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Em defesa de uma estratégia continuada para enfrentamento do Zika

Foto de Maria Van Kerkhove

24/11/2016

Por: Maíra Menezes (IOC/Fiocruz)*

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Epidemiologista de doenças infecciosas, Maria Van Kerkhove atuou junto à Organização Mundial da Saúde (OMS) na resposta à pandemia de gripe H1N1, em 2009, e à epidemia de ebola na África ocidental, em 2014 e 2015, além de ser conselheira do comitê de emergência da entidade para a síndrome respiratória do Oriente Médio, conhecida pela sigla em inglês MERS. Chefe da força tarefa para investigação de surtos do Centro para Saúde Global do Instituto Pasteur, de Paris, ela coordena as atividades contra a zika na instituição e foi uma das responsáveis pela padronização internacional de protocolos de pesquisa sobre a doença. Kerkhove esteve recentemente no Brasil para o evento zika, promovido pela Fundação Oswaldo Cruz, Academia Nacional de Medicina (ANM) e Academia Brasileira de Ciências (ABC), entre 7 e 10/11. Para ela, a resposta à zika é um dos esforços mais organizados para gerenciamento de uma epidemia, mas a doença representa um desafio diferenciado, que vai exigir pesquisas e ações internacionais coordenados por um longo período. Confira na entrevista.

Que impacto você considera que o fim da emergência de saúde pública de interesse internacional, declarado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) no dia 18/11, pode ter sobre os esforços para controlar a Zika?
Eu realmente acho positivo que a OMS enfatize o investimento em pesquisa de longo prazo para zika. Acredito que é isso que essa decisão representa. Certamente, continua existindo necessidade de uma abordagem internacional coordenada para enfrentar essa importante doença, e a OMS deve desempenhar esse papel por meio da criação de um programa de pesquisa de longo prazo, com financiamento e estrutura de equipe sustentáveis.

Como você avalia o desafio apresentado pelo vírus zika em comparação com outras epidemias nas quais já atuou?
A primeira diferença do zika é que se trata de um vírus transmitido por um mosquito vetor. A maioria das minhas experiências anteriores envolveu vírus de origem animal que tinham recentemente começado a afetar os seres humanos, como o MERS. Nessas situações, em que a transmissão dos patógenos ocorre diretamente de uma pessoa para outra e ainda se encontra limitada a uma região, há formas de interromper os surtos. O zika é transmitido por um mosquito, o Aedes, que está na maior parte do planeta. O controle desse vírus é muito desafiador porque o controle vetorial é estudado há décadas e ainda não temos uma ferramenta efetiva. Outra diferença é que o zika já era conhecido por causar doença em seres humanos, mas acreditava-se que era uma doença leve. O que estamos observando em alguns fetos é realmente horrível, e não sabemos o que fazer para impedir que isso aconteça. Então, há muitos grandes desafios, científicos e de saúde pública, associados ao zika.

Considerando que ainda existem tantos desafios, como você observa o avanço do conhecimento sobre a doença?
Certamente, o conhecimento está avançando de forma rápida na epidemia de zika. No caso da síndrome respiratória do Oriente Médio, por exemplo, a informação que saía inicialmente dos países afetados era muito limitada e muito lenta. Esse cenário só mudou no último ano, com a atuação da nova liderança na Arábia Saudita e com a postura mais acessível do Qatar. Assim, somente quatro anos depois do início do surto, que ocorreu em 2012, estamos aprendendo mais sobre fatores de risco e sobre o alcance da infecção. A resposta à zika é provavelmente uma das mais organizadas que já vi. O problema foi detectado no Brasil, os alertas foram levantados, os grupos de pesquisa foram formados, os casos foram notificados, investigados e publicados. Poderia ser melhor? Sim, sempre. Mas o conhecimento está surgindo e a base científica é realmente sólida. Isso ainda não responde todas as nossas perguntas, mas me sinto encorajada porque o conhecimento está avançando. E, claro, precisamos desse conhecimento para tomar decisões sobre políticas de saúde pública.

