29/06/2022
Camile Duque Estrada e Aline Câmera (Agência Fiocruz de Notícias)
Com o intuito de reduzir os efeitos da pandemia e ampliar a participação social na vigilância em saúde nos territórios de periferia, a Fiocruz lançou, ano passado, uma Chamada Pública para Apoio a Ações Emergenciais de Enfrentamento à Covid-19 em Favelas do Rio de Janeiro. Cerca de um ano após o início das atividades, os resultados surpreendem. Seja na distribuição de mais de 180 toneladas de alimentos; seja nos 400 acompanhamentos psicoterapêuticos; ou ainda nas 450 crianças inseridas no programa de reforço escolar, entre outras atividades, pelo menos 100 mil pessoas de 75 favelas do Estado do Rio de Janeiro já foram diretamente beneficiadas, impactando também na redução da vulnerabilidade de suas famílias.
“A pandemia impactou a todas e todos, mas de forma desigual. As populações mais afetadas são aquelas que residem em áreas historicamente vulnerabilizadas, como as favelas e periferias. Esse projeto deu um enfoque maior a essas populações, no entanto, de uma forma que as colocasse como protagonistas dessas políticas. É um projeto, sobretudo, com essas comunidades, e não apenas para elas. Uma parceria pela saúde e a vida que ajuda a explicar a expressividade desses resultados. A atuação das instituições nessa parceria é decisiva e a contribuição de universidades, de associações e da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) foi fundamental para a realização dessa iniciativa do Plano Fiocruz de Enfrentamento à Covid-19, que pode inspirar outras políticas públicas desse tipo”, ressalta Nísia Trindade Lima, presidente da Fiocruz.
Um balanço preliminar desta primeira fase, que contou com a participação de 41 dos 54 projetos que já foram contemplados na Chamada Pública com recursos da Alerj, será apresentado em 1º de julho, no evento 54 x Favela: parcerias em defesa da vida. A cerimônia será dividida em dois momentos: pela manhã na Tenda da Ciência, no campus de Manguinhos, e à tarde no Morro da Providência. Além de informar a sociedade sobre o andamento dos projetos, o objetivo é propor reflexões sobre o combate a problemas estruturais no contexto da pandemia. Na ocasião, será formalizada a criação do comitê de monitoramento das atividades e ações em desenvolvimento.
“Esta iniciativa da Fiocruz, universidades e parlamento é uma demonstração da potência latente que pouco exploramos no Brasil, especialmente, ao fazermos projetos com as organizações populares. A alocação de recursos nos territórios de favelas e periferias é uma solução central para enfrentar os problemas sanitários e humanitários do presente, a partir dos conhecimentos e valores das comunidades. Isto precisa se transformar numa política pública perene e sustentável, principalmente diante do grande desafio de acabar com a Fome de 33 milhões de pessoas no país”, destaca Valcler Rangel, assessor de Relações Institucionais da Fiocruz e coordenador-geral do Plano Fiocruz de Enfrentamento à Covid-19 nas Favelas.
Participarão da abertura Nísia Trindade, presidente da Fiocruz; André Ceciliano, presidente da Alerj; Janete Nazareth, a coordenadora do projeto Mercado Solidário: Quilos Necessários, do Salgueiro, em São Gonçalo. Também estarão presentes, representantes da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Pontifícia Universidade Católica (PUC) e da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), além de Richarlls Martins, coordenador executivo do Plano Fiocruz Enfrentamento à Covid-19 nas Favelas que fará a apresentação dos dados. Na sequência, haverá uma tribuna livre, momento em que os coordenadores dos projetos apoiados terão a oportunidade de compartilhar suas experiências.
À tarde a agenda será dedicada à vivência prática na Arena Samol, localizada no Morro da Providência. Os coordenadores serão divididos em fóruns temáticos de acordo com os perfis de atuação de cada projeto. Ao todo, seis eixos centrais nortearão os debates: proteção social; comunicação; territórios saudáveis e sustentáveis; saúde mental, educação; trabalho/renda. “Ao final, cada grupo de trabalho vai formular duas propostas dentro das temáticas abordadas, totalizando 12 ações que encampadas e executadas pelo Plano de Enfrentamento à Covid 19 nas Favelas”, explica Richarlls Martins.
Os números do enfrentamento à Covid-19 nas favelas
Até o momento, os projetos em atividade tiveram investimentos somados de R$ 5,5 milhões, beneficiando favelas nas cidades de Angra dos Reis, Duque de Caxias, Queimados, Niterói, Petrópolis, Rio de Janeiro e São Gonçalo. As ações de apoio nos territórios foram destinadas às áreas mais afetadas durante a pandemia: segurança alimentar, saúde mental, comunicação popular em saúde, evasão escolar e formação para o campo de trabalho.
