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Curso internacional promove imersão no universo dos vetores


25/10/2023

Maíra Menezes (IOC/Fiocruz)

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O Brasil é o país das Américas com maior número de doenças transmitidas por vetores, tais como dengue, febre amarela, leishmaniose e febre maculosa. Para compreender a disseminação desses agravos e desenvolver estratégias de enfrentamento, é preciso conhecer tanto os microrganismos que causam as doenças, como os insetos que propagam as infecções e as características socioambientais que favorecem o seu espalhamento. Com o objetivo de ampliar conhecimentos e o domínio de métodos e técnicas de pesquisa sobre este tema, um curso internacional, com aulas em inglês, reuniu estudantes de pós-graduação e professores do Brasil e dos Estados Unidos, na região de Pedra Azul, em Domingos Martins, no Espírito Santo.

O professor Aloísio Falqueto, da Ufes, demonstrou técnicas de captura de insetos em aula prática de campo (Foto: Gutemberg Brito)

 

Promovida pelo Programa de Pós-graduação em Medicina Tropical do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), a 11ª edição do curso Determinantes Ecológicos das Doenças Transmitidas por Vetores (Detvetores) foi realizada em parceria com a Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e o Laboratório de Entomologia Médica da Flórida (FMEL), da Universidade da Flórida, nos Estados Unidos. A atividade contou com o financiamento da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Rio de Janeiro (Faperj), Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e do FMEL.

Dezessete estudantes de mestrado, doutorado e pós-doutorado participaram das atividades, incluindo alunos das pós-graduações de Medicina Tropical, Biologia Parasitária e Biologia Celular e Molecular do IOC, além de estudantes da UFES e da Universidade da Flórida. As aulas foram ministradas por 25 professores e monitores de cinco instituições brasileiras – IOC/Fiocruz, Ufes, Universidade Federal de Viçosa (UFV), Universidade Federal Fluminense (UFF) e Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) – e duas americanas – FMEL e Universidade do Texas Medical Branch (UTMB).

O curso foi coordenado pelos pesquisadores Nildimar Honório e Vanessa de Paula, do IOC; Luciana Stanzani e Aloísio Falqueto, da Ufes; Tanise Stenn e Jorge Rey, do FMEL. Os docentes ressaltaram a importância da parceria nacional e internacional estabelecida para a formação de pesquisadores e o enfrentamento das doenças vetoriais.

“No Brasil, temos um desafio importante no contexto das doenças de transmissão vetorial, visto a diversidade de insetos vetores e das doenças associadas em ambientes permissivos. O curso Detvetores tem a missão de compartilhar conhecimentos teóricos e práticos sobre os principais determinantes ecológicos relacionados a esses agravos, visando o fortalecimento da vigilância entomológica, a colaboração científica e a internacionalização do Programa de Pós-graduação em Medicina Tropical do IOC”, salientou Nildimar. Idealizadora e coordenadora geral do curso, a entomologista é pesquisadora do Laboratório das Interações Vírus Hospedeiros do IOC e coordenadora do Núcleo Operacional Sentinela de Mosquitos Vetores (Nosmove/Fiocruz).

“As doenças tropicais não são coisas do passado. Depois de 80 anos, a febre amarela voltou a vários estados do Brasil, causando mortes. Precisamos formar novas gerações de pesquisadores, que deem continuidade aos estudos nessa área”, destacou Falqueto, médico e professor da Ufes, que foi orientado pelo parasitologista Leônidas Deane na Pós-Graduação em Medicina Tropical do IOC.

“Trazer o curso Detvetores para o Espírito Santo é ainda mais importante considerando a carência de entomologistas e a relevância epidemiológica das doenças vetoriais no estado. É uma oportunidade de formação e de despertar o interesse dos jovens para essa área tão importante na saúde pública”, completou Luciana, bióloga da Ufes, que foi aluna do curso em 2019. 

“Essa tem sido uma parceria muito produtiva ao longo dos anos. A experiência internacional é importante para os nossos alunos e pesquisadores e o curso tem facilitado as cooperações científicas e o intercâmbio de estudantes”, apontou Rey, diretor do FMEL.

Iniciado em 2011, o curso Detvetores ocorre em formato internacional desde 2018. Este ano, pela primeira vez, a atividade foi realizada fora do Rio de Janeiro. Estudantes de graduação e ensino médio do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Espírito Santo (IFES), campus Guarapari, participaram de parte das atividades.

