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HIV/Aids no Brasil: especialistas pedem políticas de prevenção mais específicas

Postal da campanha de prevenção ao HIV/Aids de 2012 do Ministério da Saúde

01/12/2014

Por: Claudio Oliveira / Portal Fiocruz

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Aclamado internacionalmente por ter criado um programa de prevenção e tratamento considerado progressista e inclusivo, o Brasil vive um momento delicado no que se refere à prevenção de novos casos. Segundo o Boletim Epidemiológico em HIV/Aids de 2013 divulgado pelo Ministério da Saúde, entre 2003 e 2012 a incidência de casos de Aids no Norte brasileiro apresentou um aumento de 92,7%; no Nordeste, foi de 62,6%. Por outro lado, as regiões Sul e Sudeste, que concentram a maior parte dos casos diagnosticados, apresentaram um recuo de 0,3% e 18,6%, respectivamente.

A epidemia de HIV/Aids vem atingindo com mais intensidade homens jovens que fazem sexo com homens. Nesta população, a prevalência de infecção pelo HIV subiu de 0,56%, em 2002, para 1,2%, em 2007. O índice também é alto entre usuários de drogas (5,9%), homens que fazem sexo com homens (10,5%) e profissionais do sexo (4,9%).

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Nilo Fernandes: 'É importante que os gestores desmistifiquem o otimismo em torno do HIV/Aids'

Segundo Nilo Fernandes, pesquisador e Coordenador da Área de Aconselhamento e Educação Comunitária do Laboratório de Pesquisa Clínica em DST e Aids do Instituto Nacional de Infectologia (INI/Fiocruz), nos últimos 20 anos houve no Brasil um aumento progressivo do crescimento da epidemia entre a população homossexual, principalmente na faixa etária entre 15 e 24 anos. “Entre os motivos para o aumento entre jovens em geral e gays em especial estão a falta de políticas específicas de prevenção para essa população e o pouco acesso aos serviços de saúde, decorrente do medo da discriminação”.

A ausência de programas educativos específicos também foi apontada por Juan Carlos Raxach, assessor de projetos da Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (Abia), como uma das causas do aumento. “Essa é uma população que tem sido esquecida nos últimos anos. Todos os materiais educativos relacionados à prevenção [para esses públicos] foram vetados. Não há um bom trabalho educativo. E, quando somamos esse problema ao estigma e à discriminação contra o homossexual, vemos que o jovem sofre com uma dupla vulnerabilidade”.

O estigma e a discriminação também foram lembrados por Salvador Corrêa, assessor da coordenação da Abia. Presente no 3º Encontro Regional da Rede Nacional de Adolescentes e Jovens Vivendo com HIV/Aids na Região Sudeste, evento realizado em novembro deste ano e que reuniu jovens dos quatro estados da região, Corrêa chamou atenção para a invisibilidade desta população. “Existe uma carência grande de redes de apoio e acolhimento. Percebemos que muitos jovens chegaram no evento com a expectativa de serem acolhidos e ouvidos a respeito do estigma e discriminação que sofrem. Eles relataram haver muita dificuldade para acessar os serviços oferecidos pelo SUS”.

No Norte e Nordeste, epidemia cresce em índices alarmantes

Outro fenômeno demostrado no Boletim Epidemiológico é a interiorização da epidemia de HIV/Aids. Inicialmente concentrada nas grandes capitais das regiões Sul e Sudeste, a Aids avançou no Norte e Nordeste brasileiro, mas segundo Fernandes ainda faltam estudos que possam explicar melhor o novo cenário. “Este aumento pode estar acontecendo por vários fatores, como a melhora nas ações de diagnóstico e consequente melhora na notificação de casos nos municípios destas regiões. Outro fator pode ser o perfil de interiorização da epidemia, atingindo cada vez mais municípios menores e afastados dos grandes centros”.

Para Juan Carlos, a questão geográfica pode estar sendo acentuada pelo conservadorismo nas ações de prevenção e pela ausência de ONGs e espaços que possam fazer o trabalho de prevenção com grupos específicos. “No Sul e no Sudeste, ainda existem muitas ONGs fazendo trabalhos de prevenção com grupos específicos. Algo que o governo não vem fazendo devido à homofobia”.

