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Nova emergência global de saúde devido à crise climática


08/02/2024

Christovam Barcellos, Diego Ricardo Xavier, Guilherme Franco Netto, Juliana Wotzasek Rulli Villardi, Mariely Daniel e Renata Gracie*

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Cientistas estão propondo que se declare uma nova emergência global de saúde, desta vez devido à crise climática e ambiental. Essa proposta se baseia no reconhecimento de processos extremamente danosos à saúde que vêm se acelerando nas últimas décadas, e pode deflagrar algumas ações que vão mudar a maneira como se pensa a saúde e se estruturam os serviços de saúde atualmente. 

O texto Planetary Health: A Global Health Emergency Under International Law? (em tradução livre: Saúde Planetária: Uma Emergência de Saúde Global sob o Direito Internacional?), escrito pela especialista Alexandra L Phelan, retoma o trabalho de outubro de 2023, publicado pelo British Medical Journal (BMJ), incluindo uma análise do ponto de vista jurídico sob perspectiva da decretação de Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII).

Em outubro de 2023, em Time to treat the climate and nature crisis as one indivisible global health emergency (em tradução livre: É hora de tratar a crise climática e da natureza como uma emergência de saúde global indivisível), é feito um apelo por editores de mais de 200 revistas médicas à Organização Mundial da Saúde (OMS) para reconhecer a crise ambiental, caracterizada pelas alterações climáticas e pela perda de biodiversidade, como uma emergência de saúde global. Esse cenário descreve ameaças significativas à saúde humana, afetando-a tanto diretamente, por meio de eventos climáticos extremos e poluição, quanto indiretamente, por meio da deterioração de sistemas naturais e humanos que sustentam a vida. Também é destacado no texto sobre a perda da biodiversidade, essencial para ecossistemas saudáveis, e sua importância na limitação de doenças e na estabilização da ecologia dos diferentes biomas, bem como o clima na superfície terrestre.

O texto afirma que ambos, mudança do clima e perda da biodiversidade, impactam desproporcionalmente populações vulneráveis e grupos historicamente marginalizados, conforme constatado pelas plataformas científicas voltadas para políticas públicas de ambas as agendas - o Painel Intergovernamental de Mudança do Clima e a Plataforma Intergovernamental de Ciência e Políticas Públicas de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos. Além disso, é crucial reconhecer que as queimadas desempenham um papel significativo na perda da biodiversidade, contribuindo para a degradação de habitats e a diminuição das populações de diversas espécies. Essas questões devem ser tratadas como parte do mesmo problema complexo, para evitar a má adaptação e maximizar soluções benéficas.  

O texto segue argumentando que garantir a saúde do planeta, seja por meio da mitigação da mudança do clima, da prevenção da perda de biodiversidade ou da adaptação aos danos já existentes, é uma crise global urgente que demanda ação imediata.

O alerta das revistas científicas propõe que a OMS deveria declarar as indivisíveis crises da natureza e do clima como uma emergência global de saúde. 

A convocação de um Comitê de Emergência pela OMS, a integração da consideração do impacto das alterações climáticas nas emergências de saúde, a revisão dos regulamentos existentes para garantir sua adequação e a inclusão mais ousada de obrigações relativas às alterações climáticas e perda de biodiversidade nas negociações sobre tratados de pandemia são alguns dos aspectos que poderiam ganhar mais relevância em um cenário de ESPII. Segundo o texto apresentado, a incapacidade de tratar a mudança do clima e a perda da biodiversidade como algo menos que uma emergência de saúde pública de abrangência internacional é uma incapacidade intergeracional de proteger a saúde do mundo e de suas populações mais vulneráveis.  

O caráter crônico do problema, e a perspectiva de piora da situação no médio e longo prazo, impõe e requer a sensibilização dos tomadores de decisão para a necessidade de uma intervenção urgente.

