13/03/2024
Nathalia Mendonça (Cooperação Social da Presidência)
O projeto Tecnologias Sociais em Saúde na Bacia Hidrográfica do Canal do Cunha, articulado pela coordenação colegiada do Observatório da Bacia Hidrográfica do Canal do Cunha, Coordenação de Cooperação Social da Presidência da Fiocruz, Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (EnspFiocruz), Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz) e Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), promoveu sua terceira oficina sobre tecnologias sociais em saneamento para os moradores do Complexo do Lins, na Zona Norte do Rio de Janeiro. O debate teve como objetivo discutir a construção participativa de tecnologias sociais, de políticas públicas e a defesa da água como direito humano. A oficina foi articulada pela Fiocruz, com apoio da ONG A Voz do Lins de Vasconcelos – Centro de Inteligência Comunitária. O evento também teve a participação da organização não governamental Fase – Solidariedade e Educação e da Associação de Moradores de Santa Terezinha, por meio da Rede de Vigilância Popular em Saneamento e Saúde, e ocorreu na sede do Instituto RenovAmor.
O ciclo de oficinas serve para familiarizar quem está no território sobre o processo de pesquisa, o mapeamento e as tecnologias sociais que serão instaladas (Foto: Cooperação Social da Fiocruz)
A cartilha Caminho das águas, lançada pela Fase, foi um dos pontos de partida para a última oficina e contextualiza as lutas e direitos que envolvem a concessão dos serviços de água e saneamento às empresas privadas no Rio de Janeiro. O material também tem uma versão traduzida para libras e um vídeo com audiodescrição e legendas. “Esse processo de mercantilização da água não passa sem resistência de quem está engajado na defesa da água como um direito humano. Existe luta. Essas lutas são um dos elementos que a gente traz na Cartilha: esse lugar da rede enquanto lugar de resistência e o fortalecimento da ação civil pública pelo mínimo vital de água, que seria esse mínimo garantido para todas as pessoas vinculadas ao CadÚnico que não podem pagar nem a tarifa social”, comentou Bruno Alves sobre a perspectiva da cartilha.
O material foi distribuído para os moradores e profissionais dos territórios, junto com outros produtos que foram realizados pelo projeto. O projeto busca utilizar a própria rede local - construída por moradores - de coletivos, instituições e representantes para a articulação por políticas públicas, implementação das tecnologias e debate sobre garantia dos direitos.
Por meio de ações informativas, educativas e práticas de saneamento em territórios socioambientalmente vulnerabilizados, o projeto tem atuação não só no Lins. Sua atuação abarca também outros bairros e territórios de favelas e periferias próximos, como o Complexo do Alemão, que foi território de implementação das tecnologias sociais e recorte de pesquisa realizada anteriormente.
O ciclo de oficinas serve para familiarizar quem está no território sobre o processo de pesquisa, o mapeamento e as tecnologias sociais que serão instaladas no final do projeto. Está prevista a implementação de dois tipos de tecnologias socioambientais vinculadas à água, ao saneamento e ao esgoto no Complexo do Lins: o Biofiltro, que permite acesso à água tratada pelo processo de remoção das impurezas utilizando-se agentes biológicos, explicado pela pesquisadora Natasha Handam. Os poluentes são removidos pela barreira mecânica e por biodegradação. A tecnologia pode ser utilizada como alternativa em situações de falta de abastecimento; e a Bacia de Evapotranspiração, que faz coleta e tratamento de esgotos de casas, diminuindo a carga de dejetos, proporcionando melhoria ambiental, com reflexos na saúde da população. Além das implementações, os profissionais do projeto orientarão também sobre o processo de manutenção.
A instalação desses equipamentos se dá com a articulação entre pesquisadores integrantes do projeto e representantes do território. A escolha e análise dos locais de implementação são feitas a partir da pesquisa de campo realizada pela Fiocruz, com diagnóstico sobre escassez desses serviços e a necessidade de acesso à água de qualidade.
Bruno França, educador popular da Fase, pontuou durante a oficina que “a pesquisa serve para reafirmar a necessidade de equipamentos que sejam públicos. Isso de fato é uma experiência, é um projeto piloto e foi dentro desse projeto que a gente achou que seria fundamental a discussão sobre a água e a condição que ela se encontra na cidade do Rio de Janeiro”. Esse tipo de tecnologia considera a realidade do local, a precarização de serviços e o contexto socioeconômico de uma população que não pode pagar a tarifa social.
