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Fiocruz outorga título de Doutora Honoris Causa a Zezé Motta


31/10/2024

David Barbosa (CCS)

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Ó senhora liberdade, abre as asas sobre mim. Cantando estes versos, a atriz Zezé Motta se tornou, nesta quinta-feira (31/10), a primeira artista a receber o título de Doutora Honoris Causa pela Fiocruz — a maior honraria concedida pela instituição. A cerimônia foi realizada no auditório do Museu da Vida Fiocruz e transmitida ao vivo pelo canal da Fundação no YouTube.

A atriz Zezé Motta ao receber o título do presidente da Fiocruz, Mario Moreira (Foto: Peter Ilicciev)

A iniciativa de homenagear Zezé partiu do presidente da Fiocruz, Mario Moreira, e foi aprovada por unanimidade pelo Conselho Deliberativo da instituição. “Sempre digo que é muito importante o reconhecimento das coisas boas que você realiza, porque é um incentivo para que você continue lutando pelo que acredita”, afirmou Zezé, ao receber o diploma. “Minha carreira foi marcada pela busca da representatividade e pelo combate ao preconceito. Hoje, recebendo esse título, sinto que a minha trajetória se entrelaça à de todos que lutam por justiça e igualdade”. 

Na abertura da cerimônia, Moreira destacou que a concessão do título “busca reconhecer o trabalho de pessoas que contribuíram para a melhoria da humanidade e do país”. “Entendemos que a expressão científica também se dá pela cultura e pelas artes, mas, para além disso, Zezé encarna a luta do nosso cotidiano por um país menos desigual”, enfatizou o presidente. “Esta é uma luta da Fiocruz, porque é uma luta da sociedade brasileira”. 

Mais de 50 anos de carreira 

Nascida em Campos dos Goytacazes, no norte do Rio de Janeiro, a atriz chegou a trabalhar como operária na indústria farmacêutica antes de estrear, em 1967, na peça Roda viva, de Chico Buarque. De lá para cá, foram 13 peças de teatro e mais de dez discos, sendo o mais recente Pérolas negras (2024), no qual divide os vocais com Alaíde Costa e Eliana Pittman.

Zezé relembrou momentos de sua carreira e celebrou suas vitórias e a de todas as mulheres pretas (Foto: Peter Ilicciev)

No audiovisual, porém, é que Zezé conquistou seu lugar de maior destaque na arte brasileira. Explodiu como protagonista de Xica da Silva (1976), filme dirigido por Cacá Diegues. Atuou em mais de 45 produções na televisão — como a antológica Beto Rockefeller (1968), que inaugurou um novo modo de fazer telenovela no Brasil — e mais de 60 filmes, participando de clássicos como Vai trabalhar, vagabundo (1973), de Hugo Carvana. Em 2022, venceu o Prêmio Grande Otelo do Cinema Brasileiro de Melhor Atriz Coadjuvante pelo filme Doutor Gama. A premiação já a havia homenageado em 2019 por sua contribuição à cultura nacional. A bem-sucedida carreira também lhe rendeu um Troféu Oscarito, do Festival de Gramado, pelo conjunto de sua obra, em 2007. 

“Ser uma mulher preta no Brasil é, por si só, um marco diário. Mas ser uma mulher preta que conseguiu se firmar no cenário artístico, desafiando estereótipos e conquistando espaços é uma vitória que carrego comigo — e junto a mim, todas as mulheres pretas que vieram antes e as que ainda vivem agora”, disse Zezé, que fez um apelo pelo fim da violência contra a mulher e o feminicídio. “Não podemos aceitar que mulheres neste país sejam vítimas de violência. Não se naturaliza o medo, a vergonha e a dor”.  

Luta antirracista 

A trajetória de Zezé foi relembrada pela coordenadora de Equidade, Diversidade, Inclusão e Políticas Afirmativas da Fiocruz, Hilda Gomes. Além dos palcos, a atriz atuou fortemente na consolidação da luta antirracista no Brasil, colaborando com a criação do Movimento Negro Unificado, na década de 1970, e fundando ela própria o Centro de Informação e Documentação Artista Negro (Cidan), em 1984. “Zezé é um ícone da cultura brasileira e porta-voz de uma luta antirracista fundamental para o fortalecimento da democracia e redução das desigualdades no Brasil”, destacou Hilda. “Ela é a personificação do nado contra a correnteza, sendo a própria correnteza. Há mais de 55 anos, vem lutando pelos direitos das pessoas negras, das mulheres e da classe artística”.

A coordenadora de Equidade, Diversidade, Inclusão e Políticas Afirmativas da Fiocruz, Hilda Gomes, destacou a luta de Zezé no movimento antirracista (Foto: Peter Ilicciev)

Em seu discurso, Zezé homenageou a pensadora e ativista Lélia González, de quem foi amiga e aluna. “Eu sempre soube que tinha algo errado no país. Sentia muita inquietação, muita agonia, mas não sabia por onde começar”, contou a artista. “Através de um curso de cultura negra ministrado por Lélia, entendi que eu precisava me informar mais, me aprofundar. Na aula inaugural, Lélia disse: ‘Eu sei por que vocês estão aqui. Gostaria de lembrar que não temos mais tempo para lamúrias. Temos que arregaçar as mangas e virar esse jogo’. Aquela aula mudou minha vida, porque me deu o norte: em vez de ficar me lamentando, eu precisava fazer alguma coisa”.  

A diretora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), Anamaria Corbo, representou o Conselho Deliberativo da Fundação na cerimônia e reiterou a importância da arte para a promoção da saúde. “Quando aceitamos pensar sobre a saúde de forma ampliada, aceitamos pensar sobre essa relação com a arte de um modo menos pragmático — não apenas como ampliação de acesso a diferentes formas de produção artística, mas da arte como potência para a transformação social”, afirmou. “Pela arte, podemos nos ver diante do que não sabemos dizer, mas do que teimamos em desejar sonhar como indivíduos e como coletivo. Se nosso compromisso é pensar e realizar saúde numa dimensão que se contrapõe ao apequenamento, à alienação da vida, precisamos de muita energia criativa”. 

Apresentações culturais 

A cerimônia incluiu, ainda, duas apresentações culturais. Na abertura, os músicos Sara Hana e Zé Duarte Neto cantaram duas canções do repertório de Zezé: Tigresa, composição de Caetano Veloso inspirada nela; e Senhora Liberdade, obra de Nei Lopes e Wilson Ribeiro. Convidada a se reunir aos artistas, Zezé não hesitou: pegou o microfone e participou da apresentação. Ao final, atores do projeto Ciência em Cena, do Museu da Vida Fiocruz, encenaram Uma cena para Zezé, peça criada especialmente para a homenagem.

Sara Hana e Zé Duarte Neto cantaram 'Tigresa' e 'Senhora Liberdade' (Foto: Peter Ilicciev)

“Acredito que a arte tem o poder de unir pessoas e dar voz àqueles que muitas vezes são silenciados. E a luta vai além dos palcos. Ela é uma defesa da igualdade de gênero, da diversidade nas equipes e do reconhecimento justo pelo trabalho realizado”, disse Zezé. “Espero que minha trajetória inspire novas gerações a continuar essa luta, enfrentar as barreiras do racismo, defender a equidade e valorizar a cultura brasileira”.

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