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Desastres: pesquisadoras listam recomendações para a assistência farmacêutica


03/06/2024

Barbara Souza (Informe Ensp)

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Crucial no campo da saúde também em contextos de desastres, a assistência farmacêutica precisa estar bem estruturada e preparada para situações de emergência. A falta de planejamento de ações, tanto de preparação quanto de resposta a momentos críticos, tende a agravar os danos. Tragédias causadas por eventos climáticos extremos, como as chuvas que inundaram grande parte do Rio Grande do Sul, devem ocorrer cada vez mais frequentemente, como alerta o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). Por isso, é urgente que municípios se organizem para fornecer assistência farmacêutica para estes cenários. 

Centro de Distribuição das Farmácias em Gravataí (RS) (foto: Itamar Aguiar, SES-RS)

 

As farmacêuticas Claudia de Castro, pesquisadora do Departamento de Política de Medicamentos e Assistência Farmacêutica (NAF) da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz), e Elaine Miranda, mestre e doutora pelo Programa de Saúde Pública da Ensp/Fiocruz e professora associada da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal Fluminense (UFF), listaram as principais recomendações para a preparação e a resposta da assistência farmacêutica dos municípios aos desastres. 

Preparação

Segundo as especialistas, a assistência farmacêutica em desastres precisa ter profissionais e gestores capacitados, uma relação de medicamentos que vão ser necessários para o atendimento nos diferentes momentos da crise e, claro, um plano a ser executado. Neste documento, devem constar as ameaças identificadas e todas as ações planejadas para cada situação de risco, por exemplo.

A elaboração do plano poderia ficar a cargo de um Comitê de Operações Emergenciais (COE), que geralmente é criado já com o desastre em andamento. No entanto, seria interessante uma estrutura permanente, que conte com um farmacêutico para garantir as ações ligadas à assistência farmacêutica.

“A participação de farmacêutico no comitê é um marcador importante. É uma voz no espaço onde as decisões devem ser tomadas muito prontamente durante o desastre”, defende Elaine Miranda. A professora mencionou ainda a comunicação entre os diferentes órgãos como um problema na hora do desastre. Nesse sentido, o comitê permanente manteria integrados representantes de diferentes esferas, como parte do esforço da preparação.

Para conduzir as equipes em ações de preparação e resposta em contexto de crise, para as pesquisadoras, os gestores devem estar capacitados sobre o tema. Desastres ocorrem e seria preciso que os municípios minimizem ao máximo os danos. Para isso, seria necessário estruturar a assistência farmacêutica. Quem lidera a estruturação seria a gestão central dos serviços de saúde a partir de um plano de preparação. "Poucos municípios possuem um plano desse tipo", lamentam Claudia e Elaine.

Como consequências do despreparo dos gestores em relação à preparação da assistência farmacêutica para desastres, há perda de estoques de medicamentos já adquiridos, além de compras e recebimento de doações de produtos desnecessários naquele momento, por exemplo. “Se o gestor não pensou na preparação, também não definiu um lugar estratégico geograficamente para armazenar tais produtos, uma Central de Abastecimento Farmacêutico adequada", explica Elaine. “Armazenar dá trabalho e tem um custo de infraestrutura física, de material e de recursos humanos. Em caso de não uso, ainda haverá o descarte, que também gera gastos”, completa Claudia.

A aproximação entre profissionais da assistência farmacêutica e da Defesa Civil é fundamental para medidas coordenadas e medidas de preparação assertivas. A Defesa Civil (DC) tem informações que servem de base para as ações da saúde, incluindo a assistência farmacêutica. A cada evento, os agentes da Defesa Civil acumulam dados que, se bem observados, indicam o que será necessário e útil num próximo desastre. “É um exercício de previsão, que quanto mais pautada em dados concretos, mais assertiva será", resume a professora da UFF.

“A Defesa Civil e a Saúde devem agir de forma coordenada. A DC entende o que aconteceu e a saúde decide o que precisa ser feito”, diz a pesquisadora da Ensp/Fiocruz. Claudia Osorio exemplifica que a programação de medicamentos é mais eficiente se feita por um profissional que tenha interface com a Defesa Civil, pois não se trata de uma programação do dia a dia das unidades básicas. “A DC sabe quem são e onde estão os prováveis afetados”. 

"Todas as medidas, tanto de preparação quanto de resposta, devem estar descritas em um documento ou Plano de Preparação para Emergência. Esse planejamento é a âncora e é a primeira coisa que deve ser feita", afirmam Claudia e Elaine.

Para a assistência farmacêutica municipal de base, também é fundamental investimento na estrutura física das centrais de armazenamento. Esses locais devem ter a proteção necessária para resistir a eventos extremos, garantindo a preservação do conteúdo que abriga.

Ter listas de medicamentos essenciais é outra necessidade. A partir da lista e da análise das ameaças presentes no território, seria possível definir os medicamentos que serão necessários. As listas garantem que os gestores saibam do que precisarão no momento da emergência. A quantidade de medicamentos deverá ser estimada a partir do perfil das pessoas potencialmente afetadas.

