16/01/2017
Por: Liseane Morosini/ Revista Radis*
Do tradicional feijão com arroz, passando por legumes, proteínas e doces, nada escapa do apetite do carioca Leandro, de 18 anos. Desde pequeno, ele sempre “bateu o maior bolão”, diz a mãe Rose Mery Nascimento Oscar. E a receita seguida por ela para cuidar da alimentação de Leandro e de sua irmã Priscilla, 24 anos, foi uma só: alimentos frescos e naturais. Empregada doméstica, Rose sempre trabalhou fora, mas saía de casa deixando a “comida de fogão”, como ela diz, sempre prontinha. “Eu cozinhava no final de semana. Deu trabalho para organizar o esquema da comida, mas sei que isso foi muito importante para o crescimento deles”, comenta.
O cuidado de Rose com a alimentação diária fez com que seus filhos crescessem mais saudáveis. “É isso o que faz a gente estar vivo. Esse é um insumo básico para o funcionamento do organismo junto com o ar e a água”, diz a nutricionista Elisabetta Recine, coordenadora do Observatório de Políticas de Segurança Alimentar e Nutrição da Universidade de Brasília (UnB). Segundo Elisabetta, a alimentação é essencial para o equilíbrio orgânico e tanto pode ser um fator de proteção quanto de risco. “É o equilíbrio entre os nutrientes que consumimos por meio da alimentação e sua quantidade que fazem com que gente tenha maior ou menor saúde”, diz.
Giane Molinari, diretora da Escola de Nutrição da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio), ressalta que, para além das escolhas individuais, a alimentação saudável é imprescindível para a manutenção da boa saúde e promoção da qualidade de vida. Ela lembra que é a partir do alimento que mãe e filho estabelecem a primeira relação afetiva, e esclarece que a relação inadequada do indivíduo com a comida é responsável por sérios impactos no organismo. “Os problemas de saúde estão relacionados às práticas alimentares. A carência pode levar à deficiência de vitaminas e minerais e o excesso, ao sobrepeso e à obesidade”, adverte. A nutricionista recomenda, como regra básica, observar qualidade e quantidade na hora de servir o prato de cada dia. “É possível ter muita quantidade com baixa qualidade ou vice-versa”, adverte.
Alimentação equilibrada desde a infância e hábitos de vida saudáveis, como a prática de esportes, é o que recomenda o cardiologista Clênio Reis, do Recife. O médico esclarece que a alimentação saudável equivale ao alicerce de uma construção e é uma base sólida para a saúde. “As doenças dependem da carga genética herdada, de hábitos de vida e do meio ambiente que nos cerca. Excesso de sal e gorduras aumentam o risco de hipertensão e cardiopatias na idade adulta, particularmente no adulto jovem. E doenças como diabetes e câncer também estão associadas a maus hábitos alimentares”, lembra. “Tudo o que consumimos impacta na qualidade e quantidade de vida”.
Foi a busca por qualidade de vida que impulsionou a carioca Verena Buschle a mudar seus hábitos alimentares. Ela se tornou vegetariana há 25 anos, depois de notar que certos alimentos não “caíam bem”. Consultora alimentar com formação na Akademie für Ernährung, de Berlim e especializada em alimentação viva, Verena defende que comer é muito mais do que colocar comida no prato para matar a fome. “Alimentação saudável é aquela que me faz bem, que dá — e não tira — energia, vitalidade, clareza mental, bom sono, boa digestão e boas emoções. E isso pode variar de pessoa pra pessoa”, define. Adepta de uma alimentação mais natural, a consultora recomenda atenção com o excesso de açúcar, as frituras, a proteína animal e o glúten. “Esses são hábitos alimentares nocivos à saúde e criam o ambiente perfeito para o desenvolvimento de doenças”, afirma.
Saúde em dia
Quem quer manter o corpo saudável busca uma dieta balanceada para fornecer ao organismo nutrientes essenciais e fazer o corpo humano funcionar. Mas os especialistas advertem que alimentação adequada e saudável vai além dos nutrientes. “Comida não é algo funcional, que visa satisfazer apenas necessidades nutricionais. Ela extrapola o biológico e influencia aspectos afetivos, econômicos, sociais e ambientais”, explica Giane. Pedro, de 8 anos, é exemplo da relação que há entre as decisões familiares e hábitos à mesa. Desde pequeno, sua alimentação é acompanhada pelos pais, Sonia e Marcio Goldzweig. No prato de Pedro não faltam arroz, feijão, legumes e proteína. No café, cereais, pão e uma fruta, conta a mãe, que introduziu na dieta do filho alimentos de sua terra natal, Fortaleza. “Ele gosta de baião de dois e do frango ensopado feito pela avó. Do Ceará, ama o suco de cajá, tapioca e cuscuz amarelinho”, diz Sonia.