Mapeamento das nascentes e do território
A coordenadora do projeto e pesquisadora do Departamento de Saneamento e Saúde Ambiental da Ensp/Fiocruz, Adriana Sotero Martins, apresentou ao público o mapa geográfico do território, indicando as localidades das comunidades do Lins que estão sendo contempladas pelo projeto. A pesquisadora explicou que a etapa da pesquisa-ação fez o levantamento das condições do saneamento nas comunidades, e que a pesquisa envolverá a produção de relatórios sobre as nascentes, a situação do esgoto, da água, estado das vegetações, resíduos, lixo e outros fatores como solo e acesso aos locais.
A geógrafa, mestre em Dinâmica dos Oceanos e da Terra, integrante do Observatório da Bacia Hidrográfica do Canal do Cunha e pesquisadora da Cooperação Social da Fiocruz Rejany Ferreira dos Santos, afirma que essa pesquisa é “uma forma de incidir sobre a política pública estrategicamente, pensando para que o município possa olhar para esse local. É importante coletar essas informações pois são dados inexistentes”.
Após análise de todos os relatórios, amostras de água, os pesquisadores vão escolher uma das nascentes para a implementação da tecnologia social. O equipamento vai ser construído por um profissional morador do território, assim como a maioria dos materiais de construção serão adquiridos no comércio local.
“É importante firmar articulação com quem conhece o local. As pessoas estão familiarizadas com processos de denúncias, situação de falta d’água, processos de privatização e concessão que impactaram suas vidas”, explica a geógrafa. “O que estamos buscando é apresentar essas tecnologias como alternativas para melhorar as condições da água. Existem outras formas de pensar saneamento nestes territórios, pensar além do padrão das grandes obras, pois algumas delas precisam retirar pessoas de suas casas, fazer desocupação e essas tecnologias não fazem isso”.
Também presente à oficina, Rafael Sousa, pesquisador bolsista do projeto, participa das idas a campo, realizando os relatórios da pesquisa e o mapeamento das nascentes. “É muito importante entender o território. É um território historicamente esquecido pelo poder público, que tem uma história de ocupação oriunda de quilombolas, de pessoas que eram escravizadas e foram aforadas e de pessoas que fugiam das fazendas onde eram escravizadas. Historicamente, ele carrega esse estigma de abandono e esquecimento, mas ele ainda tem uma natureza muito rica, com muita água e, por não ter políticas públicas de saneamento adequadas, por ter essa ausência do poder público no controle urbano, esses mananciais, rios e nascentes, acabam sendo poluídos com esgoto, com lixo”, afirma sobre a importância de aproximação com o território.
Mínimo vital de água
Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização Mundial da Saúde (OMS) o fornecimento de, pelo menos, 25 m³ de água por mês sem cobrança de tarifa é um direito humano. Sendo um recurso natural essencial para manutenção da vida e natureza, é de extrema importância que o acesso à água e a luta contra mercantilização sejam pontos de pauta indispensáveis na articulação social por políticas públicas. Os debates sobre saneamento, recursos hídricos e meio ambiente devem considerar a realidade vivenciada nos territórios de favela e periferia diante do cenário da privatização.
“A água que chega na Zona Sul não é a mesma água que vai chegar na Baixada Fluminense, por exemplo. A gente queria apresentar uma outra perspectiva: a água como direito humano, como um bem comum. Essa pauta é defendida pela ONU, o Brasil ainda não tem uma garantia constitucional que considere a água como direito fundamental, isso é uma luta para os próximos anos”, destaca o educador popular Bruno França.
Criada durante a pandemia, em um contexto de denúncias e relatos de falta de água nas favelas do Rio de Janeiro, a Ação Civil Pública do Mínimo Vital de Água é uma ação judicial conjunta da sociedade civil e tem como principal objetivo garantir o acesso a água como direito humano básico a todos, assegurando uma litragem mínima para as famílias viverem. Mesmo antes da Covid-19, as periferias já enfrentavam problemas. O diagnóstico realizado por moradores e profissionais ilustra a situação de saúde da população que reside ou atua nessas localidades. Insuficiência nas soluções de saneamento e na oferta de água potável gera adoecimento.