde, que acontece em maio, em Genebra. Enfim, chegará ao fórum máximo da ONU.

“Em qualquer desses momentos, haverá possibilidade de os Estados-membros incidirem com aperfeiçoamentos na Declaração - não no seu texto que, desde Astana, fica imutável, mas por meio de recomendações às agências das Nações Unidas, aos governos dos Estados-membros e à própria sociedade civil nacional e global, para adequadamente implementarem os princípios aprovados”, explicam os membros da delegação brasileira, em texto publicado no blog do Centros de Estudos Estratégicos (CEE/Fiocruz).

A cobertura universal em saúde tem sido um foco da OMS e é uma das metas dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS). “O que está em disputa é como se alcança essa cobertura universal de saúde”, afirma Ligia. Uma proposta seria a cobertura universal por meio de de pequenos seguros, privados ou públicos, diferenciados conforme a classe social das pessoas.

“Nós defendemos que a maneira mais efetiva e mais eficiente para garantir o direito universal de saúde e o acesso à saúde com equidade são sistemas públicos universais, financiados com recursos fiscais e com prestação predominantemente pública. A experiência internacional mostra claramente que estes são os sistemas mais eficientes, mais efetivos, que mais garantem o direito universal, fundamental à saúde”, disse a pesquisadora da Fiocruz.

A experiência brasileira, muitas vezes citada em Astana como exemplo positivo, demonstra que por meio de sistemas públicos universais é possível alcançar o direito à saúde de forma mais eficaz do que por outras modalidades de cobertura. “O Brasil foi muito citado, muitas vezes e em muitas mesas. Não à toa, pois temos um ativo, como eu chamo, um ativo político e técnico que o Brasil pode oferecer para outros países e que começa pela própria organização do SUS”, destacou o coordenador do Centro de Relações Internacionais em Saúde (Cris/Fiocruz), Paulo Buss. 

O caráter equitativo, universal, integral, gratuito e financiado por impostos do SUS é quase único no mundo e é reconhecido por especialistas da área. Programas específicos como o Saúde da Família, o programa nacional de imunização, o programa de HIV/Aids e a Farmácia Popular também foram citados nas sessões e debates.

“Foi um processo bastante criativo para o Brasil e bem aproveitado, já que estávamos preparados a partir do momento que a Nísia [Trindade Lima, presidente da Fiocruz] criou um grupo de trabalho para debater o tema” avaliou Buss, que também é ex-presidente da Fundação e participou de uma das mesas paralelas do evento: “Acesso a vacinas, medicamentos e produtos de saúde na Atenção Primária em Saúde”.

Na reunião de avaliação, a presidente da Fiocruz considerou que o grupo de trabalho formado para a conferência deve manter sua atuação. “Vamos trabalhar tanto na agenda oficial internacional, como buscar capilarizar o documento final para que ele se torne conhecido no Brasil”, afirmou. "Em um momento em que a atenção primária está sob ataque por parte de alguns governantes e tem sido vista, pela primeira vez, como área de negócio pelo setor privado, uma Declaração como a de Astana é um importante instrumento para reafirmar o direito universal à saúde".

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