Para especialistas, solução está na desmistificação do tratamento e na educação

Apesar do crescimento da epidemia, o Brasil pode reverter o quadro. Para isso, basta mirar as ações do passado e lembrar que, apesar dos avanços trazidos pelos medicamentos, a Aids ainda não tem cura e que o tratamento da doença não consiste apenas em se medicar. “É importante que os gestores das políticas que envolvem o tratamento e a prevenção desmistifiquem esse otimismo em torno da doença, e comecem a divulgar junto à população mais jovem que o HIV/Aids ainda é um grave problema de saúde pública e que todo tratamento de doença crônica envolve um processo difícil”, lembrou Fernandes, que também ressaltou o forte estigma enfrentado pela pessoa vivendo com HIV/Aids, mesmo depois de trinta anos de epidemia no Brasil.

Segundo o pesquisador, as políticas públicas de prevenção precisam levar em consideração as três dimensões da vulnerabilidade – programática, sociocultural e comportamental – quando traçar as estratégias e ações. “O preservativo ainda é a melhor forma de prevenção. Mas é importante substituir o modelo meramente prescritivo e autoritário das ações que envolvem o preservativo por uma lógica de gerenciamento de riscos personalizada, que respeite a autonomia de cada usuário”. Neste sentido, Fernandes defende que é preciso que as novas tecnologias, como, por exemplo, o tratamento como forma de prevenção, a profilaxia pós e pré-exposição sexual e a autotestagem domiciliar do HIV sejam incorporadas ao leque de possibilidades para evitar a doença. “As populações mais vulneráveis precisam ter estratégias de prevenção mais adequadas aos seus contextos, histórias de vida e práticas sexuais”, afirmou.

Já o assessor de projetos da Abia lembra de um passado recente, quando o Ministério da Educação e Cultura, ONGs e secretarias de saúde realizavam em parceria projetos de educação sexual nas escolas que envolviam alunos e professores. “Temos que retomar todo o programa de prevenção e combate ao estigma e discriminação relacionada à homossexualidade e à prevenção as DSTs/Aids nas escolas. Se não fizermos isso, não há como fazer um bom trabalho de prevenção”.

Bio-Manguinhos: produção do teste rápido e capacitação de profissionais

Para alcançar pessoas mais vulneráveis à infecção pelo HIV/Aids e fazer com que tenham acesso rápido ao diagnóstico, o Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde (DDAHV/MS) iniciou em 2014 o projeto Viva Melhor Sabendo, que consiste na testagem rápida por meio de fluido oral aplicado pelas ONGs que compõem o projeto. A iniciativa buscou a parceria com ONGs porque essas instituições conseguem ter acesso maior às populações mais vulneráveis à infecção pelo HIV/Aids do que os serviços de saúde.

O teste rápido é produzido por Bio-Manguinhos que, entre os meses de abril e novembro de 2014, entregou 41.289 kits ao Ministério da Saúde. De acordo com a assessoria de imprensa da unidade, Bio-Manguinhos também ajudou na realização dos exames e participou da realização de oficinas para capacitar os profissionais das ONGs para poderem aplicar o teste em campo. Além disso, seis colaboradores da unidade, cinco do Laboratório de Controle de Reativos (Lacore) e um do Departamento de Reativos para Diagnóstico (Dered), acompanharam as aplicações do teste em campo, como em pontos de prostituição, iniciadas em março deste ano. 

Para fazer o teste, é preciso que a pessoa evite ingerir alimento ou bebida, fume ou inale qualquer substância, escove os dentes e use antisséptico bucal nos 30 minutos anteriores. Também é preciso retirar o batom e evitar atividade oral que deixe resíduo. O fluido do teste oral é extraído da gengiva e da mucosa da bochecha com o auxílio da haste coletora descartável. Quando surge uma linha vermelha, significa que não é reagente. Caso apareçam duas linhas daquela cor, indica que na amostra há anticorpos anti-HIV, ou seja, o teste é positivo. O resultado sai em até 30 minutos.

“As populações mais vulneráveis precisam ter estratégias de prevenção mais adequadas aos seus contextos, histórias de vida e práticas sexuais”, Nilo Fernandes

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