Além da busca por uma vacina, que pesquisas você destacaria como prioritárias para as ações de saúde pública?
Um surto de origem vetorial me parece muito difícil de conter sem uma vacina. No caso do zika, todos esperamos que uma vacina estará disponível em algum momento, mas ainda falta, pelo menos, um ano, se não mais, para isso. Paralelamente, as pesquisas relacionadas aos vetores são muito importantes, embora essa não seja minha especialidade. Além disso, para mim, as maiores lacunas no conhecimento sobre a doença são: como o vírus zika causa malformações congênitas e qual o espectro de problemas que podem ocorrer. Já temos uma ideia de que a infecção pode provocar desde danos relativamente leves até microcefalia severa, mas o que há entre esses extremos? E como o vírus provoca isso? Há muita pesquisa em andamento para responder estas questões, mas são estudos que vão levar algum tempo, porque cada gravidez dura nove meses e precisamos acompanhar um grande número de pacientes.

Assim como outros epidemiologistas, você já disse que será necessário acompanhar dez mil gestações para avaliar o risco de malformações congênitas provocadas pelo vírus zika, certo?
Esse número é muito grande porque a microcefalia é uma condição rara. Então, precisamos acompanhar muitas mulheres para avaliar a frequência de casos de malformações congênitas. Além disso, precisamos usar metodologias que permitam a comparação entre dados dos diferentes países. Por exemplo, no estudo retrospectivo que fizemos sobre a epidemia registrada na Polinésia Francesa em 2013, concluímos que o risco seria de 1% se a infecção ocorresse no primeiro trimestre da gravidez. Mas, depois, pesquisas preliminares do Brasil indicaram que risco pode chegar a 20% ou 30%. O problema é que esses estudos não comparam, de fato, as mesmas coisas, porque as metodologias são muito diferentes.

Foi essa questão que motivou a elaboração de protocolos padronizados para estudos epidemiológicos, que foram publicados em outubro pela OMS. Como esse trabalho foi realizado?
Esse trabalho foi liderado pela OMS, Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) e Instituto Pasteur, juntamente com vários parceiros, incluindo a Fiocruz. Partimos de protocolos compartilhados por grupos que já estão conduzindo estudos em campo e buscamos harmonizar as metodologias, de forma que os resultados obtidos sejam comparáveis. Os primeiros estudos indicam que as malformações ainda são bastante raras, e cada caso estudado é precioso para o ganho de conhecimento – além de, claro, ser de partir o coração, quando pensamos nas famílias envolvidas. Usando os protocolos padronizados, esperamos que cada grupo possa coletar informações de um número menor de pessoas e, posteriormente, os resultados possam ser agrupados, para obter as respostas de que precisamos. É importante dizer que os protocolos trazem metodologias padronizadas, apontando o mínimo de informação que deve ser coletado, mas deve haver adaptações aos contextos locais. Os seis protocolos estão publicados em acesso aberto e gratuito no site da OMS e já recebemos um grande número de solicitações de diversos países.

Na sua opinião, quando será possível fornecer mais respostas à sociedade?
Já podemos dizer às pessoas que o zika é uma causa de microcefalia, com base em evidências que são cada vez mais claras. Infelizmente, ainda não somos capazes de dizer para uma mulher com suspeita de infecção qual o risco para seu o filho e o que ela pode fazer a respeito disso. Essa é realmente uma grande questão, até mesmo do ponto de vista ético, pois não queremos que as mulheres pulem para a conclusão de que estar infectada significa ter um bebê com problemas. Algumas crianças nascem completamente normais. O que precisamos descobrir é por que alguns bebês são afetados e outros não, e qual a taxa absoluta de malformações. Quando vamos saber isso? Somente quando esses estudos tiverem terminado, e ainda vai levar algum tempo.

Qual a importância de encontros científicos como o evento ‘Zika’, promovido pela Fiocruz, ANM e ABC?
Encontros como esse são muito importantes, não apenas para a pesquisa científica, mas para o gerenciamento de emergências em geral. Em primeiro lugar, eles permitem compartilhar o conhecimento e as informações mais recentes. Em segundo, são uma oportunidade de discussão com profissionais de diferentes especialidades, vindos de regiões e países diferentes, que têm visões variadas sobre a doença.

*Edição Raquel Aguiar (IOC/Fiocruz)

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