“Para elaboração dessas listas, é necessário pensar em especificidades que estão relacionadas aos desastres. No caso de enchentes, deve-se pensar na leptospirose. Se haverá pessoas em abrigos, escabiose. Neste momento, no Rio Grande do Sul, próximo ao inverno e com muitas pessoas em abrigos, é importante pensar em medicamentos para doenças respiratórias”, explica Elaine Miranda. Ela destaca que é importante considerar a manutenção dos tratamentos que estavam sendo feitos antes do desastre. A provisão deve considerar as necessidades de base e as decorrentes do desastre em suas diferentes fases.

Já Claudia Osorio aponta que pode ocorrer de listas de medicamentos de alguns municípios terem uma ou duas opções terapêuticas que não serão suficientes. “A depender do tempo que leva para uma crise melhorar, as pessoas podem ter infecções respiratórias graves. É possível que precisem de antibióticos que não sejam de primeira linha, que não sejam da Atenção Primária”. Por isso, é necessário que os municípios tenham condições de mensurar quantidades de cada medicamento, também levando em consideração o perfil da população.

Também seria preciso investimento em recursos humanos com a capacitação dos profissionais que já compõem as equipes. Eles devem receber treinamentos para agir em situações de desastres e também ser preparados para orientar voluntários que se somem às equipes em momentos críticos.

A contratação de farmacêuticos é uma medida essencial para estrutura da assistência farmacêutica municipal de base. A falta ou insuficiência desse profissional é uma deficiência muito comum nos municípios. Além disso, o acúmulo de diversas funções por um mesmo farmacêutico é um problema recorrente nas unidades de saúde. 

Os farmacêuticos de municípios vizinhos podem se unir para realização de cursos, por exemplo. Juntos, eles podem criar um banco de profissionais e voluntários que sejam fáceis de mobilizar. Para isso, também é necessário ter uma cadeia de comando bem definida, com uma estrutura de comunicação ágil e prática entre os membros.

A logística pode ser uma lacuna grave nos momentos de desastre. Por isso, o planejamento das rotas de distribuição de medicamentos é um ponto fundamental no âmbito da preparação dos municípios. Não basta ter estoques à disposição, é necessário ter alternativas, caminhos e saídas para que medicamentos e insumos sejam entregues onde precisam chegar.

Como medidas práticas importantes, as pesquisadoras destacaram o investimento em veículos, como botes ou até mesmo helicópteros, que podem ser adquiridos por municípios em consórcio.  

Resposta

Criar uma estrutura centralizadora para receber medicamentos também é importante durante uma situação de emergência. Tanto Claudia quanto Elaine acreditam que nem todos os abrigos precisam ter farmácia. Para elas, o ideal é haver uma estrutura - a ser definida segundo as características de cada abrigo - para distribuir medicamentos para as pessoas abrigadas.

Desta forma, um esquema de distribuição dos medicamentos é tão importante quanto a centralização. “Precisa ser pensado caso a caso, de acordo com o contexto, pois manter medicamentos em abrigos tem seus riscos”, diz Elaine. Por isso, as professoras defendem a presença de um farmacêutico nos abrigos que tenham farmácia. “É preciso gerir os medicamentos sujeitos a controle especial”, exemplificam. 

Saber gerir o recebimento de doações é fundamental. “As doações, inclusive de produtos farmacêuticos, sempre vão acontecer em momentos de desastres ou logo após. Se o recebimento não for muito bem organizado, pode se tornar um problema”, explica Elaine.

Além disso, no momento da resposta, é preciso definir uma estrutura de armazenamento e conservação dos medicamentos das eventuais farmácias em abrigos. Este aspecto costuma ser bastante crítico, pois um medicamento que não é bem conservado não será seguro. Assim, surgem outros riscos que podem ser tão graves quanto a desassistência. 

Ainda na resposta, um levantamento situacional nos abrigos é uma etapa incontornável. “Pessoas treinadas podem listar nomes, dados e necessidades dos abrigados. As demandas identificadas devem, então, ser repassadas à farmácia central e, em seguida, seriam entregues kits prontos para prestar os cuidados necessários conforme as necessidades levantadas”, detalha Claudia.

Pensar no retorno das pessoas em abrigos às suas antigas casas ou novas moradias é uma importante etapa da reta final da resposta ao desastre. As pesquisadoras alertam que se deve prestar orientações e continuar fazendo o trabalho neste momento.

“Assistência farmacêutica não é só medicamento. A área tem que estar preparada para a prevenção, para a promoção e também para a hora da recuperação. O farmacêutico é um profissional de saúde e deve fornecer orientações em saúde. Ele faz parte da equipe multiprofissional, inclusive sendo, em muitos casos, o último profissional a ter contato com o paciente”, pondera a professora Elaine. 

Estruturar a Atenção Primária também seria uma resposta a desastres. Mesmo que não sejam imediatas, de acordo com as pesquisadoras, as ações nesse sentido contribuem para a resiliência do sistema de saúde, o que inclui a assistência farmacêutica. As recomendações incluem uma série de medidas que, realizadas em conjunto por diferentes municípios, podem fortalecer a assistência farmacêutica em desastres. Como, por exemplo: o COE pode ser regional, reunindo gestores de diferentes cidades; as redes de contatos para trocas de medicamentos e insumos, ou até mesmo de recursos humanos, devem ser fortalecidas; a formação de consórcios entre municípios para aquisição de medicamentos e insumos pode resultar em mais capacidade de negociação com fornecedores; e a concentração de medicamentos num mesmo depósito compartilhado pelos municípios também torna essa gestão mais eficiente em muitos casos.

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