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Abrascão 2022: pesquisas da Rede PMA-APS apresentaram trabalhos no congresso


15/05/2023

Por Laís Jannuzzi - PMA/VPPCB

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Durante o 13º Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva, que aconteceu entre os dias 21 e 24 de novembro, a equipe de gestão do Programa de Políticas Públicas, Modelos de Atenção e Gestão do Sistema e Serviços de Saúde (PMA), ligado à Vice-Presidência de Pesquisa e Coleções Biológicas (VPPCB), circulou pelo Centro de Convenções Salvador e acompanhou a exposição de doze trabalhos, feitos por coordenadores ou integrantes, das pesquisas que fazem parte da Rede PMA APS. Além das apresentações orais e mesas redondas, outros 16 trabalhos ficaram disponíveis no site do evento na modalidade “apresentação assíncrona”. 

No fim do primeiro dia do evento aconteceu o lançamento do e-book “Financiamento e organização da Atenção Primária à Saúde no Brasil: mudanças e tendências nas regras federais do SUS”. A obra é uma importante contribuição para a reflexão crítica a respeito dos caminhos econômicos que determinam os rumos da APS. Ela também foi pensada para ajudar e situar gestores do SUS, que são desafiades pelas constantes mudanças nas regras do financiamento público federal, e dar condições para que busquem alternativas de superar as dificuldades encontradas na rotina dos serviços.

A publicação é um dos produtos gerados pela pesquisa “Mudanças nas regras de transferência de recursos federais do Sistema Único de Saúde: implicações e desafios para o financiamento e a organização da Atenção Primária à Saúde”, que faz parte da Rede PMA APS, e é coordenada pelas pesquisadoras Luciana Lima e Adelyne Mendes, da ENSP/Fiocruz. Para elas, o maior desafio foi construir e fortalecer a conexão de pesquisadores, alunes e gestores envolvides com a pesquisa, e isso oportunizou um processo rico e de múltiplos olhares.

Marly Marques e Santuzza Vitorino coordenam a pesquisa “Análise dos usos e influências da pesquisa Avaliação da implantação da Vigilância Alimentar e Nutricional na Atenção Primária à Saúde em municípios de grande porte populacional de Minas Gerais”. As duas participaram da organização do livro “Avaliação em saúde, redes sociotécnicas e translação do conhecimento”, lançado no penúltimo dia do congresso.

Todos os exemplares foram vendidos no mesmo dia. Para Marly, a ideia era trazer a prática para dentro das páginas e não restringir o conteúdo às questões teóricas e metodológicas. O foco na gestão de projetos de pesquisa da Fiocruz foi escolhido para mostrar que esse modo de fazer ciência é relevante para se obter melhores resultados. Dessa maneira, as pesquisas podem ser mais factíveis para as realidades sobre as quais elas se debruçam. “A gente precisa, cada vez mais, transformar todo esse conhecimento que a gente desenvolve numa ação mais voltada para a melhoria das nossas intervenções, políticas e programas”, afirmou.

A pesquisadora menciona dois desafios na adoção da avaliação mais participativa dentro de uma pesquisa. O primeiro é qualificar a participação dos atores que fazem parte do estudo. Isso significa engajar e atribuir responsabilidades junto e para eles dentro do processo de produção do conhecimento. O segundo seria avaliar o uso desse conhecimento pelos mesmos atores: “Fazer ciência para gente é tornar a ciência algo totalmente utilizável para a melhoria da qualidade de vida de todos”.

Outra dupla de coordenadoras de pesquisas da Rede PMA-APS, Laís Costa (ENSP) e Vanira Pessoa (Fiocruz Ceará), participaram da mesa redonda “Os saberes populares e as práticas comunitárias na dinâmica da Atenção Primária à Saúde”. Laís apresentou dados que apontam a marginalização de pessoas com deficiência (PcD), como os baixos índices de conclusão do ensino médio, superior e ingresso no mercado de trabalho. Ela também apontou que pessoas com deficiência intelectual sofrem mais violência do que pessoas com deficiências físicas, visuais ou auditivas.

Para a pesquisadora, a ciência na área da saúde também é um campo que invisibiliza PcD. Ela afirma que um dos aspectos que contribui para isso é o assujeitamento das pessoas com deficiência na literatura biomédica: “Até na academia os mitos sobre, por exemplo, a sexualidade de PcD reinam”. Além disso, outro fator que contribui para esse processo de marginalização é a impossibilidade de se fazer medicina baseada em evidências para essa parcela da população porque ela é heterogênea.

“Se cuidar se aprende cuidando, incluir se aprende convivendo. PcD são mais vulneráveis e a comunicação feita por profissionais da saúde deve ser eficaz e fazer sentido para essas pessoas”, afirmou. Laís relembrou durante umareunião geral da Rede PMA-APS, ao conhecer a pesquisa-ação SERPOVOS, coordenada por Vanira, foi inspirada pela estética dela: “Nós não somos belos e fomos ser belos”.

Foi nesse movimento de busca por autonomia e visibilidade no cuidado em saúde que o conceito de ecologia dos saberes conectou as pesquisas da mesa redonda. Vanira pessoa trabalha a temática de Estratégia de Saúde da Família (ESF) em territórios do campo, da floresta e das águas. Ela também enxerga uma postura excludente da ciência tradicional: “Trabalhamos com território vivo e isso exige reorganização colaborativa com a população. Devemos aprender coisas novas sem abandonar outros saberes que não são científicos”.