Giane destaca ainda que a família desempenha um papel central na alimentação e lamenta a perda da comensalidade [ato de comer junto], dada a correria diária e o pouco tempo que as pessoas dispõem. “Fazer a comida com a família e trocar ideias foi substituído por práticas alimentares mais individualizadas. Hoje há preferência por uma alimentação mais rápida e prática. Isso implica em alimentos embalados, semiprontos, com muito sal, aditivos, gordura e açúcar e que prejudicam a saúde das pessoas”, adverte. Na casa da empresária Cláudia Homem de Mello, do Recife, a mesa promove o encontro da família. “Procuramos fazer as refeições juntos. É ali que eu consigo colocar a conversa em dia. E ainda vejo como eles estão se alimentando”, diz. Com três filhos, Cláudia observa que os filhos diferem quando o assunto é alimentação. Luísa, de 15 anos, nunca gostou de comer. Bruno, de 11, ao contrário, come bem desde pequeno e prova de tudo. Já a caçula Maria não é muito chegada às saladas. “Eles são muito diferentes. Eu sempre apresentei os alimentos para eles e vi que é possível influenciar na formação do paladar”, disse a empresária, moradora do Recife.
Alimentos saudáveis
“Nada melhor do que feijão e arroz”, ensina a nutricionista Inês Rugani, professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Ela recomenda o resgate de receitas antigas e tradicionais aí incluídas as plantas alimentícias não convencionais (PANC), como ora pro nobis, serralha, beldroega, capuchinha, caruru, taioba, entre outras. Inês defende uma maior valorização da comida feita em casa. “Esse é o contraponto contra a opção por comidas industrializadas”, argumenta. A nutricionista critica também o uso da tradicional pirâmide alimentar como indicador de alimentação saudável — que considera, hoje, superada. “Ela colocava em uma mesma categoria batata, arroz e biscoitos dando a entender que seriam a mesma coisa. Não são”, ensina. “Hoje, a lógica é que o ultraprocessado, como é o caso do biscoito, pertence a outra categoria e que não dá para juntar alimentos que vêm da natureza com outros que são industrializados”, argumenta.
Inês acredita ainda que é preciso garantir que a produção do alimento seja sustentável. Ela advoga que “a comida que a gente quer é a comida de verdade, feita por gente de verdade e que preserve a nossa história”, enfatiza. “Defendemos que a comida tenha como base os alimentos in natura ou minimamente processados, com receitas regionais e fruto da nossa agrobiodiversidade”, diz a pesquisadora, que integra o Grupo Temático Alimentação e Nutrição em Saúde Coletiva da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco).
Receitas de saúde por meio dos alimentos são dadas pelo Guia Alimentar para a População Brasileira, que recomenda evitar, entre outros itens, refrigerantes, gorduras, alimentos processados e ultraprocessados. Lançado em 2015, o guia deixa de lado a visão restritiva da ingestão dos micronutrientes e se volta para os alimentos que contêm e fornecem esses nutrientes, como eles são combinados entre si e preparados. A publicação é uma das estratégias para implementação da diretriz de promoção da alimentação adequada e saudável, que integra a Política Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN), de 1999. Publicado pelo Ministério da Saúde, a ideia é que o guia seja “utilizado nas casas das pessoas, nas unidades de saúde, nas escolas e em todo e qualquer espaço onde atividades de promoção da saúde tenham lugar, como centros comunitários, centros de referência de assistência social, sindicatos, centros de formação de trabalhadores e sedes de movimentos sociais”.
De forma prática, as orientações do guia podem ser resumidas nos Dez Passos para a Alimentação Saudável. São elas: utilizar alimentos frescos ou minimamente processados; utilizar óleos, gorduras, sal e açúcar em pequenas quantidades ao temperar e cozinhar alimentos e criar preparações culinárias; limitar o consumo de alimentos processados; evitar o consumo de alimentos ultraprocessados; comer com regularidade e atenção, em ambientes apropriados e, sempre que possível, com companhia; fazer compras em locais que ofertem variedades de alimentos in natura ou minimamente processados; desenvolver, exercitar e partilhar habilidades culinárias; planejar o uso do tempo para dar à alimentação o espaço que ela merece; dar preferência, quando fora de casa, a locais que servem refeições feitas na hora; ser crítico quanto a informações, orientações e mensagens sobre alimentação veiculadas em propagandas comerciais.
- O alimento é condição ESSENCIAL para a vida e ajuda no BOM FUNCIONAMENTO do organismo. Alimentação correta é aquela que é ingerida na quantidade e variedade adequadas.
- A boa alimentação auxilia na manutenção da saúde, na PREVENÇÂO E TRATAMENTO DE DOENÇAS, no desempenho da atividade física esportiva, no controle do peso, nos estados de alergias e intolerâncias alimentares e na redução de fatores de risco para doenças crônicas.
- A CARÊNCIA ou o EXCESSO de nutrientes pode levar a doenças cardíacas, obesidade, gengivites, desnutrição, diabetes, hipertensão.
- Excesso de sal e gorduras na comida aumenta risco de HIPERTENSÃO e CARDIOPATIAS na idade adulta.
- Doenças como DIABETES e CÂNCER também estão associadas à alimentação.
*Reportagem publicada na edição 172 da Revista Radis (janeiro de 2017)
Mais em outros sítios da Fiocruz
Mais na web