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Fiocruz lamenta a morte do pesquisador Bodo Wanke


23/07/2021

Agência Fiocruz de Notícias

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A Presidência da Fiocruz lamenta profundamente o falecimento, na quinta-feira (22/7), do seu pesquisador-emérito Bodo Wanke. O pesquisador era professor-titular do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz) e um dos mais renomados cientistas brasileiros. Ele foi fundador do Laboratório de Micologia e docente permanente do Programa de Pós-Graduação Stricto sensu em Pesquisa Clínica em Doenças Infecciosas do INI. Em maio deste ano, Wanke recebeu o título de pesquisador-emérito, como parte da programação que marcou os 121 anos da Fiocruz. Ele foi mais uma vítima da Covid-19.

Formado em Medicina pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Bodo Wanke fez mestrado e doutorado em Doenças Infecciosas e Parasitárias, também pela UFRJ. Era coordenador do Laboratório de Referência Nacional para Micoses Sistêmicas do Ministério da Saúde e tinha como foco principal de seu trabalho de pesquisa as micoses sistêmicas (paracoccidioidomicose, histoplasmose, coccidioidomicose e criptococose) e oportunísticas (candidíase, aspergiloses, mucormicose, hialohifomicose e feohifomicose oportunística) e seus respectivos agentes. Nesse estudo trabalhou direcionado para a ecoepidemiologia das micoses e de seus respectivos agentes, o diagnóstico clínico e laboratorial, o tratamento específico e inespecífico e a vigilância.

Para Wanke, o pesquisador não pode ficar isolado em seu laboratório. Precisa ir a campo, conhecer a realidade e ver com seus próprios olhos as enfermidades e mazelas que a população enfrenta. E ele costumava seguir essa recomendação. Em 2017, quando começaram a surgir muitos casos de paracoccidioidomicose (doença ocasionada por fungos do gênero Paracoccidioides que ataca o corpo em diversos locais e pode levar o paciente a óbito) na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, ele esteve no local pesquisando e disse que aquilo era “apenas a ponta do iceberg. Para cada novo caso registrado podemos ter de mil a dez mil infecções subclínicas que podem gerar uma grande epidemia. As escolas públicas da região são uma excelente fonte para pesquisarmos essas infecções subclínicas em crianças e jovens e trabalharmos para combater a paracoco”.

O Brasil concentra 80% dos casos de paracoccidioidomicose, devido às condições climáticas e de solo apropriadas para a existência do fungo. Mas a alta incidência da doença no país tem um motivo especial, segundo Wanke. “À medida que o homem vai desbravando novas fronteiras, desflorestando e adentrando novos territórios para o aproveitamento agropecuário, a paracoco vai aparecendo em outras regiões”, explicou em uma entrevista em 2013. Não é à toa que a distribuição da enfermidade em solo nacional muda de acordo com as décadas. As regiões atualmente mais afetadas são Rondônia, Mato Grosso e o sul da Amazônia. A explicação para a presença de seu agente causador na terra, de acordo com o pesquisador, é um tanto curiosa: “Até onde se conhece, a existência do fungo, que pode ficar inativo no organismo humano de 30 a 40 anos, está associada a habitats de tatus. Até 70% desses animais, quando são capturados, estão infectados”.

O pesquisador também coordenou um importante estudo sobre coccidioidomicose, doença que causa lesões pulmonares, no Piauí, onde são registrados 80% dos casos. O projeto teve como objetivo fazer uma investigação epidemiológica de amostras de solo da região. Nas amostras, a identificação dos fungos causadores da doença é feita a partir de técnica então inédita de biologia molecular. A pesquisa teve início na década de 1990, quando a coccidioimicose, até então uma doença endêmica da região desértica do sudoeste dos Estados Unidos, registrou casos no Nordeste brasileiro, onde indivíduos apresentavam sintomas como febre, tosse seca e lesões pulmonares.

Em entrevista na época, Wanke disse que “inicialmente suspeitava-se de tuberculose, que foi descartada em exames diagnósticos. Após investigações, confirmou-se a presença do fungo Coccidioises paradassi. Começamos, então, a investigar de que maneira esses indivíduos foram contaminados pelo fungo, cuja principal via de transmissão é a inalação de esporos provenientes do solo contaminado pelo agente”.

A equipe liderada por Wanke descobriu, por meio de relatos dos indivíduos infectados, que havia algo em comum entre eles: a maioria tinha contato com solo de toca de tatu, por ocasião da caçada ao animal. A partir dessas informações, os pesquisadores coletaram amostras de solo, em cooperação com a Universidade Federal do Piauí e o hospital do Instituto de Doenças Tropicais Nathan Portela. As análises mostraram que a poeira levantada nas escavações para a caçada dos tatus era responsável pela aspiração dos esporos do fungo pelos indivíduos.

Wanke foi diretor do INI de 1994 a 1997. Foi membro honorário nacional da Academia Nacional de Medicina (ANM) e pesquisador honorário da Sociedade Internacional de Micologia Humana e Animal (ISHAM). Na ocasião em que Wanke recebeu o título da ISHAM, o secretário-geral da Sociedade, Wieland Meyer, disse que o título era um reconhecimento às “contribuições excepcionais no campo da micologia médica e por sua destacada contribuição e influência na comunidade científica global de micologia, além de seus esforços no ensino e no estímulo às próximas gerações de micologistas médicos”.

Tinha mais de 160 artigos científicos publicados e orientou, em sua trajetória acadêmica, 50 alunos de mestrado e doutorado. O pesquisador foi bolsista da Deutscher Akademischer Austauschdienst (DAAD) da Alemanha. Especializou-se em Micologia Médica na Universidade de Freiburg, na Alemanha, e em Medicina Tropical e Parasitologia Médica na Universidade de Hamburgo, no mesmo país.

Wanke ingressou no Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) em 1980 e em 1986 transferiu-se para o Hospital Evandro Chagas (HEC), hoje Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz), em que criou o Laboratório de Micologia Médica e desenvolveu a sua carreira de pesquisador e professor, alcançando amplo reconhecimento nacional e internacional. Sob a sua liderança o laboratório de Micologia do INI tornou-se um laboratório de referência nacional e que desempenha papel estratégico no Sistema Único de Saúde, no diagnóstico de micoses profundas, desenvolvimento de técnicas inovadoras de diagnóstico e capacitação de profissionais de todo o país. Ele também atuou nos cursos de pós-graduação da Fiocruz Piauí e participou do projeto Fioantar, voltado a pesquisas na Antártica.

Luterano, Bodo Wanke era membro da Paróquia Martin Luther, no Centro do Rio de Janeiro. Ele deixou a esposa, a pesquisadora Márcia Lazera, também do INI, e dois filhos, Bruna e Peter. Wanke tinha 80 anos.

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