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Coletânea reúne diferentes visões sobre o consumo de álcool pelos povos indígenas


23/08/2013

Por: Fernanda Marques/ Editora Fiocruz

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Consumir bebidas alcoólicas é um problema? Quais são os critérios para identificar quando esse consumo se tornou problemático? Os critérios biomédicos que definem a dependência ao álcool como uma patologia se aplicam a todos os contextos culturais? O uso do álcool é uma questão de contornos complexos, em especial quando se consideram os povos indígenas, entre os quais problemas relacionados ao uso de álcool aparecem como importantes problemas de saúde pública, embora a produção acadêmica nacional sobre o assunto ainda seja relativamente escassa. Como o álcool adquire uma variedade de funções em diferentes grupos sociais, a análise não pode se restringir à ingestão da bebida em si: é preciso relacionar o consumo a processos socioculturais e político-econômicos. É o que defendem os autores da coletânea Processos de Alcoolização Indígena no Brasil: perspectivas plurais, organizada pelo médico psiquiatra e sanitarista Maximiliano Loiola Ponte de Souza, pesquisador da Fiocruz Amazônia.

O livro, que integra a Coleção Saúde dos Povos Indígenas, descreve e analisa as características específicas dos diversos modos de uso de álcool em diferentes povos indígenas brasileiros. Os capítulos mostram ao leitor contextos bastante distintos: dos indígenas do Alto Rio Negro e da região do Uaçá, na Amazônia, aos Kaingang e Mbyá-Guarani, no sul do país, passando pelos Pankararu do Nordeste, os Bororo do Centro-Oeste, os Maxakali de Minas Gerais e os Guarani de Angra dos Reis (RJ). “O leitor não encontrará pesquisas sobre prevalência de dependência do álcool, fatores de risco ou de enfoque clínico, seja médico ou psicológico. O foco dos capítulos não está no indivíduo, mas nos grupos sociais. Pretende-se, aqui, ressaltar, explorar e compreender as especificidades dos diferentes modos de beber de diferentes povos indígenas”, explica Maximiliano.

Ao apresentar as múltiplas facetas envolvidas no consumo de álcool, a coletânea se afasta do conceito de ‘alcoolismo’, muito restrito à esfera biomédica, e valoriza o entendimento acerca dos ‘processos de alcoolização’, que englobam fenômenos de ordem histórica, política e sociocultural. “A expressão encontra-se no plural para destacar o entendimento de que existe uma diversidade de contextos nos quais os povos indígenas fazem uso de álcool, e que cada um deles tem suas especificidades”, salienta o organizador.

Articulação entre biomedicina e ciências sociais

Os capítulos trazem relatos teóricos, etnográficos, historiográficos e de intervenções culturalmente orientadas. Os textos buscam superar os enfoques limitados aos aspectos patológicos do consumo de álcool: demonstram que os efeitos da bebida – sejam negativos, sejam positivos – não podem ser dissociados de seus aspectos sociais, econômicos e psicológicos. Essa complexidade aponta para a necessária complementaridade entre as perspectivas da biomedicina e as das ciências sociais.

Justamente por isso o desafio de compreender os processos de alcoolização indígena não pode ser enfrentado por uma única disciplina – os autores da coletânea incluem historiadores, antropólogos, sociólogos, psicólogos, médicos, educadores, teólogos etc. Só que, além de articular as diferentes disciplinas, a coletânea também chama a atenção para os saberes e práticas dos próprios indígenas. O livro ratifica a importância do protagonismo indígena no enfrentamento dos problemas relacionados ao uso de bebidas alcoólicas, e reconhece que estratégias desenvolvidas em outras realidades não podem ser diretamente transpostas para o contexto indígena.

“A minha expectativa é a de que este livro facilite o diálogo interdisciplinar e possa vir a fornecer subsídios para ações intersetoriais”, afirma o organizador. Ou seja, espera-se que os elementos teóricos e experiências narradas no livro possam orientar tanto a produção de um conhecimento menos fragmentado a respeito da realidade indígena, como possam balizar ações de intervenção que articulem diferentes saberes. Ações que sejam capazes de atender às demandas de saúde dos indígenas e, ao mesmo tempo, culturalmente sensíveis à sua diversidade étnica. 

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