Essa dinâmica escolhida, segundo a pesquisadora, permite que os agentes de saúde da ESF identifiquem os reais problemas de saúde da população local. Além da mesa redonda, Vanira também realizou mais duas apresentações orais no congresso: uma para apresentar a pesquisa SERPOVOS de maneira mais detalhada e outra sobre a relação entre práticas do cuidado em saúde nos territórios indígenas do Ceará.

Questionada sobre o que achava das atividades das quais participou, Vanira disse que “trabalhar em um lugar pequeno, vir para um evento do tamanho do Abrascão, ter a sala lotada de pessoas de diversos cantos do país e ver a nossa mensagem sobre a APS ressoar é motivador para seguirmos nesse caminho”.

Frequentadora do congresso desde 2003, ela disse que é a primeira vez que sente o congresso atento para a discussão a respeito dos conceitos de diversidade, equidade, justiça social e participação popular na saúde pública. “Nos últimos anos ficou claro para as instituições de ensino e pesquisa que, se a gente não trabalhar com essas perspectivas, a gente corre o risco de perder o SUS”, concluiu.

Márcia Morosini (ESPJV) coordena a pesquisa, que faz parte da Rede PMA APS, “Desafios do Trabalho na Atenção Primária à Saúde na Perspectiva dos Trabalhadores”. Ela fez parte da comunicação coordenada sobre a precarização do trabalho na APS e classificou a atividade como “uma oportunidade incrível de ouvir mulheres pesquisadores pensando a realidade de trabalho no SUS”. As participantes contribuíram para mostrar as tensões existentes nessa área e Márcia deixou claro o desalinhamento entre o que foi aprendido na formação e o que é feito na rotina de trabalho dos agentes comunitários de saúde (ACS).

De acordo com o estudo elaborado por sua equipe, esse descompasso na implementação gera sofrimento e insegurança em fazer a coisa certa: “A ESF chama os trabalhadores a promover uma atenção territorializada, integral e popular. Os trabalhadores que atendem a essa

convocação se sentem frustrados quando a burocratização e metas quantificáveis se sobrepõem as metas do cuidado e impedem que essas diretrizes, com as quais eles concordam, sejam implementadas”.

Muitas vezes, as particularidades de trabalhadores e da rotina da APS nos diferentes territórios acabam sendo entendidas como problemas. Esse tipo de visão acaba contribuindo para um esvaziamento da atenção primária em vários aspectos. Por isso, Márcia disse sempre trabalhar com a perspectiva do geral e do específico para entender como essas dinâmicas se alimentam e como elas podem se fortalecer.

Essa questão apresenta um ponto em comum com outro projeto da Rede PMA-APS denominado “Modelos organizacionais para APS no SUS em territórios rurais remotos no Brasil”. Ele é coordenado por Márcia Fausto, que participou de dois eventos no Abrascão. Na mesa redonda “Estratégias e programas de formação, provimento e fixação de profissionais de saúde no Brasil: histórico, contexto atual e perspectivas”, ela foi categórica: “As especificidades culturais, territoriais e econômicas não podem ser tratadas como dificuldades, mas devem ser vistas como base para elaboração das políticas em saúde”.

De acordo com a pesquisadora, um dos motivos que levam a essa postura é ter nas cidades urbanas um modelo de política pública da APS a ser replicado para territórios com dinâmicas completamente diferentes. “É nesse sentido que o financiamento entra para levar em consideração as especificidades dos locais remotos”. Márcia também observou que os territórios analisados em sua pesquisa apresentam vulnerabilidade econômica e que o transporte é um aspecto fundamental para APS nessas regiões.

Ao participar da comunicação coordenada “APS em municípios rurais remotos brasileiros: contexto, organização e acesso a atenção integral no SUS”, a pesquisadora falou sobre o grande vazio assistencial em saúde nesses territórios e destacou como crucial o papel do ACS, por geralmente estar fixado nessas áreas enquanto outras categorias profissionais se concentram nas sedes. De uma maneira geral, Márcia disse que são necessárias políticas públicas nacionais com foco em provisão, fixação e formação para garantir melhora na APS dessas localidades.

“O território é o lugar de possibilidade para alcançarmos a equidade em saúde a partir das diferenças e sob a perspectiva da justiça social.” A fala de Grácia Gondim, coordenadora da pesquisa “Vigilância em Saúde e a Territorialização: modelo de atenção reorientador de práticas e saberes na Atenção Primária à Saúde”, da Rede PMA-APS, sintetiza o contexto de sua participação na atividade “Uso pedagógico de iconografias na territorialização de informações em saúde para formação de técnicos em vigilância em saúde”.

Guiada pela potência das regiões nas quais seu estudo se debruçou, Grácia aposta na valorização do conhecimento técnico e territorial dos agentes de controle de endemias que participam da pesquisa. A partir do uso de iconografias e fotografias, esses profissionais, que muitas vezes moram no território no qual trabalham, passam a desnaturalizar certas questões e passam a se reconhecerem mais na realidade na qual vivem. “O que eu acho importante desse trabalho no congresso é mostrar que a valorização do saber de técnicos em vigilância em saúde é importante. Eles não são apenas executores de tarefas, mas também fazem ciência”, concluiu.

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