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Encontro debate Tecnologias Sociais em saúde e acesso à água potável


02/08/2023

Luiza Toschi (Cooperação Social da Fiocruz) e Nathalia Mendonça (Cooperação Social da Fiocruz)

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No dia 26 de junho, a equipe do projeto “Tecnologias Sociais em Saúde da Bacia Hidrográfica do Canal do Cunha”, coordenado  pelo Observatório da Bacia Hidrográfica do Canal do Cunha com apoio da Fiocruz, promoveu um seminário para apresentação dos resultados das ações de saneamento nos territórios socioambientalmente vulnerabilizados da região. O encontro teve como objetivo discutir os desafios e afirmar a importância da construção participativa de tecnologias sociais e políticas públicas para garantia dos direitos básicos da população dessas localidades.

Gideon Borges dos Santos, da Direção da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (Ensp/Fiocruz), abriu o evento  destacando a extensão do impacto das questões ambientais, hídricas e de saneamento na vida da população. “Se elencamos cinco problemas da humanidade, eu arriscaria colocar as questões ambientais em primeiro lugar. Em seguida, viriam as questões de saúde mental, que também são atingidas pelos problemas climáticos e hídricos”, disse Gideon.

Em sua fala, Gideon frisou a importância de um evento público para apresentação de resultados.“Essa é uma instituição pública e, por isso, tem como valor prestar contas à sociedade da aplicação de seus recursos”, afirmou. Além disso, o membro da Direção da Ensp valorizou a atuação em articulação com as instituições da sociedade civil como um sinal do engajamento em produzir resultados que modifiquem de fato a vida das pessoas. “Quando eu li ‘difundir resultados de alcance pela pesquisa com a participação dos moradores do Complexo do Alemão e das pessoas envolvidas’ pude visualizar um compromisso gigantesco com a transformação social”.

Representando a Vice-presidência de Ambiente, atenção e promoção da saúde (Vpaaps/Fiocruz), a coordenadora de Promoção da Saúde, Adriana Castro, reforçou que as discussões dos determinantes sociais da saúde não podem se afastar do debate sobre saneamento. De acordo com as definições da Organização Mundial de Saúde (OMS), os determinantes sociais da saúde são os fatores sociais, econômicos, culturais, étnicos/raciais, psicológicos e comportamentais que influenciam a ocorrência de problemas de saúde e fatores de risco à população. Neste sentido, moradia, alimentação, escolaridade, renda e emprego são determinantes.

Adriana também remarcou a centralidade dos aspectos ambientais nas práticas de saúde. “As emergências sanitárias evidenciam que a nossa saúde está absolutamente ligada à saúde do planeta. No entanto, mesmo assim, as discussões sobre saneamento e direito à água continuam sendo colocadas para debaixo do pano”, refletiu ela sobre a capacidade de resolução dos impactos da pandemia em territórios socioambientalmente vulnerabilizados.

Em sua fala, também destacou a importância de aumentar o investimento em pesquisas participativas  de forma proporcional, considerando os  recursos já dedicados para tecnologias duras, vacinas e laboratórios. Segundo ela,desta forma, é possível reforçar e visibilizar o compromisso com as tecnologias sociais, ampliando a incidência política nas comunidades. Por fim, ressaltou que as políticas públicas de mitigação das iniquidades relacionadas ao saneamento e à justiça ambiental devem ser articuladas com o protagonismo das populações dos territórios atingidos. Adriana entende esse caminho como a alternativa fundamental para promoção da cidadania e para evitar “soluções privatizantes, hierarquizantes e descoladas das realidades das pessoas”. 

A Coordenação de Cooperação Social da Fiocruz teve sua atuação representada e apresentada pelo historiador e integrante do Projeto de Territórios Saudáveis e Sustentáveis em Centros Urbanos, André Lima. “Estamos em uma posição estratégica na Presidência da Fiocruz de provocar o diálogo. A integração entre Unidades da Fiocruz e, principalmente, a articulação com os movimentos sociais atuantes nos territórios são resultados valiosos dessa iniciativa”, explicou ele. De forma crítica, ele pôs em pauta a importância de se respeitar o tempo dos processos sociais não apenas na teoria. “Eu sempre digo que a gente cita muito Paulo Freire, mas na prática é muito difícil incluir na agenda de pesquisa os passos para trás que o diálogo com os territórios demanda”, afirmou.

