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Fiocruz e Opas padronizam diagnóstico para leishmaniose cutânea nas Américas


22/11/2023

Maíra Menezes (IOC/Fiocruz)

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Após nove anos de esforços, especialistas concluíram o desenvolvimento de uma metodologia padronizada e validada para diagnóstico molecular da leishmaniose cutânea nas Américas. O avanço no diagnóstico pode contribuir para o controle da doença, considerada negligenciada pela Organização Mundial da Saúde (OMS). A infecção provoca feridas na pele, prejudicando a qualidade de vida dos pacientes, tanto pelo impacto das lesões, quanto pelo estigma. O agravo ocorre em 19 países do continente, com quase 38 mil casos registrados em 2021, sendo 15 mil no Brasil. O desenvolvimento do exame molecular padronizado foi liderado pelo Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) em parceria com a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas). 

Metodologia padronizada identifica o DNA do parasito causador da leihmaniose cutânea em amostras obtidas de lesões na pele (foto: Ricardo Schmidt)

 

Especialistas de seis países – Brasil, Argentina, Bolívia, México, Panamá e Peru – colaboraram no desenvolvimento da metodologia. A etapa inicial do projeto teve ainda participação de pesquisadores da Colômbia, Costa Rica e Espanha. A organização Medicamentos para Doenças Negligenciadas (DNDi, na sigla em inglês) apoiou a iniciativa.

O teste molecular utiliza a técnica de PCR em tempo real para detectar o DNA do protozoário Leishmania, parasito causador da leishmaniose, em amostras obtidas de lesões na pele. Além de confirmar o diagnóstico, a metodologia padronizada permite quantificar o volume de parasitos presente na lesão.

“A carência de métodos de diagnóstico é um grande desafio para o controle da leishmaniose cutânea. A PCR é uma metodologia muito sensível, que pode contribuir para esclarecer casos suspeitos e ampliar o acesso ao tratamento da doença”, ressaltou a chefe do Laboratório de Pesquisa em Leishmanioses do IOC, Elisa Cupolillo, uma das coordenadoras do projeto.

“A PCR em tempo real pode fornecer resultados em apenas algumas horas. Após a pandemia de Covid-19, todos os estados brasileiros e todos os países das Américas estão equipados e capacitados para o diagnóstico molecular. É um cenário favorável para a aplicação desse método”, apontou o chefe do Laboratório de Virologia e Parasitologia Molecular do IOC/Fiocruz, Otacílio Moreira, também coordenador da iniciativa.

O protocolo final do exame foi estabelecido em workshop realizado de 7 a 9 de novembro no campus da Fiocruz, em Manguinhos, no Rio de Janeiro. O encontro reuniu 16 especialistas, incluindo pesquisadores dos seis países que integram a iniciativa e representantes da Opas e DNDi. Na abertura do evento, a coordenadora do Programa Regional de Leishmanioses da Opas, Ana Nilce Maia Elkhoury, e o vice-diretor de Pesquisa, Desenvolvimento Tecnológico e Inovação do IOC/Fiocruz, Elmo de Almeida Amaral, ressaltaram o compromisso com o enfrentamento das leishmanioses.

“Terminamos uma importante etapa para colocar essa metodologia à disposição das pessoas afetadas pela enfermidade na nossa região. Vamos trabalhar para que esse avanço se efetive na prática da saúde pública nas Américas”, afirmou Ana Nilce, que integra a coordenação da iniciativa. 

“Gostaria de agradecer o empenho de todos em desenvolver essa metodologia ao longo de quase dez anos. Esse projeto mostra a importância da parceria entre pesquisadores das Américas e, especialmente, entre o IOC e a Opas no contexto das leishmanioses”, disse Elmo.

A gerente de projetos clínicos para leishmanioses da DNDi, Joelle Rode, destacou o papel da melhoria no diagnóstico em busca da meta de controlar a doença como problema de saúde pública até 2030, estabelecida pela OMS. “Essa metodologia padronizada é um marco no enfrentamento da leishmaniose cutânea e pode abrir portas para o desenvolvimento de testes rápidos no futuro”, comentou Joelle.

