18/09/2024
Vinicius Ameixa
A conferência magna realizada recentemente, com a presença de Txai Suruí, ativista indígena e produtora executiva do documentário “O Território”, e Paulo Gadelha, coordenador da Estratégia Fiocruz para a Agenda 2030, destacou a importância da integração entre saberes tradicionais e científicos na luta por um futuro mais justo e sustentável. A mesa-redonda foi mediada com entusiasmo, enfatizando a relevância de ambos os palestrantes no cenário global de defesa ambiental e dos direitos dos povos indígenas.
O evento começou com uma calorosa recepção aos participantes e ressaltou a importância do filme “O Território”, vencedor do Sundance Festival, como uma peça crucial para a compreensão das lutas enfrentadas pelos povos indígenas da Amazônia. Os mediadores explicaram que o documentário, uma coprodução entre o diretor americano Alex Pritz e as comunidades indígenas, oferece uma visão autêntica sobre a resistência dos povos Uru-Eu-Wau-Wau diante das ameaças ao seu território. O público respondeu de maneira emocionada, aplaudindo de pé ao final da exibição.
Em seguida, Paulo Gadelha tomou a palavra para comentar o impacto emocional que o filme causa, especialmente para Txai Suruí, que, apesar de sua participação como produtora executiva, encontra dificuldades em assisti-lo devido à forte representação das dores de seu povo. "É difícil ver as cenas que retratam o genocídio dos Uru-Eu-Wau-Wau, cuja população caiu de milhares para apenas 200 pessoas. O filme escancara a ausência do Estado na proteção dessas comunidades", afirmou Gadelha. Ele também sublinhou a importância da Amazônia para o futuro do planeta, um ponto central do documentário.
Txai Suruí, visivelmente emocionada, agradeceu a presença de todos e destacou que "O Território" é uma iniciativa importante para amplificar as vozes indígenas em um cenário global. "Esse filme é uma maneira de mostrar ao mundo a realidade das nossas lutas, mas sob a nossa perspectiva", afirmou. A ativista destacou como as tecnologias modernas estão sendo utilizadas para monitorar e proteger o território, combatendo o avanço de garimpos ilegais e queimadas que ameaçam a biodiversidade amazônica.
Foto: Vinicius Ameixa (EFA 2030)
Durante a conferência, o diálogo entre Paulo Gadelha e Txai Suruí explorou as relações entre a ciência acadêmica e a sabedoria indígena. Gadelha, ao abordar o conceito de Antropoceno e suas implicações na crise climática, questionou a dicotomia entre natureza e racionalidade. "Precisamos de uma abordagem que permita o diálogo entre esses conhecimentos, sem que um sobreponha o outro", sugeriu ele. Txai Suruí concordou e reforçou que, muitas vezes, a ciência tradicional só valoriza o conhecimento indígena quando este é legitimado pela academia, um fato que ela considera problemático. “Muitos saberes científicos foram inspirados por práticas indígenas ancestrais, mas raramente são reconhecidos como tal", destacou.
O diálogo seguiu para a importância da visibilidade internacional das lutas indígenas, especialmente após o histórico discurso de Txai Suruí na ONU. Ela afirmou que a participação dos povos indígenas em conferências internacionais, como a COP, é crucial para trazer à tona as soluções propostas por essas comunidades para crises globais, como a mudança climática. “Precisamos ocupar esses espaços e mostrar que as respostas para muitos dos problemas ambientais que enfrentamos já existem nas práticas dos povos tradicionais", enfatizou Txai.
Paulo Gadelha também perguntou sobre a colaboração entre povos indígenas e outras comunidades tradicionais, como quilombolas e comunidades periféricas. Txai Suruí respondeu que a criação de redes de diálogo entre esses grupos é fundamental para fortalecer a resistência contra a destruição dos territórios. "A juventude indígena está cada vez mais conectada e usando plataformas digitais para compartilhar conhecimento e defender nossos direitos", disse ela, destacando a importância de unir diferentes lutas em prol da vida e da preservação da biodiversidade.
A ativista finalizou sua fala com um apelo urgente à demarcação de terras indígenas e à eleição de representantes indígenas nos âmbitos legislativo e executivo, ressaltando a necessidade de avançar nessa luta para garantir a proteção dos direitos dos povos originários. "Nosso território é nossa vida, e a demarcação é a única forma de protegê-lo", concluiu Txai.
Foto: Gutemberg Brito (VPAAPS/Fiocruz)
Destaque a Neidinha Suruí
Neidinha Suruí é uma das mais influentes e incansáveis ativistas na defesa dos direitos dos povos indígenas e da preservação da Amazônia. Com décadas de experiência no ativismo, ela se tornou uma referência não apenas por sua coragem e determinação, mas também por sua capacidade de articulação em um cenário político e social adverso. Seu trabalho junto ao povo Uru-Eu-Wau-Wau, um dos mais ameaçados da Amazônia, é emblemático da luta pela sobrevivência cultural e física dos povos originários. Neidinha não apenas atua na linha de frente contra invasões ilegais de terra, desmatamento e garimpo, mas também é uma voz potente que alerta sobre os riscos de genocídio e de perda irreparável da biodiversidade amazônica. No documentário "O Território", seu papel é essencial para demonstrar a resistência diária que essas comunidades enfrentam, enquanto ela denuncia a falta de apoio do Estado e a impunidade que favorece aqueles que lucram com a destruição da floresta.
Durante a conferência magna, Neidinha foi reverenciada por seu trabalho e recebeu aplausos calorosos do público, simbolizando o reconhecimento de sua longa trajetória de lutas. Sua participação no evento foi uma lembrança poderosa de que a luta pelos direitos indígenas e pela proteção ambiental não se faz apenas no campo diplomático ou nas grandes conferências internacionais, mas também no dia a dia, em território ocupado e ameaçado. Neidinha representa a interseção entre ativismo local e repercussão global, usando sua voz para conscientizar o mundo sobre a urgência de preservar a Amazônia e seus povos. Sua dedicação vai além da proteção da terra; ela trabalha pela sobrevivência cultural e pela garantia de um futuro onde a sabedoria ancestral dos povos indígenas seja integrada às soluções para a crise climática global.