17/04/2019
Fonte: Ensp/Fiocruz
A revista Cadernos de Saúde Pública de abril está no ar abordando a saúde e os direitos da população trans em espaço temático da edição. “No campo da Saúde, a vulnerabilidade de travestis e transexuais pode ser exemplificada pelos alarmantes índices de violência e assassinatos sofridos, pelos agravos relativos à saúde mental e pela alta prevalência do HIV”, destaca o editorial da revista. Simone Monteiro, Mauro Brigeiro e Regina Maria Barbosa assinam o editorial, em que alertam para o fato de que o estigma e a discriminação sexual têm sido apontados como importantes obstáculos ao acesso desse segmento social aos serviços de prevenção e cuidado.
Em março de 2018, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) julgou que, pela Lei Eleitoral, mulheres transexuais e travestis podem concorrer a cargos eletivos na cota destinada ao sexo feminino, e os homens trans nas vagas para o sexo masculino. No mesmo mês, os membros do Supremo Tribunal Federal (STF) autorizaram que transexuais e transgêneros alterem o nome no registro civil sem a realização de cirurgia de mudança de sexo.
De acordo com o editorial, reconhecimentos têm sido evidenciados nas políticas de inclusão da diversidade sexual e de gênero em instituições de ensino e organizações públicas e privadas, bem como na indústria cultural. “Esse elenco de notícias ilustra algumas das recentes conquistas da luta política de travestis, transexuais e transgêneros no Brasil, que, no entanto, ainda convivem com uma realidade caracterizada pela extrema marginalização e exclusão social.” Outras situações como conflitos familiares, expulsão de casa, interrupção precoce da trajetória escolar e dificuldade de inserção no mercado de trabalho qualificado constituem aspectos dessa realidade, relatam os autores.
Em função dos problemas no campo da Saúde, aponta o editorial, a agenda de direitos de cidadania para esse segmento social inclui, ainda, demandas por uma atenção integral em saúde e acesso aos serviços livre de discriminação. “Essas reivindicações vêm sendo construídas paralelamente aos esforços por consolidação do Sistema Único de Saúde (SUS) e evocam debates acerca das implicações das desigualdades sociais no cuidado em saúde.”
Para tanto, continua o editorial, a análise das relações entre saúde e direitos desses segmentos sociais exige uma reflexão sobre os efeitos práticos das leis e normativas mencionadas, tanto no cotidiano das instituições como na experiência imediata dos sujeitos. “O tema envolve agentes, práticas e tecnologias da saúde e de outros campos sociais que se intersectam de múltiplas formas.”
O espaço temático dessa edição do CSP contempla quatro artigos, a seguir:
O artigo Estigma e discriminação relacionados à identidade de gênero e à vulnerabilidade ao HIV/Aids entre mulheres transgênero: revisão sistemática teve como objetivo realizar uma revisão sistemática da literatura para analisar a relação entre o estigma e a discriminação relacionados à identidade de gênero de mulheres transgênero e à vulnerabilidade ao HIV/Aids. Os estudos foram avaliados de acordo com critérios de inclusão e exclusão. Foram encontrados 41 artigos, majoritariamente qualitativos, publicados no período entre 2004 e 2018, e categorizados em três dimensões do estigma: nível individual, interpessoal e estrutural. Os dados permitem destacar que os efeitos do estigma relacionado à identidade de gênero, como a violência, a discriminação e a transfobia, são elementos estruturantes no processo da vulnerabilidade da população de mulheres transgênero ao HIV/Aids. Os trabalhos mostraram relação entre estigma e discriminação com a vulnerabilidade de mulheres transgênero ao HIV/Aids e apontaram para a necessidade de políticas públicas que combatam a discriminação na sociedade.
A construção do corpo e do curso de saúde: um estudo entre travestis e pessoas trans no Rio de Janeiro, Brasil é o artigo que examina os hábitos de saúde seguidos por mulheres e homens trans na mensuração do seu próprio gênero, com base no inquérito Trans Uerj: Saúde e Cidadania dos Transsexuais no Brasil. Teve como objetivos uma análise e o perfil sociodemográfico da população trans/travestis e mapear os diferentes direitos de autor em seus direitos humanos, especialmente nos serviços de saúde e tecnologias de modificação do corpo. Os entrevistadores, majoritariamente pessoas trans e travestis, aplicaram 391 questionários na cidade e na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, com diferentes classes sociais, níveis de escolaridade e de identidade de gênero, contatados por meio das redes sociais dos entrevistadores.
Vidas que esperam? Itinerários do acesso a serviços de saúde para homens trans no Brasil e na Argentina interpreta comparativamente os itinerários agenciados por homens trans para lidar com a questão da espera, quando confrontados por desafios relacionados ao acesso a serviços de saúde no Brasil na Argentina. O texto, fruto de pesquisa antropológica nas regiões metropolitanas de Goiânia e de Buenos Aires, visa a contribuir para as discussões em torno do acesso à saúde para homens trans nesses dois contextos, buscando apontar para as ambivalências relacionadas a seus itinerários terapêuticos em busca de cuidados biomédicos.
O artigo Experiências de acesso de mulheres trans/travestis aos serviços de saúde: avanços, limites e tensões analisa as experiências de acesso de mulheres trans/travestis aos serviços de saúde discute a discriminação sexual/de gênero e as suas demandas aos serviços de transição de gênero e prevenção da Aids. O estudo envolveu entrevistas com nove mulheres trans/travestis, de 23-45 anos, das camadas populares da Baixada Fluminense, Rio de Janeiro, Brasil, realizadas em 2016, e observações de contextos de prostituição e sociabilidade. Comparando com as agressões vividas anos atrás, as narrativas das mulheres trans/travestis destacam avanços sociais. Relatam que os profissionais não as discriminam por sua condição, embora haja resistência ao uso do nome social. Esse constrangimento, somado aos problemas estruturais do Sistema Único de Saúde (SUS), são minimizados devido à agência das trans/travestis para obter atendimento, seja pelo recurso às redes de contatos, seja por sua consciência de direitos de cidadania. Embora as políticas de Aids focalizem ações para trans/travestis, a prevenção do HIV não está entre as suas principais demandas aos serviços. Há obstáculos de ordem subjetiva para acessar os serviços, decorrentes do estigma internalizado e da associação da infecção pelo HIV com suas condições de vida. A melhoria da atenção em saúde da população trans/travesti requer um debate sobre os problemas estruturais do SUS, a defesa da visão ampliada de cuidado do sistema e investimentos na capacitação profissional.
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