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Ministério Público e sanitaristas se unem a favor do SUS


02/06/2016

André Costa (Agência Fiocruz de Notícias/AFN)

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Firmes defesas do Sistema Único de Saúde (SUS), assim como problematizações de desafios e deficiências do sistema, marcaram os dois dias de debates e conferências entre membros do Ministério Público e sanitaristas no seminário A sustentabilidade do direito à saúde e do Sistema Único de Saúde, na última segunda e terça (30 e 31/5), no Rio de Janeiro.

Membros do Ministério Público e sanitaristas discutiram soluções para aprimorar o Sistema Único de Saúde (Foto: Divulgação)
 

O seminário encerrou o Curso de aperfeiçoamento em política e gestão da saúde pública para o Ministério Público, organizado conjuntamente pelo Ministério da Saúde, pelo Ministério Público e pela Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz (Ensp/Fiocruz). O curso, que teve duração de seis meses, formou 139 promotores de Justiça nos principais aspectos relacionados a políticas públicas na área de saúde do Brasil, abrangendo desde os princípios que levaram à reforma sanitária a estudos de caso atuais sobre situações vividas em tribunais do país.

Na maior parte das exposições, defendeu-se que o SUS é uma conquista da sociedade, resultado de uma visão da saúde como direito social, que se encontra hoje sob ameaças de forças que compreendem a saúde como uma mercadoria. Segundo todos os palestrantes, eventuais carências e ajustes necessários não legitimam medidas como o fim da vinculação de receitas da União, que, segundo eles, afetaria sobretudo os mais vulneráveis.

Na mesa de abertura, composta pelo Procurador Geral de Sergipe e representante do Conselho Nacional de Procuradores Gerais (CNPG), José Rony de Almeida, pela representante do Ministério da Saúde Neide Glória Garrido, pela pesquisadora da Ensp/Fiocruz Tatiana Vargas e pelo vice-presidente de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde da Fiocruz, Valcler Rangel, perspectivas teóricas e práticas do direito da saúde foram apresentadas.

“Somos contra a desvinculação de receitas da União. Os sanitaristas devem saber que, caso a PEC 143 passe, os procuradores-gerais estão prontos para apoiá-los”, disse Rony de Almeida. Garrido, por sua vez, exaltou a importância da qualificação de promotores para a defesa da Saúde Pública. “O trabalho do MP é fundamental. Se o curso puder contribuir para dar mais ferramentas e consistência técnica, ajudando a criar novas formas de pensar e dirigir a realidade, para que possam cobrar uma gestão melhor, isso nos dará a sensação de dever cumprido”, afirmou.

Valcler Rangel, por sua vez, observou que a Fiocruz tem compromisso histórico com o desenvolvimento e as ciências nacionais. Afirmando que o sistema de seguridade está em risco, destacou que a relação com o Ministério Público é de parceria e de prestação de contas, ressaltando que as duas instituições estão unidas também no combate ao desastre da Samarco, em Minas Gerais. “Atender os atingidos pelo desastre da barragem também é fazer proteção social. Fazer com que pessoas em situações como aquela tenham seus direitos respeitados é de fundamental importância. A parceria com o MP é muito importante para enfrentar os riscos do momento presente”, afirmou.

Já Vargas ressaltou a importância de parcerias no momento crítico vivido. “É importante pensarmos juntos como chegar a soluções para problemas concretos, sendo democráticos e efetivos. São estes valores e princípios que esperamos”, disse, enfatizando a importância do Ministério Público em situações que com frequências não são associadas à saúde, embora também o sejam, como as vividas no Rio Doce (MG), em Belo Monte (PA) e a opressão de gênero em favelas.

Desafios ao direito à saúde

Na primeira conferência, o professor da PUC do Rio Grande do Sul e desembargador do Tribunal de Justiça Ingo Wolfgang Sarlet apontou a ausência de financiamento e a má gestão como principais obstáculos à garantia do direito fundamental à saúde. Segundo ele, estas são as principais áreas nas quais o Ministério Público pode atuar em defesa da sociedade na área.  “Se fizéssemos o óbvio na saúde e na educação, não teríamos muito dos problemas de hoje. Uma prótese de joelho comprada a R$ 2 mil chega ao plano a R$ 8 mil e ao hospital a R$ 13 mil. As comissões médicas, do hospital e do distribuidor são maiores do que o custo da prótese. O subfinanciamento também se deve a isso, e sabemos que há ações do Ministério Público mapeando esse tipo de coisa”, afirmou.

Na mesa da tarde, o sanitarista Jairnilson Silva Paim, do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (UFBA), o especialista em bioética Fermin Roland Schramm, da Ensp/Fiocruz, e o subprocurador-geral da República Humberto Jacques de Medeiros trouxeram perspectivas sanitárias, éticas e da prática cotidiana do direito para a discussão acerca do sistema de saúde nacional.

Paim criticou o novo Ministro da Saúde, Ricardo Barros, por, segundo ele, entender a saúde como mercadoria, ou seja, algo que deve ser comprado, e não como um direito fundamental. “O atual engenheiro que ocupa o Ministério da Saúde teve uma crise de sinceridade ao dizer que o SUS precisava ser encolhido e os planos privados, expandidos”, disse.

O sanitarista comentou que a reforma sanitária não objetivava ser apenas uma reforma setorial, mas se ligava também a uma perspectiva ligada a um projeto civilizatório que entende a saúde como um direito fundamental. Observando que o sistema de saúde depende de diálogos entre interesses públicos e privados, destacou que um dos grandes desafios é como fazer com que o interesse público prevaleça.

Palestrante seguinte, Roland Schramm fez uma explanação acerca da necessidade ética de se proteger a saúde dos mais vulneráveis, o que ele define como uma “biotética de proteção”. “A preocupação com o amparo ou a proteção dos seres vulneráveis é uma constante da própria ética desde sua origem”, disse. “Os interesses do bem comum tornam legítimas medidas compulsórias que, se não forem acatadas, podem implicar em sanções para com os transgressores. A proteção da Saúde Pública legitima alguma forma de restrição das liberdades individuais”.

Último palestrante do primeiro dia, o subprocurador-geral da República Humberto Jacques de Medeiros destacou que, em um cenário de crise econômica, quem sofrerá mais serão as redes de saúde que já tinham problemas de organização anteriores. “As redes mais bagunçadas serão aquelas onde os problemas primeiro aparecerão. Na escassez, qualquer deslize no planejamento e na organização tem consequências muito maiores. Qualquer desajuste produzirá um estrago enorme”.  

O subprocurador observou também que a escassez de recursos não deve ser naturalizada, mas se deve com frequência a uma tomada de decisões. “Por trás da escassez, houve um critério que decidiu por sua existência, houve uma escolha social para que aquele bem fosse escasso. A maior parte da escassez é fruto de outras decisões”, ele disse.

Dirigindo-se à plateia de procuradores, Medeiros colocou que a transparência e a participação social na tomada de decisões públicas são indispensáveis para o respeito ao direito à saúde. “Somente um sistema de matriz democrática, transparente e responsável consegue enfrentar esse problema. A primeira tarefa é que todos cumpram sua responsabilidade decisória no sistema. Ninguém sozinho conseguirá fazer isso. Que se abram os processos decisórios”.

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