31/07/2023
Pamela Lang (Agência Fiocruz de Notícias)
Que ciência vamos produzir e oferecer para contribuir com o desenvolvimento do país? Essa foi a reflexão proposta pelo presidente da Fiocruz, Mario Moreira, durante o debate preparatório para a 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, que aconteceu na Universidade Federal do Paraná no dia 28 de julho. O debate era parte da programação científica da 75ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).
Especialistas debateram como produção científica pode contribuir para o desenvolvimento do país (foto: Divulgação)
“Temos que fazer um pacto não apenas em torno de quais devem ser as prioridades científicas, mas também da missão do país e do [Sistema Único de Saúde] SUS. As condições são favoráveis, mas temos um conjunto de desafios a superar, como a transição demográfica, com consequências para a saúde e para a economia, as mudanças climáticas, o uso excessivo de agrotóxicos, a enorme concentração do domínio tecnológicos e industrial e a dependência de insumos importados. Que ciência vamos oferecer para superar esses desafios e desenvolver o país?”, provoca o presidente.
Para ele, a saúde é uma potência e uma grande oportunidade para desenvolver o país. “A saúde é um elemento estruturante para o desenvolvimento do país, porque trabalha com o bem-estar da população, mas também com aprofundamento da indústria e da sua densidade tecnológica. Temos que ter uma política que concilie a política industrial com a política científica. Como a gente captura o conhecimento que estamos produzindo? Precisaremos de muito mais 'Butatans' e 'Fiocruzes' no país”, declara.
Com a retomada do Grupo Executivo do Complexo Econômico-Industrial da Saúde (Ceis) pelo Governo Federal em abril deste ano e a nova meta do Ministério da Saúde de 70% das necessidades do SUS produzidas em território nacional em até 10 anos, o tema da inovação e dos desafios na transformação da cadeia produtiva nacional movimentou o debate científico entre os palestrantes da mesa: o pesquisador da Fiocruz e moderador da mesa, Renato Cordeiro, o presidente da Fiocruz, Mario Moreira, o pesquisador da Universidade de São Paulo (USP) e ex-diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, e a pesquisadora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e ex-presidente da presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Guilnar Azevedo.
O ex-diretor do Butantan, Dimas Covas, acredita em algumas medidas centrais para superar os desafios do campo da saúde e que ficaram ainda mais evidentes durante a pandemia: reforma do sistema global de segurança em saúde, com novo regulamento sanitário internacional e fortalecimento da Organização Mundial da Saúde (OMS); reforma dos sistemas nacionais de segurança em saúde, com a criação de uma agência independente e estável e vigilância; o estabelecimento de uma nova agenda para ciência e tecnologia, voltada para o desenvolvimento da indústria nacional; construção de uma rede nacional de laboratórios de biossegurança nível 3 e 4; e revisão do procedimentos regulatórios mundiais.
“A fraqueza do Brasil está justamente em seu subsistema de produção e inovação. O estado tem uma liderança no processo de desenvolvimento e mudança tecnológica e para isso, temos que ter políticas orientadas para a fronteira de conhecimento com objetivos específicos”, observa Covas. Segundo o pesquisador da USP, o modelo de desenvolvimento industrial adotado hoje no Brasil está ultrapassado e necessita de ações coordenadas do Estado para uma estratégia de ciência e tecnologia que possa levar o país a um novo patamar.
A ex-presidente da Abrasco, Guilnar Azevedo relembrou o desmonte que o SUS sofreu nos últimos anos com a falta de investimento público e a deliberada descontinuidade de uma série de políticas, mas também a importância e a visibilidade que ele ganhou junto à população no enfretamento à pandemia. “Onde eu vou agora tento convencer as pessoas do porquê o Brasil precisa do SUS. Hoje, a luta pelo SUS, de certa forma, retoma a luta da reforma sanitária, em outras bases, é claro. Mas novamente nos vemos diante da necessidade de lutarmos por um SUS forte, integral e para todos”, observa Gulnar.
SUS pode alavancar a indústria brasileira
“As vacinas do Butantan e da Fiocruz não surgiram do nada. Havia uma ciência básica, resultado de anos de investimento. A ocasião para esse debate é perfeita. Está na hora do país investir no desenvolvimento de uma indústria na área da saúde e não simplesmente entregar para a indústria estrangeira resolver os nossos problemas”, destacou a presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Helena Nader, durante uma mesa que aconteceu no dia anterior (27/7), no mesmo evento, e contou com o vice-presidente de Produção e Inovação em Saúde da Fiocruz, Marco Krieger, como moderador, o presidente da SBPC, Renato Janine Ribeiro, e o Líder da Mobilização Empresarial pela Inovação (MEI), Pedro Wongtschowski.
A presidente da ABC reconheceu o esforço e a resposta eficiente da ciência e das instituições científicas no enfrentamento à pandemia, especialmente as universidades públicas, o Instituto Butantan e a Fiocruz, mas alerta para a necessidade de investimentos no médio e longo prazo.
Para o vice-presidente da Fiocruz, a indústria na área da saúde ou o Complexo Econômico-Industrial da Saúde (Ceis), como é conhecido, tem um diferencial de alavancagem no Brasil: o Sistema Único de Saúde. Com uma base de usuários de mais de 200 milhões de brasileiros para atender (SUS) e um comprador garantido que visa o bem-estar da população e não o lucro (Estado), o Ceis pode encontrar a fórmula perfeita para estimular o fortalecimento e o crescimento da indústria nacional. “Temos um sistema universal que tem um poder de compra para alavancar o Complexo Econômico-Industrial da Saúde. Temos que unir a boa ciência que se faz no brasil com o sistema de inovação” destacou Marco Krieger.
O tema da inovação e dos desafios na transformação da cadeia produtiva nacional movimentou o debate científico (foto: Divulgação)
Pedro Wongtschowski lembra ainda da conquista recente deste ano pela recomposição integral dos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), considerada a principal fonte de financiamento à inovação do país. “Embora a indústria tenha estado estagnada nos últimos anos, ainda é o setor que mais investe em ciência, tecnologia e inovação. Se olhamos para o setor da saúde, existem muitas oportunidades. O grande diferencial, como já falaram é o poder de compra do estado, com o SUS. E agora, depois de muita luta, temos R$ 10 bilhões de reais no Fundo Nacional e precisamos estar vigilantes para o uso adequado e estratégico desses recursos”, argumenta Wongtschowski.
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