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Cuidadoras familiares de pessoas idosas sofreram mais durante a pandemia de covid-19


04/04/2024

Graça Portela (Icict/Fiocruz)

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Foto: Pixabay - Sabinevanerp

Em 2020, o IBGE divulgava o aumento do número de familiares que cuidam de idosos em todo o país. Os dados foram extraídos do suplemento “Outras Formas de Trabalho”, da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua 2019 (PNAD Contínua) e mostram, dentre outros pontos, que: 

• Número de familiares que se dedicavam a cuidados de indivíduos de 60 anos ou mais saltou de 3,7 milhões em 2016 para 5,1 milhões em 2019. 

• Percentual de pessoas que cuidavam de idosos é maior em estados do Nordeste. 

A mesma pesquisa mostrou que “monitorar ou fazer companhia dentro do domicílio (83,4%), auxiliar nos cuidados pessoais (74,1%) e transportar ou acompanhar para escola, médico, exames, parque, praça, atividades sociais, culturais, esportivas ou religiosas (61,1%) são as principais atividades requeridas pelos idosos.”  Ela também evidenciou que a sobrecarga de trabalho doméstico e cuidados de pessoas recai sobre as mulheres (21,3 horas semanais para elas e 11,7 horas para os homens). Com o envelhecimento da população, constatado no Censo 2022, que indicou um crescimento de 57,4% no número de pessoas idosas no Brasil em um período de 12 anos, a situação tende a se agravar. 

Pandemia: sobrecarga dobrada 

Os pesquisadores da Fiocruz, Dalia Romero, coordenadora do Grupo de Informação em Saúde e Envelhecimento – GISE/Icict, Daniel Groisman, da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV) e Leo Ramos Maia, da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP), escreveram um artigo intitulado “O apoio às cuidadoras familiares de pessoas idosas no contexto da pandemia de COVID-19", onde apresentaram os dados de 2.023 pessoas colhidos em todo o país, mostrando que a situação apresentada pela PNAD 2019 se agravou nos dois anos em que a doença vitimou milhões de pessoas. 

A pesquisa, que deu origem ao artigo, foi baseada no inquérito “Cuidando de quem cuida”, coordenado pelos pesquisadores a partir da constatação da reduzida base de fontes de dados que há no Brasil sobre as condições de vida das pessoas cuidadoras de pessoas idosas. Segundo Dalia Romero, o artigo contém informações relevantes, “sendo que uma das principais é verificar que há um alto percentual de mulheres (quase 40%) que não contou com apoio durante a pandemia”, afirma. 

Crédito: Dados extraídos do artigo "O apoio às cuidadoras familiares de pessoas idosas no contexto da pandemia de COVID-19" | Foto de fundo: Rafa Neddermeyer_Agencia Brasil - Idosos

Os pesquisadores analisaram também os dados pela ótica do apoio: contratado (quando a pessoa/família contrata profissional ou não para cuidar do parente idoso), familiar (quando mais membros da família se envolvem no suporte ao parente idoso) e na ausência total de apoio.   

Romero chama a atenção para o fato de cuidadoras que tinham três anos ou mais dedicadas ao cuidado de seu familiar idoso (60% delas) “não tiveram suporte e lutavam com a piora da saúde física e mental, cuidando 24 horas, todos os dias na semana, situação semelhante a escravidão, mesmo considerando que esse trabalho seja feito com e por amor”, afirma. Nos dados abaixo, a piora da saúde física e mental é evidente. 

Crédito: Dados extraídos do artigo "O apoio às cuidadoras familiares de pessoas idosas no contexto da pandemia de COVID-19" | Foto de fundo: Rafa Neddermeyer_Agencia Brasil - Idosos

No dia a dia 

Maria Betânia, 59 anos, casada, moradora de Recife (PE). Ela cuida do sogro, Hugo, que chama carinhosamente de Guri. Ele tem 89 anos e é portador de demência em estágio avançado: 

“Na pandemia, tivemos que dispensar nossa rede de apoio, ficando só eu, meu marido e Guri (meu sogro), foi bastante complicado e desafiador. 

A hora do banho, acho que era o pior momento, tive que colocar a cabeça para funcionar e tentei várias formas: aboli a palavra banho e dizia que os pés estavam sujos e por aí seguia, colocava uma caixinha de som com as músicas dele preferidas etc. Na maioria dos dias conseguimos, mas em alguns, não teve jeito. 

Tive esgotamento físico, mas em um grau leve, acho que o coletivo “Filhas da Mãe” me ajudou muito com trocas de experiências e me dando dicas para eu tentar me cuidar.” 

Luciana, 61 anos, casada, moradora de Natal (RN). Ela cuida do marido, Elias, que desde os 53 anos sofre com a doença de Alzheimer – ele está com 59 anos.  

“Foi bem difícil, ninguém sabia ao certo o que era aquilo. Tive que dispensar os multiprofissionais (home care), ficando apenas com o técnico de enfermagem (6 horas). 

Por não saber do que se tratava inicialmente, minha filha não queria permitir que o técnico tocasse no pai e eu não podia dispensar ele também porque senão ia caracterizar que não precisava de homecare. Dei banho nele uns dias tudo sozinha, bem difícil, porque meu marido é grande e pesado, enquanto o técnico ficava na sala, na rede. Até que não aguentei e pedi ajuda dele. 

Meu marido tinha muitos engasgos e já tinha tido três pneumonias por repetição. A alimentação pastosa e espessada era dada com muito cuidado e paciência.  

Minha ansiedade ficou mais exacerbada. Tive covid com Elias e fiquei com síndrome do pensamento acelerado, não conseguia dormir, parar de fazer as coisas, muito angustiante. 

Uma coisa que muito me ajudou e ajuda até hoje é participar de grupos de apoio a cuidadores familiares com pessoas com demência. Participo de um presencial, que na época ficou só on-line o grupo "Cuidando de quem Cuida" e outro também on-line de Brasília, o " Coletivo Filhas da Mãe", que muito me ajudaram nessa troca de experiência e com atividades para nós, cuidadoras.” 

Políticas públicas 

A coordenadora do Gise chama a atenção sobre o papel da mulher enquanto cuidadora, afirmando que tanto a sociedade quanto o Estado “invisibilizam totalmente” a maior carga do cuidado familiar atribuído a mulher. Segundo Dalia Romero, as pesquisas e a realidade mostram que a situação é pior para as mulheres que, “tendo em média, 50 anos, param suas vidas para cuidar de um familiar idoso”. O que pode ser feito?  

“Políticas públicas. Especialmente, pela implementação de programas e ações”, afirma Dalia Romero. Para ela, “é fundamental, urgente e justo que o Estado dê visibilidade à probemática. O SUS e, especialmente a Atenção Básica, poderia ser capacitado e sensibilizado para identificar as pessoas cuidadoras, cuidar de quem cuida”.  

Com o decreto nº 11.460, de 2023, que instituiu o Grupo de Trabalho Interministerial – que conta com representantes de várias instituições, dentre elas a Fiocruz, e Dalia Romero integra a equipe – o governo federal espera mudar a situação dos cuidadores familiares de pessoas idosas. O Grupo tem como finalidade elaborar as propostas da Política Nacional de Cuidados e do Plano Nacional de Cuidados. A pesquisadora do Icict acredita que haverá mudanças: “estamos atualmente trabalhando no Brasil numa nova política de cuidados a qual reconhecerá que a integração entre o SUS e o SUAS (Sistema Único de Assistência Social) é essencial para o bem-estar da população brasileira, especialmente para quem precisa de cuidado.”  

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