Em formato de imersão, o curso começou com uma bateria de aulas teóricas. Ao todo, 17 aulas foram ministradas durante o curso por professores das instituições participantes. Os docentes discutiram o cenário das doenças vetoriais, a diversidade e o comportamento dos vetores e destacaram a relevância de expandir as pesquisas na área.

“Até hoje, descobrimos novas espécies de mosquitos nos Estados Unidos, que tem cerca de 200 espécies conhecidas. Em um país tropical como Brasil, onde a biodiversidade é muito maior, certamente existem muitas espécies que ainda não foram descritas”, salientou o entomologista e professor da FMEL, Lawrence Reeves.

“Passamos a ter cocirculação de quatro sorotipos de dengue, além de chikungunya e zika no Brasil. O mosquito Aedes aegypti não será erradicado, mas não podemos aceitar, após 40 anos de epidemias, ter mais de mil mortes por ano causadas por dengue, como vem ocorrendo”, afirmou a virologista e pesquisadora do Laboratório de Interações Vírus-Hospedeiros do IOC, Flávia Barreto, docente da Pós-Graduação em Medicina Tropical.

“Além de dengue, zika e chikungunya, temos cerca de 40 vírus transmitidos por vetores que podem causar doença em pessoas e animais, identificados no Brasil, como os vírus da encefalite de Saint Louis, Ilhéus e Mayaro. Ainda há muitas lacunas no conhecimento”, apontou o professor de virologia veterinária da UFV, Alex Pauvolid Corrêa.

As aulas abordaram questões relevantes para o enfrentamento dos agravos, como a resistência aos inseticidas e a relação entre a paisagem e as doenças vetoriais. Além disso, apresentaram metodologias para o desenvolvimento de pesquisas, incluindo técnicas para identificação de espécies de mosquitos, flebotomíneos, culicóides e carrapatos. Abordagens para mapeamento e análise estatística de dados também foram discutidas. Métodos de coleta de diferentes tipos de vetores foram apresentados aos estudantes, incluindo armadilhas tradicionalmente usadas na entomologia e dispositivos desenvolvidos por pesquisadores do Brasil e dos Estados Unidos.

Para colocar os conhecimentos em prática, os alunos desenvolveram pequenos estudos. Divididos em grupos, eles escolheram questões a investigar e aplicaram metodologias discutidas no curso.

As coletas de insetos silvestres adultos e de larvas foram realizadas no município de Venda Nova do Imigrante e no entorno do Parque Estadual da Pedra Azul, em Domingos Martins, contemplando áreas com diferentes tipos de paisagem, incluindo, por exemplo, Mata Atlântica preservada e ambientes rurais. Os trabalhos abordaram a fauna de mosquitos e de flebotomíneos em diferentes locais e altitudes, a diversidade de formas imaturas de insetos na água armazenada em bromélias e a população de carrapatos na mata nativa e numa área de pastagem.

Com diferentes formações e interesses de pesquisa, os estudantes destacaram aprendizados teóricos e práticos, assim como o caráter interdisciplinar do curso e a interação entre alunos e professores de diversas instituições e países. “Estou começando o mestrado e as metodologias de coleta de mosquitos vão ser importantes. O curso também trouxe questões novas, em relação à estatística e geografia, que vou buscar dominar para melhorar minha pesquisa”, apontou Caio Ceres Pereira da Silva, aluno de mestrado em Medicina Tropical.

“Nós aprendemos sobre análises de dados, novas ferramentas, novos softwares, e sobre desenho de estudo. Então, isso realmente vai ser utilizado na nossa pós-graduação e nos nossos futuros estudos”, avaliou Dalila Machado, mestranda em Medicina Tropical. “Estamos na academia e no futuro, podemos trabalhar também na vigilância em saúde. A interação com os colegas, tanto do Brasil como do exterior, ajuda a criar uma rede de contatos para estudar os vetores e as doenças que são transmitidas por eles”, comentou Leandro Siqueira, doutorando em Medicina Tropical.

“Com a vivência com os professores no campo, aprendemos coisas que a gente não encontra na literatura, como detalhes dos movimentos da coleta de mosquitos”, pontuou João Pedro Drumond, mestrando em Biologia Parasitária. “O curso foi enriquecedor não só pela troca com os professores, mas também pela troca com os outros alunos, porque conhecemos outros projetos e podemos também fazer parcerias”, acrescentou Claulimara Moreira, doutoranda em Medicina Tropical.

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