Fiocruz

Fundação Oswaldo Cruz uma instituição a serviço da vida

Início do conteúdo

Descobertas a partir do genoma do vetor da doença de Chagas


17/11/2015

Por: Maíra Menezes (IOC/Fiocruz)

Compartilhar:

Um grupo internacional formado por pesquisadores de dez países, com participação do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), conseguiu, a partir dos dados genéticos do inseto transmissor da doença de Chagas, chegar a descobertas com potencial para ajudar no desenvolvimento de novas estratégias para o controle da enfermidade. O artigo que apresenta a primeira análise do genoma do inseto Rhodnius prolixus – uma das espécies popularmente conhecidas como barbeiro – foi publicado nesta segunda-feira, 16/11, na revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), uma das mais importantes da área. O projeto para decifrar o genoma do barbeiro teve início há 12 anos. Entre os 115 pesquisadores envolvidos, a maioria atua em instituições da América Latina, com destaque para o Brasil. No IOC, os Laboratórios de Epidemiologia e Sistemática Molecular; Bioquímica e Fisiologia de Insetos; Biologia Molecular de Insetos; e Biologia Computacional e Sistemas participaram do trabalho.

Diferenças significativas entre o DNA do R. prolixus e o de outros insetos transmissores de doenças foram descobertas na pesquisa. Os cientistas verificaram um efeito de ‘expansão’ em genes ligados à quimiorrecepção, a proteínas da saliva e à digestão, o que sugere uma adaptação evolutiva do barbeiro para se alimentar unicamente de sangue. A quimiorrecepção é um tipo de percepção do ambiente semelhante ao olfato, utilizada pelo inseto para encontrar suas fontes de alimento. Já as proteínas da saliva ajudam no momento da picada, possuindo, por exemplo, propriedades anticoagulantes e anestésicas que permitem ao barbeiro se alimentar sem ser notado. “Todos os estágios de desenvolvimento dos triatomíneos, incluindo machos e fêmeas adultos, se alimentam exclusivamente de sangue. Já nos mosquitos, por exemplo, apenas as fêmeas adultas têm esse comportamento. Acreditamos que algumas destas características genéticas surgiram evolutivamente neste grupo, como resultado de adaptação ao modo de vida hematófago”, diz o chefe do Laboratório de Epidemiologia e Sistemática Molecular do IOC, Fernando Araújo Monteiro, que integra o comitê gestor do estudo e é um dos autores do artigo.

O sistema imune do barbeiro também tem particularidades e apresenta uma relação ‘silenciosa’ com o parasito Trypanosoma cruzi, causador da doença de Chagas. Na comparação com outros insetos, o R. prolixus não possui alguns genes tradicionalmente encontrados no sistema imunológico. Além disso, os pesquisadores verificaram que embora vias do sistema imune controlem a microbiota do intestino do barbeiro, estas mesmas vias não são ativados pela presença do T. cruzi ou não atuam sobre o parasito. Para os autores, os resultados apontam que o patógeno deve possuir mecanismos de defesa para escapar do ataque do sistema imune do inseto.

O estudo do genoma do R. prolixus abre portas importantes para a pesquisa científica e o desenvolvimento de estratégias de controle da doença de Chagas. Entre cerca de 150 espécies de insetos triatomíneos, o R. prolixus faz parte do pequeno grupo mais frequentemente envolvido na transmissão do agravo. “Apenas cinco espécies de barbeiro possuem a capacidade de colonizar habitações rurais eficientemente, concretizando o ciclo característico da infecção, em que os insetos saem das paredes de barro à noite e picam as pessoas enquanto elas dormem. Neste grupo, o R. prolixus é um dos mais importantes e o sequenciamento de seu genoma nos permitirá investigar a origem deste comportamento”, explica Fernando. Estudos sobre resistência a inseticidas e capacidade de localizar fontes de alimentação são outras possibilidades de pesquisa decorrentes da disponibilidade do genoma do inseto.

O sequenciamento do genoma do R. prolixus é o primeiro de um inseto vetor de doença que não pertencem à ordem Diptera, da qual os mosquitos fazem parte. Além disso, dá sequência ao trabalho iniciado em 1930 por um dos pioneiros da fisiologia de insetos: foi estudando esta espécie que o fisiologista inglês Vincent Wigglesworth descreveu processos como a gametogênese e o controle hormonal do crescimento destes bichos. “Esse trabalho é fruto de um esforço conjunto e estamos muito satisfeitos com o resultado. A disponibilidade do genoma possibilitará um avanço do conhecimento muito mais rápido sobre vários aspectos relacionados a esta doença tão importante e negligenciada”, comemora Fernando.

Longo caminho para descobertas

O sequenciamento do genoma do R. prolixus foi realizado na Universidade de Washington, nos Estados Unidos, com financiamento do órgão de fomento norte-americano National Institutes of Health (NIH). No entanto, esta foi somente uma das etapas do longo caminho percorrido pelos cientistas para desvendar os segredos contidos no material genético do barbeiro. Para realizar o estudo, os pesquisadores precisavam assegurar a identidade taxonômica dos insetos que seriam usados como fonte de DNA para o sequenciamento. “Como existe grande semelhança morfológica entre as espécies Rhodnius prolixus e Rhodnius robustus, utilizamos marcadores moleculares para determinar o genótipo dos insetos de 12 colônias mantidas em laboratórios de diferentes países e selecionar aquelas onde havia apenas R. prolixus e não híbridos ou misturas das duas espécies. Encontramos apenas duas colônias ‘puras’ e optamos por trabalhar com a mantida pelo CDC [Centers for Disease Control and Prevention, dos Estados Unidos] por razões de logística”, conta Fernando.

Uma vez que o DNA é sequenciado em partes, foi necessário um complexo processo de montagem, utilizando técnicas de bioinformática, para unir as peças do quebra-cabeça e chegar ao genoma completo do barbeiro. O código obtido a partir desse trabalho foi, então, analisado pelos cientistas, e foram identificados cerca de 15 mil genes que orientam a produção de proteínas. “O processo de anotação, que consiste na identificação dos genes dentro das longas sequências de DNA, contou com a participação predominante de cientistas brasileiros”, diz Fernando.

Sobre a doença de Chagas

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a doença de Chagas afeta cerca de sete milhões de pessoas no mundo, a maioria na América Latina. Os parasitos T. cruzi são os causadores da infecção e podem ser encontrados no aparelho digestivo dos barbeiros. Após picar as pessoas, estes insetos costumam defecar próximo ao local da ferida, liberando os patógenos. O T. cruzi é introduzido na corrente sanguínea dos pacientes quando os indivíduos coçam a pele, levando, involuntariamente, as fezes do inseto para o local da picada. Logo após a infecção, os pacientes apresentam sintomas como febre, dor de cabeça, fraqueza intensa e inchaço no rosto e nas pernas. Se não houver tratamento, a doença pode evoluir para a fase crônica, quando 30% dos indivíduos apresentam complicações cardíacas e 10% têm problemas digestivos.

Voltar ao topoVoltar