Validação internacional

O projeto começou em 2014, reunindo especialistas de diferentes países que já utilizavam a PCR para diagnóstico de leishmaniose cutânea com diferentes protocolos. O primeiro workshop do projeto foi realizado em 2016. Em conjunto, os cientistas estabeleceram um protocolo de consenso para o exame e selecionaram três alvos moleculares para avaliação. 

Os alvos moleculares são os trechos do genoma detectados na PCR. Selecionar a região correta é importante para que o exame seja específico (detectando apenas parasitos do gênero Leishmania) e sensível (com capacidade de identificar o parasito em pequenas quantidades e contemplando diferentes espécies de Leishmania).

No IOC/Fiocruz, a metodologia foi desenvolvida e testada em cepas de Leishmania de referência, mantidas em laboratório. Depois, foram conduzidas duas etapas de validação em amostras clínicas. Na primeira, cientistas do IOC/Fiocruz aplicaram o protocolo no diagnóstico de 116 amostras obtidas de pacientes dos seis países que integram o projeto. Na segunda, os testes foram repetidos em sete centros de pesquisa, sendo um em cada país estrangeiro e dois no Brasil. Cada centro aplicou a metodologia no diagnóstico de 40 amostras.

Além de discutir resultados dos testes de validação da metodologia padronizada, workshop contou com treinamento prático para aplicação do protocolo (foto: Ricardo Schmidt)

 

Participaram do projeto: Fiocruz Rondônia e Instituto Evandro Chagas (IEC), do Brasil; Instituto Nacional de Medicina Tropical (Inmet), da Argentina; Universidad Mayor de San Simón (UMSS), da Bolívia; Instituto Conmemorativo Gorgas de Estudios de la Salud (IGorgas), do Panamá; e Universidad Peruana Cayetano Heredia (UPHC), do Peru.

Os resultados dos testes de validação foram apresentados e discutidos no workshop realizado na Fiocruz. A partir dos resultados, os pesquisadores selecionaram o melhor alvo molecular para a metodologia de PCR padronizada, considerando os índices de sensibilidade e especificidade observados.

Os coordenadores do projeto destacam a importância da validação internacional da metodologia. “A validação multicêntrica abrangeu uma ampla área da zona endêmica para leishmaniose nas Américas, do México à Argentina, na qual circulam diversas espécies de Leishmania. Observamos concordância dos resultados mesmo com diferentes métodos de coleta de amostras, equipamentos e softwares de análise”, pontuou Otacílio.

Atualmente, o diagnóstico laboratorial da leishmaniose cutânea é realizado através da observação direta do parasito por microscopia em amostras obtidas de lesões na pele. Considerando a maior sensibilidade e o custo mais alto do teste molecular, a ideia é que o exame seja usado de forma complementar. Por exemplo, para esclarecer casos suspeitos de leishmaniose cutânea com resultado negativo na análise de microscopia.

No futuro, a metodologia também pode contribuir para o acompanhamento dos pacientes. “A quantificação da carga parasitária pode funcionar como um marcador de prognóstico, uma vez que observamos que essa carga tem relação com desfecho da doença. Essa informação pode contribuir para orientar o tratamento”, diz Elisa.

O relatório técnico de apresentação da metodologia deve ser enviado em breve para a Opas para difusão na região. Os pesquisadores também planejam submeter um artigo científico para publicação em periódico para compartilhamento das informações com a comunidade acadêmica.

O projeto deve continuar com o desenvolvimento de um kit para o diagnóstico molecular da leishmaniose cutânea, reunindo todos os compostos necessários para o teste num único produto. O objetivo é tornar mais fácil e rápida a execução do exame, reduzindo as chances de erro. 

Nos últimos anos, o IOC/Fiocruz contribuiu com o desenvolvimento de kits para diagnóstico molecular de diversas doenças, incluindo infecções negligenciadas com alto impacto no Brasil como doença de Chagas e hanseníase.

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