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Em entrevista, pesquisador analisa o cenário atual da febre amarela no país

Mosquito aedes aegypti

30/01/2017

Por: Filipe Leonel (Ensp / Fiocruz)

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Na opinião do pesquisador Paulo Chagastelles Sabroza, da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, o quadro é preocupante quando o assunto é febre amarela (FA), mas o cenário poderá ser muito pior se "ocorrer a urbanização da febre amarela e a epizootia dos macacos se alastrar pelas matas de galeria dos estados de São Paulo ou Espírito Santo e chegar às matas de litoral dos estados da Bahia, Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo, onde vivem milhões de pessoas, e grandes grupos populacionais de macacos". Ainda assim, ele afirma que ainda não é o momento de pensar nesse "cenário caótico".

Na segunda-feira (23), o Ministério da Saúde divulgou registro de 421 casos suspeitos de febre amarela, sendo 87 mortes em quatro estados e no Distrito Federal. Do total, 357 permanecem em investigação, 63 foram confirmados e 1 descartado. Das 87 mortes notificadas, 34 foram confirmadas, e 53 permanecem em investigação. Os casos foram registrados em Minas Gerais, Espírito Santo, Bahia, São Paulo e Distrito Federal. Na cidade do Rio de Janeiro, segundo a Secretaria Municipal de Saúde, não há febre amarela, portanto, não existe a necessidade de vacinação indiscriminada, feita em larga escala, para toda a população.

Em rápida entrevista ao Informe ENSP, Sabroza falou a respeito da gravidade dos casos registrados, da epidemia da doença, da vacina e alertou a população do Rio de Janeiro. Confira.

Gravidade
O quadro é preocupante e pode se tornar pior ao apontar para um cenário de extrema gravidade, ou seja, a retomada da transmissão urbana da febre amarela pelo Aedes aegypti no Brasil. Estamos assistindo muitas pessoas adoecendo e, há muitos anos, não tivemos tantos casos e mortes nas áreas rurais da Região Sudeste. Fazemos esse alerta porque pessoas estão adoecendo e vindo para as cidades, em municípios de pequeno e médio porte, com focos de Aedes e sem hospitais de isolamento, ficando, assim, expostos ao contato com potenciais vetores em ambulâncias e enfermarias comuns. 

Epidemia
Falamos de uma zoonose que atinge primatas silvestres, passando de um grupo populacional a outro, e se alastra rapidamente quando os animais são totalmente suscetíveis por não terem estado expostos ao vírus da febre amarela em anos recentes. Note-se que, há mais de cinquenta anos, não ocorreu nenhum registro de circulação do vírus da febre amarela no litoral da Região Sudeste, não havendo epizootias nem indicação de imunizações. Isso resulta no acúmulo de grande número de animais e humanos suscetíveis nos estados do Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo. 

Quando alcança populações de macacos sem imunidade de grupo, a epizootia pode se propagar com grande velocidade, como ocorreu no Rio Grande do Sul no início da década passada, em que, em menos de um ano, passou da bacia do Rio Uruguai ao litoral, no outro extremo do estado. 

A epizootia se comporta como uma espécie de queimada, matando grande parte dos macacos da área e só arrefecendo quando a densidade desses primatas fica bastante reduzida. No ciclo silvestre da febre amarela, os casos humanos ocorrem de forma esporádica, e apenas naqueles grupos populacionais que se expõem aos vetores silvestres já infectados com o vírus. Por isso, as vacinações devem ser dirigidas preferencialmente aos residentes nas áreas rurais atingidas e para aqueles que se deslocam para elas em decorrência de atividades de trabalho e lazer. 

A vacinação da população geral, por meio de campanhas mobilizada pelas informações da mídia não é indicada, pois, ao se imunizar predominantemente residentes nas áreas urbanas e que não estão nos grupos de risco, acaba-se por deixar sem proteção aqueles que mais necessitam, ou seja, os moradores de comunidades rurais de difícil acesso, e que precisam ser vacinados de casa em casa pelos serviços locais de saúde. Além disso, a vacina, por ser constituída por vírus vivo atenuado, é totalmente contraindicada para pessoas com deficiência imunológica, decorrente de enfermidades, uso de medicamentos ou idade avançada, podendo nesses casos resultar em doença grave e mesmo morte. 

Os possíveis cenários
Todavia, se a epizootia dos macacos se alastrar pelas matas de galeria dos estados de São Paulo ou do Espírito Santo e chegar às matas do litoral dos estados da Bahia, Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo, onde vivem milhões de pessoas e grandes grupos populacionais de macacos, teremos o segundo  pior cenário, que é a necessidade de vacinar em pouco tempo milhares de pessoas a fim de prevenir centenas de casos graves e mortes, podendo ainda ocorrer a eliminação  completa de  populações de espécies de primatas em risco de extinção.

Mas o pior cenário é aquele em que ocorre a urbanização da febre amarela, quando o vetor transmite nas cidades o vírus de pessoa a pessoa com grande velocidade, efetividade e alta letalidade. Nesse caso, seria necessário vacinar milhões de pessoas em pouco tempo, com risco de muitos efeitos adversos e possibilidade de crise social. Mas é melhor nem pensar por enquanto nesse cenário caótico, principalmente quando vemos os serviços públicos sendo sistematicamente depreciados e desconstruídos. 

Alerta no Rio de Janeiro e vacinação
A população do Rio de Janeiro deve se preocupar. Se a epizootias nos macacos já chegou ao Estado do Espírito Santo, que era nossa preocupação inicial, a doença pode agora descer pelo Vale do Rio Doce e alcançar as matas do litoral e depois as regiões Norte e Noroeste do Estado do Rio de Janeiro, sendo recomendada a vacinação das pessoas lá residentes. Não há, entretanto, nenhuma justificativa técnica para a vacinação das pessoas residentes em centros urbanos nas outras regiões do estado. O fundamental é acompanharmos os resultados das ações de vigilância relativas à propagação da enzootia nos macacos, identificando novas áreas de risco e avaliando a qualidade do diagnóstico da febre amarela e da assistência aos casos da doença. 

Se nossa vigilância da morte de macacos estivesse ativa, se estivéssemos em contato com os profissionais das áreas que têm alta densidade de primatas não humanos, se estivéssemos avisando oportunamente sobre a morte de macacos e se os materiais coletados fossem enviados adequadamente para os laboratórios de referência – e esses respondessem oportunamente, em menos de dez dias –, se estivéssemos efetivamente conseguindo reduzir a densidade do Aedes aegypti nos centros urbanos, se os casos suspeitos de febre amarela estivessem sendo atendidos em instituições de saúde capazes de assegurar as condições de isolamento necessárias,  diria que estaríamos seguros, mas nada disso ocorreu.

No momento que o Estado do RJ vier a ser eventualmente atingido, ou começarem a vir casos de febre amarela dos Estados de Minas Gerais ou do Espírito Santo para os hospitais do RJ, também ficaremos em situação de vulnerabilidade. Até lá, temos de manter a expectativa. E não adianta vacinar toda a população. A imunização deve ser feita nas áreas indicadas, dirigida a determinados indivíduos e grupos populacionais de risco, com a participação dos serviços de saúde locais indo de casa em casa. Essa é a norma técnica.

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