O apelo à OMS para reconhecer a crise climática e de biodiversidade como uma emergência de saúde global não apenas destaca a gravidade e a urgência da situação, mas também aponta o papel vital dos profissionais de saúde como agentes de mudança na adoção de medidas para enfrentar esses desafios. A integração dos esforços das Conferências das Partes - COP, a última delas ocorrida em novembro de 2023 em Dubai - sobre clima e biodiversidade, é fundamental para enfrentar de forma eficaz os desafios interligados da crise planetária e promover uma saúde sustentável para o planeta e para a humanidade. Este reconhecimento e ação coordenada são essenciais para prevenir os "pontos de ruptura" catastróficos que ameaçam não apenas os ecossistemas naturais, mas também a estrutura da sociedade contemporânea.

No texto da última rodada de negociação do Regulamento Sanitário Internacional (RSI), disponibilizado no dia 16 de outubro de 2023, a mudança do clima está relegada como um subitem de Saúde Única e a perda da biodiversidade não é mencionada, considerando uma recuada central que preocupa a todos que trabalham com saúde planetária.
Qualquer que seja a decisão da OMS sobre a decretação de emergência sanitária, cabe, desde já, medidas de prevenção e preparação para resposta aos possíveis cenários de crise climática e seus impactos sobre a saúde da população.

Neste sentido, a Fiocruz, em conjunto com o Ministério da Saúde e outros setores de governo, tem previstas as seguintes ações: 1) Elaboração do Plano Setorial de Adaptação para as Mudanças Climáticas, onde a Fiocruz tem representação; 2) Participação ativa do Brasil nos debates e políticas e acordos internacionais; 3) Integração, análise e disponibilização de dados que permitam monitorar e avaliar permanentemente os processos de mudança climática e ambiental em curso e suas consequências sobre a saúde, com ampla participação da sociedade civil; 4) Realização e fortalecimento de trabalho compartilhado entre países, principalmente na escala regional, e a integração de esforços de mitigação e adaptação com países da América Latina e África; 5) Colaboração com demais setores da economia e governo para a atuação em agendas convergentes e sinérgicas; e 6) O entendimento das graves consequências da interação entre crise climática, degradação ambiental, as mudanças no mundo do trabalho e as profundas desigualdades de renda, raça/cor, gênero hoje existentes no país.

A Fiocruz vem sistematicamente atuando na produção de conhecimento, produção de informação, desenvolvimento de tecnologias e formação sobre mudança do clima e perda da biodiversidade e seus impactos na saúde ao longo dos últimos 15 anos, cumprindo assim sua missão de fortalecer o Sistema Único de Saúde (SUS) e vem apoiando também o governo na atualização do plano de adaptação para o enfrentamento às mudanças climáticas.

A tripla crise ambiental global contemporânea, expressa na mudança do clima, perda da biodiversidade e poluição, em escala sem precedentes, exige a identificação de soluções capazes de promover o direito à saúde em uma condição absolutamente adversa, com a que estamos enfrentando.

O texto de Alexandra L Phelan apresenta relevantes questões que devem ser consideradas e debatidas nos espaços interinstitucionais e de atuação junto ao Ministério da Saúde e no SUS, incluindo os espaços de produção acadêmica e de tomada de decisão da Fiocruz.

*Christovam Barcellos, coordenador do Observatório do Clima e Saúde (Icict/Fiocruz);
Diego Ricardo Xavier, do Observatório do Clima e Saúde (Icict/Fiocruz);
Guilherme Franco Netto, coordenador do Programa de Saúde, Ambiente e Sustentabilidade (Fioprosas) e coordenador de Ambiente da Vice-Presidência de Ambiente, Atenção e Promoção da saúde (VPAAPS/Fiocruz);
Juliana Wotzasek Rulli Villardi, do Fioprosas e da VPAAPS/Fiocruz;
Mariely Daniel, do Fioprosas e da VPAAPS/Fiocruz; 
e Renata Gracie, do Observatório do Clima e Saúde (Icict/Fiocruz).

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