Representando o Departamento de Saneamento e Saúde Ambiental (DSSA) da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz),Maria José Sales, que integra o projeto Tecnologias Sociais em Saúde da Bacia Hidrográfica do Canal do Cunha, defendeu que nenhuma pessoa pode ser excluída do acesso às águas e defendeu veementemente a necessidade de que o poder público e as instituições ponham   em prática tecnologias sociais e que estas possam apropriadas para as diferentes realidades vivenciadas nessas áreas. Segundo ela, esse tipo de tecnologia pode ser implementada tanto nacionalmente quanto mundialmente. Em referência à Política Nacional de Saneamento, ela afirmou que não adianta haver um marco regulatório se não há esforços para aplicação da lei.

Já Vinicius de Oliveira, assessor de políticas públicas e planejamento ambiental da Secretaria Municipal de Meio Ambiente da Cidade do Rio de Janeiro (SMAC), ressaltou a discussão social realizada na secretaria sobre o papel dessas comunidades. Sua fala valorizou a atuação dos moradores locais dos territórios de favelas e periferias nos processos de recuperação ambiental. Ele ressaltou também que o “papel do poder público de trazer qualidade de vida e mudar a realidade daquele que precisa mais do Estado não pode ficar em segundo plano”.

Encerrando a primeira mesa de debates, a representante do Verdejar Socioambiental, Adriana Regina, apresentou o trabalho de luta realizado pela organização em 25 anos no território da Serra da Misericórdia, Zona Norte do Rio de Janeiro. A professora e pedagoga também relatou sua participação no projeto realizado pelo Observatório da Bacia Hidrográfica do Canal do Cunha junto com os moradores locais. 

“Estar no projeto foi muito bom porque, enquanto moradora do Complexo do Alemão, eu não conhecia a riqueza da Serra da Misericórdia. Eu também não conhecia as tecnologias sociais em saúde. Na pesquisa a gente teve a oportunidade de conversar sobre saneamento, a importância da água. Muita gente não sabia que existia uma outra alternativa possível na questão de tratamento do esgoto”, disse a liderança.

Resultados do projeto

No período da tarde, a pesquisadora do Departamento de Saneamento e Saúde Ambiental (DSSA/Ensp/Fiocruz), Adriana Sotero Martins, realizou a apresentação dos resultados e mapeamento realizado durante o período de duração do projeto. Em debate com os participantes do evento, os integrantes do projeto ressaltaram a importância do apoio das organizações dos territórios e suas tecnologias para a realização da pesquisa. 

“O ciclo básico de investigação da pesquisa foi dividido em quatro fases: a fase do planejamento para melhora da prática e ações; a fase de implementação do que foi planejado; o monitoramento e descrição dos efeitos da ação e a fase de avaliação dos resultados”, explicou. Seis questões temáticas foram planejadas através de uma oficina com moradores e especialistas, divididas em: dados socioeconômicos, condições de saneamento ambiental relacionadas à água, esgoto e resíduos sólidos, floresta e saúde, através do panorama da Covid-19.  

De acordo com o levantamento e mapeamento da região realizados pelo projeto, 38,2% das pessoas da região que responderam o questionário recebem água de 1 a 2 vezes por semana em suas residências; 88% sentiram gosto, cor e odor; 57% das pessoas utilizariam tecnologia social por motivos de falta de água; 40% tiveram falta de água para higienização durante a pandemia. A contagem também evidenciou que 32% das pessoas da região possuem vala de esgoto próximo a casa e 42% ficaram sem coleta de lixo por muito tempo. Os resultados obtidos pelo projeto podem ser acessados aqui.


