05/05/2017
Por: Maíra Menezes (IOC/Fiocruz)*
A desnutrição afeta a resposta imune frente a infecções e, entre as diferentes formas de desnutrição, a carência de proteínas na dieta é uma das formas mais prejudiciais. A desnutrição proteica é um fator de risco conhecido para o desenvolvimento da leishmaniose visceral. Em novo estudo, publicado na revista internacional Scientific Reports, pesquisadores do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) e da Universidade Nacional da Colômbia descrevem mecanismos que ajudam a compreender essa associação nociva. O trabalho detalha alterações da desnutrição proteica sobre o timo, órgão de maturação das células de defesa conhecidas como linfócitos T, o que pode prejudicar a resposta imune ao parasito Leishmania infantum, causador da doença. O impacto negativo da desnutrição no desenvolvimento do agravo é mais um fator que caracteriza uma situação social perversa: classificada como doença negligenciada, a leishmaniose afeta majoritariamente populações que vivem em condições de pobreza, que também são as mais afetadas pela carência de proteínas na dieta – os dois aspectos se somam, com efeitos deletérios.
Imagens de microscopia mostram parasitos L. infantum no timo de animais desnutridos. Os parasitos são observados em verde e os macrófagos (células de defesa), em vermelho. No alto, as setas e a ampliação destacam dois parasitos. No centro, um parasito é visto próximo a um macrófago. Abaixo, as setas apontam ninhos de parasitos – o que não foi verificado nos animais com alimentação saudável
A investigação é liderada pelo Laboratório de Pesquisas em Leishmaniose do IOC em parceria com o Grupo de Investigação em Hormônios da Universidade da Colômbia, com a colaboração do Laboratório de Pesquisas sobre o Timo do IOC. Realizado em camundongos, animais considerados modelos para o estudo da leishmaniose visceral, o trabalho dá sequência a uma pesquisa publicada pelo mesmo grupo em 2014. Na ocasião, os cientistas identificaram atrofia e alteração na composição celular do timo em animais desnutridos e infectados por L. infantum, o que foi acompanhado por um aumento precoce da quantidade de parasitos no baço, um dos principais órgãos afetados na leishmaniose visceral.
A nova pesquisa confirma os achados anteriores: os pesquisadores observaram que os camundongos com alimentação saudável infectados por L. infantum apresentaram aumento de 31% no tamanho do timo, enquanto os animais com carência de proteínas infectados pelo parasito sofreram redução de 34% no tamanho do órgão. Uma vez que o crescimento está associado com a proliferação e a mobilização de células no timo para reagir à infecção, a redução do tamanho do órgão indica dificuldades na resposta imune. Paralelamente, a presença de parasitos no timo foi verificada com mais frequência no grupo com desnutrição, que também apresentou maior carga parasitária no baço.
Falhas na migração celular
Após serem produzidas na medula óssea, as células precursoras dos linfócitos T migram para o timo, onde amadurecem e se diferenciam, dando origem a subpopulações celulares que atuam na defesa do organismo. Isso acontece de duas formas: a ação direta no combate às infecções intracelulares e a ação indireta por meio da ativação de outros tipos de células de defesa e da regulação da resposta imune. Os pesquisadores observaram que a carência de proteínas pode prejudicar tanto a chegada das células precursoras ao timo, quanto o retorno de linfócitos T maduros para o órgão. Como resultado dessa combinação de fatores, a resposta à infecção é prejudicada.
Segundo o estudo, a capacidade de migração das células precursoras e dos linfócitos T não é afetada, porém a desnutrição provoca uma queda significativa na produção de moléculas que compõem o microambiente do timo – fundamentais para orientar o deslocamento celular durante o processo de maturação. Por esse motivo, a entrada de células precursoras no órgão é reduzida e o processo de diferenciação apresenta falhas. Ao mesmo tempo, há dificuldade em atrair linfócitos T maduros de volta para o timo, o que contribui para o descontrole da infecção dentro do órgão.
Os autores destacam que não foram encontradas evidências de que a desnutrição provoque um aumento da morte celular no timo, embora essa possibilidade não possa ser descartada. Segundo eles, os resultados reforçam o papel do microambiente do órgão no controle da leishmaniose visceral. “Nossos dados mostram uma drástica desregulação das moléculas migratórias no timo, o que afeta a entrada e a saída de linfócitos imaturos e maduros. Esses achados sugerem que a desnutrição tem um efeito deletério sobre a resposta imune mediada pelos linfócitos T, reduzindo a capacidade dos animais privados de proteínas para controlar a proliferação dos parasitos”, concluem os cientistas.
Referência do artigo: Losada-Barragán, M. et al. Protein malnutrition promotes dysregulation of molecules involved in T cell migration in the thymus of mice infected with Leishmania infantum. Sci. Rep. 7, 45991; doi: 10.1038/srep45991 (2017). Foto da capa: Imagem de microscopia mostra macrófagos do timo nos quais são encontrados antígenos do parasito L. infantum / Crédito: Losada-Barragán, M. et al
*Edição: Raquel Aguiar
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