13/04/2022
Ana Paula Blower (Agência Fiocruz de Notícias)
Negligenciada e silenciosa, a doença de Chagas foi diagnosticada em Joanda Gomes de Araújo quando ela tinha 12 anos e nem imaginava do que se tratava a infecção que afetaria seu coração, esôfago e intestino. Após um período de desmaios e febre, foi levada ao hospital, onde detectou-se o parasito e foi necessário fazer um implante de marcapasso. Foi um longo caminho até que a pernambucana iniciasse o tratamento adequadamente e pudesse ter uma qualidade de vida que hoje a permite estar à frente da Associação dos portadores De Chagas, insuficiência cardíaca e miocardiopatia de Pernambuco, criada há 30 anos. No Dia Mundial de Chagas, lembrado nesta quinta-feira (14/4), ela destaca a importância da conscientização.
“Eu já passei por todo tipo de preconceito com relação à doença, vim de um tempo tão sofrido e castigado, que poder encontrar hoje pessoas que realmente sabem e se importam com o que está te afetando é bom demais. Na associação, é um acolhendo o outro o tempo todo”, conta Joanda. “A associação tem um papel importante não só para mim, mas para a minha família, a comunidade, os afetados, é para a conscientização e o acolhimento de todos”.
Estima-se que, no mundo, a doença de Chagas afete de 6 a 7 milhões de pessoas. A vigilância ainda é um dos principais desafios no enfrentamento da infecção, já que, desse total, estima-se também que cerca de 90% não sabem o seu diagnóstico. Por isso, o tema da campanha do Ministério da Saúde (MS) de 2022 é Onde estamos e quantos somos, para incentivar a notificação e vigilância, possibilitando ações mais efetivas de controle da infecção. Para dar visibilidade ao assunto e contribuir com o debate, a Fiocruz se dedica, nesta e na próxima semana, à realização de uma série de atividades, como o evento em parceria com o MS e Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) desta quarta-feira (13/4) e o evento Reflexões e desafios para o futuro, que ocorre na segunda-feira (18/4).
Castelo Mourisco da Fiocruz recebe iluminação especial em alusão ao Dia Mundial de Chagas (foto: Peter Ilicciev)
O evento, que será transmitido pelo YouTube (link da manhã; link da tarde) das 9h às 17h, terá a participação de representantes da comunidade científica da Fundação; da presidente da Fiocruz, Nísia Trindade Lima; de membros das associações nacionais e internacionais de afetados pela doença; e de pesquisadores. Na ocasião, será lançada a série temática das Memórias do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), que reúne 15 artigos de especialistas do mundo todo. Em seus textos, eles foram convidados a refletir sobre os desafios e oportunidades para o futuro no que diz respeito à doença de Chagas. Esses artigos, que têm caráter propositivo, contêm ainda comentários de diversos autores, como de afetados pela doença.
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Série temática
O responsável do Programa de Controle da Doença de Chagas da OMS e editor da série temática, Pedro Albajar-Viñas, que fará parte da mesa de abertura do evento, explica que a ideia dos artigos partiu na elaboração do roteiro da Organização Mundial da Saúde (OMS) para o controle e eliminação das doenças tropicais negligenciadas. Ele afirma que os autores do material conseguiram colocar em seus textos “reflexões, propostas, novos conceitos e reivindicações”.
“Os artigos abordam aspectos muito variados, não ficam só sob alguns aspectos biomédicos ou biológicos. Nossa intenção era tratar da necessidade de colocar em pé de igualdade as diferentes disciplinas médicas, biológicas, antropológicas, sociais. Há um leque de artigos, escritos por jornalistas, médicos, historiadores, que não é usual”, comenta Albajar-Vinãs. “Se não temos a capacidade de enxergar a complexidade do desafio, não conseguiremos propor nada tão eficiente”.
Angela Junqueira, pesquisadora do Laboratório de Doenças Parasitárias do IOC/Fiocruz e uma das editoras da série temática, também chama atenção para a particularidade dos artigos: “Não queríamos apenas uma revisão científica, o que avançou no tratamento, em vacina, por exemplo. Queríamos mais do que isso, que o autor ou autora propusessem medidas para o futuro, que trouxessem reflexões e soluções. No fim das contas, a gente quer que o paciente tenha uma qualidade de vida, que não seja infectado, é para isso que estudamos”.
Desafios pela frente
Entre os aspectos abordados nos artigos e no evento da próxima segunda-feira, estão os desafios pela frente, como o que Junqueira chama de “silenciamento epidemiológico”, devido a uma dificuldade de notificação dos casos agudos da doença, quando as chances de cura são maiores. “Se você não existe, não existem ações. Ainda há muitos gaps que precisam ser preenchidos”, afirma ela.
A doença de Chagas, uma infecção causada pelo protozoário Trypanosoma cruzi, tem uma fase aguda, que pode ser sintomática ou não, podendo evoluir para as formas crônicas caso não seja tratada precocemente com medicamento específico.
“O mote, a chamada deste ano, é a vigilância sobre a doença, sob a perspectiva de ‘quem somos, onde estamos e quantos somos’ ”, destaca coordenador de Vigilância em Saúde e Laboratórios de Referência da Presidência da Fiocruz Rivaldo Venâncio, que destaca a importância da visibilidade e da participação das pessoas afetadas pela doença no debate público, como no evento do dia 18: “É fundamental para que essa conscientização esteja mais ampliada”.
Venâncio explica que há “um conjunto de fatores que contribui para que a doença de Chagas continue sendo negligenciada”. Por outro lado, de acordo com ele, há, hoje, um avanço científico que possibilita maior facilidade no diagnostico e nos mecanismos de transmissão, como por via transfusão de sangue, já controlado no país. “Mas enfrentamos a transmissão, sobretudo na região norte, oral e a congênita. Há questões novas do ponto de vista da dinâmica de registro e ocorrência que fazem com que a doença continue sendo de difícil o controle. Além disso, temos as questões sociais do país, as desigualdades, as sub-habitações. Enfrentamos, portanto, problemas contemporâneos, sobretudo a transmissão via oral, mas persistimos com problemas seculares”.
Outras atividades
Nesta quinta-feira (14/4), às 14h, também será realizado o lançamento do Kardex – Repositório de Informações sobre a Captura de Triatomineos pelo Programa de Controle da Doença de Chagas. Haverá a palestra Necessidade de uma abordagem multidisciplinar no controle da Doença de Chagas – Lições aprendidas no Brasil, com Israel Molina, pesquisador visitante da Fiocruz Minas. O evento terá transmissão online pelo Zoom.
Além dessas ações, a Editora Fiocruz tem alguns livros sobre o assunto com acesso aberto. Confira algumas obras em português e inglês:
Carlos Chagas, um cientista do Brasil
SieELO Books
Autoras: Simone Petraglia Kropf, Aline Lopes de Lacerda
Veja a obra também no site da Editora Fiocruz.
Doença de Chagas, doença do Brasil: ciência, saúde e nação, 1909 - 1962
SieELO Books
Autora: Simone Petraglia Kropf
Veja a obra também no site da Editora Fiocruz
Clássicos em Doença de Chagas: histórias e perspectivas
SieELO Books
Organizadores: José da Rocha Carvalheiro, Nara Azevedo, Tania C. de Araújo-Jorge, Joseli Lannes-Vieira, Maria de Nazaré Correia Soeiro, Lisabel Klein
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