 

Foram ministradas duas oficinas para o público participante do seminário. A primeira, a oficina de Filtro Biológico - Sistema de Biofiltro -, realizada por Natasha Berendink Handam, doutora em Ciências pelo programa de Saúde Pública e Meio Ambiente da Ensp.  A pesquisadora apresentou a tecnologia socioambiental para acesso à água tratada a partir de nascentes que pode ser utilizada como alternativa durante a falta de abastecimento. A Cartilha sobre água potável e o sistema de Biofiltro está disponível no Acervo Educacional Sobre Água da Agência Nacional de Águas (ANA).

A geógrafa, integrante do Observatório da Bacia Hidrográfica do Canal do Cunha e pesquisadora bolsista da Cooperação Social da Fiocruz, Rejany Ferreira, realizou o encerramento da programação do evento com a oficina sobre Bacia de Evapotranspiração, conhecida como “fossa de bananeiras” - uma tecnologia socioambiental em saúde que realiza coleta e tratamento de esgotos de casas, o que ajuda a diminuir a carga de dejetos lançada nos corpos hídricos, proporcionando melhoria ambiental e com reflexos na saúde da população.

A articulação para realização do evento  envolveu a Coordenação de Cooperação Social da Presidência da Fiocruz, a Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp), o Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict), a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV), a Organização Verdejar Socioambiental e o Espaço Democrático de União, Convivência, Aprendizagem e Prevenção (EDUCAP).

Sobre o Observatório da Bacia Hidrográfica do Canal do Cunha

Criado em 2011 a partir da parceria de várias Unidades da Fiocruz e organizações da sociedade civil, o Observatório promove gestão participativa e ações visando à redução das iniquidades socioambientais de uma dentre as sub-bacias que desaguam na Baía de Guanabara. 

“O Observatório é um espaço de encontro entre a sociedade civil organizada, as universidades e institutos de ensino e pesquisa e os gestores públicos, com o objetivo de produzir um conhecimento balizado pelos atores sociais que vivenciam e experimentam seus espaços de vida e de trabalho, incidindo e induzindo a construção de políticas ambientais contextualizadas por cada território”, diz Rejany Ferreira, geógrafa e pesquisadora da Cooperação Social da Fiocruz, membra do Observatório.

As águas que chegam à Bacia do Canal do Cunha atravessam bairros densamente povoados da Zona Norte da capital, como Manguinhos, Jacaré, Inhaúma, Piedade, Cascadura, Engenho de Dentro, entre outros. No entorno da Bacia, ainda se encontram pelo menos 44 favelas e a sede da Fundação Oswaldo Cruz.

As Unidades da Fiocruz que apoiaram a criação do Observatório são a Coordenação de Cooperação Social da Presidência da Fiocruz, a Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (DSSA/Ensp/Fiocruz), o VideoSaúde do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz), o Laboratório de Educação Profissional em Vigilância e Saúde da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (Lavsa/EPSJV) e a Vice-Presidência de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde (Vpaaps) da Fundação, que atualmente não tem atuado diretamente com os Projetos. As organizações da sociedade civil atualmente envolvidas são: ONG Verdejar Socioambiental, Redeccap, Vila do Fundão: Movimento Pró Vila, Centro de Estudos e ações Solidárias da Maré (Ceasm) e Movimento Baía Viva.

Nos 12 anos de atuação do Observatório, foram realizados cursos sobre água, saúde e ambiente em organizações, escolas de ensino médio da região e em disciplinas  de pós-graduação afins com o  tema; a produção do documentário “É Rio ou Valão?” (disponível abaixo); além de pesquisa de mestrado e projeto de pesquisa voltados para produção de conhecimento sobre a bacia hidrográfica.

A atuação mais recente do Observatório, no Complexo do Alemão, se deu com verba de emenda parlamentar impositiva através do Projeto “Tecnologias Sociais em Saúde da Bacia Hidrográfica do Canal do Cunha”. São os resultados dessa fase que vemos nessa matéria.
 

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