De acordo com os dados levantados, no campo da segurança alimentar, 80% dos projetos atuam no enfrentamento à fome e ao direito à alimentação, com 181 toneladas de alimentos distribuídos para famílias em situação de pobreza ou extrema pobreza; sete cozinhas comunitárias sustentadas com 22 mil refeições distribuídas; sete hortas comunitárias apoiadas e 30% dos projetos atuando com parcerias agroecológicas, agricultura familiar e alimentação orgânica.
Cerca de 40% dos projetos apresentados têm atuação na área de saúde mental, com acompanhamento psicoterapêutico para 400 pessoas; psicoterapia para ativistas e lideranças comunitárias e pesquisa sobre saúde mental realizada com 600 moradores de favelas conduzida pela Agência de Notícias das Favelas (ANF). Na área de comunicação popular, 45% dos projetos atuam com produção de conteúdo sobre prevenção, vacinação, uso de máscaras e 75% deles com medidas de prevenção à Covid-19 com distribuição de kits de higiene, máscaras e álcool em gel.
Um total de 450 crianças, adolescentes e jovens das favelas foram inseridas em ações de educação integral em saúde, reforço escolar e enfrentamento à evasão escolar. E 435 pessoas foram capacitadas em cursos e formações, com foco na geração de renda e mercado de trabalho, em sua maioria, mulheres e jovens.
Aproximadamente 20% dos projetos apoiaram famílias com distribuição de gás de cozinha; 15% apresentam arte, cultura, esportes e literatura como eixo central e 10% deles com assistência integral a mulheres no período de gestação. Além disso, identificam-se mulheres, em sua maioria, como beneficiárias dos programas, chegando a 97% do público em alguns casos.
Alguns exemplos importantes de inovações desenvolvidas são o Movimento de Mulheres do Salgueiro, em São Gonçalo, com a primeira moeda social implementada do Complexo do Salgueiro; a constituição da inédita Rede de favelas da Tijuca; a criação do aplicativo Favela Viva, primeiro do Brasil voltado para agendamento de atendimento jurídico, social e psicológico para moradores de favelas e as ações do SOS Providência, com o recém-lançado, Censo Providência 2022, que fará recenseamento da população do território.
“Esses relevantes resultados, ainda parciais, evidenciam que a capacidade de resposta pública para recuperação social e econômica dos efeitos agravados da pandemia junto aos grupos populacionais historicamente vulnerabilizados deve estar ancorada em princípios de solidariedade, com ampliação da participação social e afirmação de práticas colaborativas que aglutinem parcerias institucionais e a sociedade civil”, acredita Richarlls. “Reafirma-se a lição aprendida que investir em ciência, tecnologias socais e inovações em saúde com parcerias e incidência da sociedade são elementos estruturantes para reduzir as desigualdades no atual contexto e ampliar o direito humano à saúde”, completa.
Sobre a Chamada Pública
Dos 104 projetos que foram aprovados na primeira etapa da Chamada Pública, 54 já receberam recursos da Fiocruz. Desses, 41 estão em atividade há quase um ano e 13 em fase de implementação. Os demais projetos aprovados aguardam convocação, que tem previsão de ocorrer até o final de 2023.
A Chamada Pública para Apoio a Ações Emergenciais de Enfrentamento à Covid-19 nas Favelas do Rio de Janeiro é fruto de um esforço interinstitucional envolvendo UFRJ, Uerj, PUC-Rio, Abrasco, Fiocruz, sindicatos de profissionais das áreas de saúde e assistência social, bem como organizações baseadas em favelas. Juntas, essas entidades elaboraram o Plano de Ação para Enfrentamento da Covid-19 nas Favelas do Rio de Janeiro, com recursos provenientes da Lei Nº 8.972/20, do Fundo Especial da Alerj à Fiocruz, que somaram 20 milhões em doação.
O objetivo é financiar projetos que tenham como iniciativa ampliar a participação social na vigilância em saúde nas favelas do estado do Rio de Janeiro. ONGs e entidades com atuação comprovada em favelas concorreram a financiamentos de R$50 mil até R$ 500 mil reais para executar ações de combate à Covid-19 nessas comunidades, dentro de áreas de interesse estabelecidas: Apoio social; Comunicação e Informação; Saúde mental; Proteção individual e coletiva; Apoio à testagem, rastreamentos e isolamento; Educação e Promoção de Territórios Saudáveis e Sustentáveis.
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