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Controle da varíola aponta caminhos para saúde pública

Menina sendo vacinada contra a varíola em Alagoas, no ano de 1970

05/05/2022

Luana Dandara (Portal Fiocruz)

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Com o último caso de transmissão natural identificado em outubro de 1977, na Somália, e a doença oficialmente erradicada pela Assembleia Mundial da Saúde em maio de 1980, a varíola foi um marco na história da humanidade em vários aspectos. Registrada há milhares de anos, a infecção, causada pelo vírus Orthopoxvirus variolae, matou cerca de 300 milhões de pessoas somente no século XX, segundo a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas). O número é bem superior ao de outras moléstias, como a tuberculose, a hanseníase, a Aids, a gripe espanhola, e até mesmo a Covid-19. Nem mesmo a soma do número de mortos de todas as guerras já travadas no mundo já travados no mundo supera o total de vítimas da varíola. 

A erradicação só foi possível graças a um esforço global de dez anos, liderado pela Organização Mundial da Saúde, que envolveu diversas instituições, incluindo a Fiocruz, e milhares de profissionais de saúde em todo o mundo para administrar meio bilhão de vacinas contra a varíola. Entre eles está o pesquisador Fernando Verani, epidemiologista da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz). 

Entre os anos de 1975 e 1977, antes mesmo de integrar a equipe da Fiocruz, Verani atuou na eliminação dos últimos surtos da doença em Bangladesh, na Índia, e na Somália. “Realizava os treinamentos locais para a vacinação, e percorria as cidades para buscar novos surtos e controlá-los. Cheguei a ver o último caso pessoalmente, era um agente de saúde que faleceu há poucos anos. Ele resistiu à doença”, contou Verani.

Nem todos tinham essa sorte, no entanto: a varíola tinha uma taxa de letalidade próxima a 30%, conforme dados da Opas – ou seja, a cada 10 pessoas que pegam a doença, três morriam, em média. A transmissão da varíola ocorria de pessoa para pessoa, por meio das vias respiratórias, ou através do contato com objetos contaminados. Pessoas de todas as idades eram infectadas.

Em sua forma mais grave, a enfermidade causava erupções na garganta, rosto e outros locais do corpo. Elas evoluíam, com o tempo, para pequenas bolhas com pus, provocando coceira intensa e dor. Nesse estágio, o risco de uma sequela de cegueira era significativo, pois, ao tocar o olho, o enfermo podia causar uma grave inflamação. Não existia tratamento efetivo contra a varíola, e a vacina foi praticamente a única forma de combatê-la. 

“A varíola foi uma das grandes pestes da história. Muito cruel e muito grave, ela deixou milhares de pessoas sofrendo de cegueira. Há registros bem antigos de tentativa de controle da varíola, inclusive com o princípio próximo ao da vacina. Os chineses, na Idade Média, pegavam as crostas das feridas das pessoas com varíola, amassavam e as sopravam nas narinas de outras pessoas para que elas ganhassem imunidade”, detalhou Fernando Verani. Mas foi só no final do século 18, que o médico inglês Edward Jenner desenvolveu, de fato, a primeira vacina contra a varíola - não por acaso, também a primeira vacina registrada no mundo. 

Estratégia de erradicação

O fato de os seres humanos serem os únicos hospedeiros da doença, a existência de um só sorotipo e imunidade permanente conferida tanto pela infecção quanto pela vacina contribuíram para o desaparecimento da varíola. Essa foi a primeira e única doença erradicada da face da Terra pela ação da medicina. Isso equivale a dizer que o vírus variólico foi extinto e deixou, assim, de participar da biosfera natural deste planeta.

Contudo, a erradicação da doença no mundo não dependeu apenas da imunização. Parte fundamental dessa conquista, o Programa Intensificado de Erradicação da Varíola (PEV), estabelecido pela OMS no ano de 1966, aliou a vacina criada mais de 150 anos antes com a adoção de diversos conceitos e técnicas de trabalho em saúde pública usados até hoje para conter surtos e epidemias. 

Nessa época, a utilização do imunizante já havia feito a varíola recuar em várias partes do globo. No Brasil, contudo, a enfermidade ainda representava grande risco e uma rígida legislação foi estabelecida para garantir a vacinação e a revacinação local, cujos certificados passaram a ser exigidos para obtenção de documentos públicos, pagamento de salários, matrícula nas escolas públicas e privadas e viagens ao exterior. O último caso brasileiro foi registrado em 1971.

Outra estratégia empregada em países dos continentes africano e asiático foi a vacinação de bloqueio em moradores da vizinhança de um caso confirmado ou suspeito, explicou Verani. O procedimento também ajudou a conter o reaparecimento do sarampo nos últimos 20 anos e ainda é utilizado no plano de erradicação da poliomielite. 

“A erradicação da varíola foi um importante marco no desenvolvimento científico da vigilância epidemiológica. Em 1967, a estratégia de vacinação de bloqueio passou a ser utilizada para a contenção dos surtos. Para isso, tínhamos que rastrear todos os casos e os contatos do infectado. Essa mesma estratégia foi utilizada na pandemia da Covid-19, assim como o isolamento dos doentes”, explicou o pesquisador. “Não foi apenas a vacina a responsável pela erradicação da varíola, mas uma combinação de métodos, fundamentais para o estabelecimento de modelos de controle de outras doenças transmissíveis”, completou.

Fernando Verani espera, agora, que o mesmo esforço utilizado para a erradicação da varíola seja aplicado contra a poliomielite. A doença ainda circula em alguns países, e corre o risco cada vez maior de ser reintroduzida em territórios nos quais já foi erradicada, como o Brasil. 

“A varíola só foi eliminada com uma cooperação internacional intensa. Um programa que se propõe a erradicar uma doença tem que ser rigoroso, não pode haver paralisação, queda na cobertura vacinal ou enfraquecimento da vigilância epidemiológica”, destacou. “O sarampo é um exemplo, já que voltamos a ter casos no Brasil após sua erradicação. Precisamos reforçar esse alerta para que a pólio, uma doença com consequências muito graves, não seja a próxima”, afirmou ele.

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