21/06/2017
Por: Juliana Xavier (IFF/Fiocruz)
A Genética Médica do Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz) publicou um artigo na revista Molecular Genetics and Metabolism Reports, da editora Elsevier, maior editora de literatura médica e científica do mundo, com o título Transplante de células-tronco hematopoiéticas precoce em paciente com mucopolissacaridose grave II: 7 anos de seguimento. O estudo é de autoria dos pesquisadores Anneliese Barth, Tatiana de Magalhães, Ana Beatriz Reis, Nicolette Cavalcanti, Daniel Silva, Danielle Torres, Alessandra Costa, do IFF, Maria Lucia de Oliveira, Fernanda Scalco, do Laboratório de Erros Inatos do Metabolismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), juntamente com Carmem Bonfim, da Unidade de Transplante de Medula Óssea da Universidade Federal do Paraná e Roberto Giugliani, do Serviço de Genética Médica do Hospital de Clínicas de Alegre e Juan Llerena Jr., Dafne Horovitz, coordenadores da Genética Médica do IFF.
O estudo teve como objetivo relatar um seguimento de longo prazo de um paciente que está sendo acompanhando no instituto desde a gestação da mãe. “A criança, que é irmão e sobrinho de pacientes com mucopolissacaridose (MPS), foi comparada de forma neurológica e características clínicas com os familiares que faleceram pelo agravamento da doença. O resultado mostrou que o paciente relatado está crescendo bem e o desenvolvimento motor está dentro do esperado”, disse Dafne Horovitz.
A mucopolissacaridose é um subgrupo das doenças de depósito lisossômicos (DDL), que pertencem ao ainda maior grupo de doenças genéticas de erros inatos do metabolismo, causadas por deficiência de enzimas. Juntas, afetam cerca de um em cada 25 mil nascidos vivos por ano. “Na MPS, existe a deficiência ou falta de uma determinada enzima nos lisossomos, o que leva ao acúmulo de glicosaminoglicanos (GAG), que são moléculas que possuem em sua composição açucares que se ligam a uma proteína central. Essa molécula absorve água em excesso, adquirindo uma consistência viscosa, promovendo assim a lubrificação entre os tecidos, permitindo o deslizamento na movimentação entre eles. Essa diminuição de atrito permite, por exemplo, o movimento das articulações ósseas, já o acúmulo de água leva a disfunção na lubrificação dos órgãos causando danos progressivos”, explicou a especialista.
Os sintomas da MPS normalmente afetam diversos órgãos e sistemas, existindo formas leves, moderadas e graves, que podem afetar o cérebro, olhos, ouvidos, coração, fígado, ossos e articulações. “Assim como para muitas doenças genéticas raras, não existe cura para as mucopolissacaridoses, mas existem tratamentos para melhorar a qualidade de vida dos pacientes. Alguns, são feitos a base de fármacos, numa tentativa de substituir as funções deficientes das enzimas que faltam. O tratamento mais utilizado é a Terapia de Reposição Enzimática (TRE), que consiste em introduzir, por via venosa, um fármaco que equivale a enzima deficiente para atuar nos lisossomos das células. No entanto, além de caro (o tratamento custa em torno de $200 mil/ano), outro problema relacionado à enzima é que ela não consegue ultrapassar o que chamamos de barreira hematoencefálica, sendo assim, ela diminui o volume do abdômen, o fígado e o baço, controla doenças cardíacas, melhora as infecções respiratórias, mas não trata o sistema nervoso central. Até o momento essa terapia está aprovada para ser administrada em pacientes da MPS I, II, IV-A e VI, sendo necessária uma enzima específica para cada um dos subtipos de MPS. Já o transplante de células tronco hematopoiéticas (cordão umbilical ou medula) apesar de também ter um alto custo, é um investimento que poderia compensar a longo prazo, pois depois dele o paciente pode, teoricamente, se livrar da TRE, o grande problema são os riscos envolvidos em transplantes. No entanto, enfatizo que é extremamente importante a possiblidade de transplante ser colocada dentro das diretrizes de tratamento de pacientes com MPS, principalmente para os pacientes muito jovens e com formas de envolvimento neurológico”, esclareceu a geneticista.
No caso relatado no artigo, o paciente foi submetido ao transplante de células tronco hematopoiéticas (HSCT) com células de cordão umbilical de doador aos 70 dias de idade, esse enxerto revelou quimerismo misto com 79% de células dadoras após 30 dias e atualmente permanece em 80%. “A atividade da enzima iduronato-2 sulfatase (I2S), 30 dias após o transplante foi baixa em plasma e normal em leucócitos e o mesmo padrão é observado até o momento. Aos sete anos, as tabelas de crescimento são normais e ele é muito saudável, embora haja sinais leves de disostose multiplex leve (conjunto de alterações esqueléticas presentes nas MPS), além de perda auditiva. A avaliação neuropsicológica revelou um QI inferior ao esperado para a idade, apesar disso, o paciente continua a mostrar melhorias nas habilidades cognitivas, linguísticas e motoras, sendo bastante funcional. Acreditamos que o HSCT é uma opção terapêutica que deveria ser considerada para pacientes com MPS II com fenótipo grave e diagnóstico precoce”, disse Dafne Horovitz.
A geneticista enfatizou que o paciente continuará sendo acompanhado pelo IFF. “Estamos monitorando ele de muito perto, o relato foi dos últimos sete anos, hoje ele já está próximo a completar oito, o que é considerado um tempo muito bom de observação. A história natural dele está completamente diferente da dos familiares e, teoricamente, é esperado que a evolução dentro de uma mesma família seja muito parecida, mas não é caso. Atribuo essa evolução ao transplante, por isso ressalto que esse tratamento é a melhor oportunidade disponível no momento. A MPS é uma doença muito grave que caminha junto com a neurodegeneração, no caso do paciente, ele ainda não apresentou esses sinais, embora possua a doença na forma neuropática. Muitos pacientes desse grupo iniciam a neurodegeneração antes dessa idade e ele está muito bem”, conclui Dafne Horovitz.
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