No dia 5 de dezembro de 2018, foi realizada a 12ª sessão da Agenda Laranja, olhares complementares na atenção às pessoas vivendo com HIV/AIDS na rede de saúde, no Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz). A iniciativa, coordenada pelos professores Corina Mendes e Marcos Nascimento, promove desde 2016 a construção de uma cultura institucional voltada ao enfrentamento às várias formas de violência contra mulheres e meninas. A última edição do ano, em consonância com as atividades do Dia Mundial de Combate à AIDS, comemorado anualmente em 1/12, teve como objetivo refletir sobre lacunas e desafios para o cuidado ofertado às pessoas que vivem com HIV/AIDS na rede de atenção à saúde. Para tal, foi convidada para mediar o encontro a professora, cientista social e pesquisadora do IFF/Fiocruz Ivia Maksud, que junto com o professor da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz) Eduardo Alves Melo, coordena a pesquisa O cuidado às pessoas com HIV/AIDS na rede de atenção à saúde.
A gerente de DST/AIDS da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro (SMS/RJ), Guida Silva, abordou a Atenção ao HIV/AIDS na APS do município do Rio de Janeiro – um balanço dos primeiros cinco anos, apresentando dados para contextualizar a discussão. Guida falou que até o ano de 2012 o número de casos e a taxa de incidência do HIV/AIDS no município do Rio de Janeiro era considerada estável. Mas, a partir de 2013, houve um aumento significativo com a obrigatoriedade da notificação dos casos de HIV positivo. Sobre a taxa de incidência por faixa etária, ela constatou que a maioria dos casos ocorrem, principalmente, entre jovens de 20 a 39 anos. “Até agora nessa faixa a gente só verifica aumento e, nesses últimos anos, uma taxa de crescimento muito acentuada”, observou ela.
Em relação a distribuição por sexo, Guida esclareceu que há alguns anos havia uma relação de dois homens para uma mulher com a incidência do HIV/AIDS, mas, nos últimos anos, a proporção passou a ser de 3,5 casos de homens para 1 mulher. Guida ainda reforçou que são precisos esforços no compartilhamento do cuidado às pessoas vivendo com HIV/AIDS entre a atenção básica e a especializada, alertando que o estigma da AIDS ainda é um tema desafiador.
Como métodos para evitar a infecção por HIV, a gerente mencionou a Profilaxia Pré-Exposição ao HIV [1] (PrEP), que é o uso preventivo de medicamentos antes da exposição ao vírus do HIV, reduzindo a probabilidade da pessoa se infectar com o vírus, e declarou que a Profilaxia Pós-Exposição de Risco [2] (PEP) vem sendo trabalhada em todas as unidades de atenção primária como uma medida de prevenção de urgência por meio de medicamentos antirretrovirais, após um possível contato com o vírus HIV. “O Ministério da Saúde (MS) reforça a questão da prevenção combinada [3], com foco nas populações-chave e prioritárias, defendendo o direito que as pessoas têm de conhecer todas as formas de prevenção e eleger aquelas que se adequam mais ao estilo de vida, comportamento e gosto pessoal de cada um”, frisou ela.
Na sequência, a pesquisadora do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) e professora da Pós-Graduação de Saúde Pública da Ensp, Simone Monteiro apresentou o tema Estigma, Aids e reprodução no contexto de serviços especializados, indicando como necessário, portanto, estimular uma reflexão sobre o papel dos serviços de saúde no enfrentamento do estigma que permeia a temática. “São praticamente 40 anos de epidemia de HIV/AIDS, a gente não pode dizer que é falta de conhecimento, pois após várias campanhas educativas e discussões, os estigmas persistem. Eles vão sendo reforçados e atualizados através de uma série de imagens que presenciamos cotidianamente, o que gera situações de afastamento”, explicou ela.
Mariana Cardim e Simone Monteiro (Foto: IFF)
Com a palavra, a gestora da Enfermaria de Doenças Infecciosas Pediátricas (Dipe) do IFF/Fiocruz Mariana Cardim falou sobre o Adoecer e adolescer com HIV/AIDS, apresentando o perfil do Instituto nesse tratamento. Ela relatou que a unidade ambulatorial do IFF/Fiocruz conta com uma equipe multidisciplinar que cuida, hoje, de 112 pacientes que vivem com HIV/AIDS, sendo 75 bebês, 25 crianças e 12 adolescentes expostos ao vírus, em acompanhamento.
Em sua apresentação, Mariana relatou a experiência de adoecimento e cuidado vivenciada por adolescentes de 12 a 18 anos com HIV/AIDS por transmissão vertical, quando as principais vias de contágio são a gestação, o parto e a amamentação, fruto de seu estudo de doutorado no Programa de Pós-graduação em Saúde da Criança e da Mulher (PPGSCM) do IFF/Fiocruz. “Embora os adolescentes estejam em uma transição para a vida adulta, eles ainda estão bem referidos a um momento infantil, então cabe a utilização do lúdico (representação gráfica) para estimular a colaboração deles em todo o processo e a trazerem uma narrativa mais consistente. Eu acho que esse modelo de genograma pode ser usado, inclusive, para iniciar a consulta em si, e não somente em uma pesquisa. Foi uma etapa interessante e que fez toda a diferença”, revelou ela.
Mariana expôs que para o adolescente todas as questões ligadas ao regime terapêutico no tratamento da AIDS podem impor desafios no processo de assumir um tratamento. Em muitos casos, os adolescentes tomam a medicação sem saber do diagnóstico, pois para os responsáveis esse é um segredo permeado pelo medo, insegurança e culpa. Mariana incentivou que o momento da revelação seja realizado no âmbito familiar, mas, às vezes, a dificuldade é tão grande que os pais solicitam que a revelação seja feita com o apoio dos profissionais de saúde. Após a revelação, a doença e o tratamento passam a ter um nome e todo um impacto advindo desse significado para as pessoas e para a sociedade marcada pelo estigma. Isso vai influenciar na rotina de vida dos pacientes, que têm muitas dúvidas a respeito de projetos futuros, como relacionamento, filhos e emprego.
Dando continuidade, o coordenador da área de Treinamento e Capacitação da Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS (ABIA) [4], Salvador Campos Corrêa, comentou que ainda hoje, uma pessoa recém-diagnosticada traz o conceito de morte para o diálogo. “Ao descobrir o diagnóstico, um bom atendimento é essencial, pois será importante para que o paciente se sinta acolhido, queira retornar ao serviço de saúde e queira viver, pois a ideia de morte é muito forte”, explicou ele.
Durante sua apresentação, o ativista, gay e portador do vírus HIV frisou que há uma condenação moral e sexual muito forte e que o preconceito ainda está muito presente na sociedade. “Viver com HIV é um efeito fênix, é um renascimento, pois é colocado no fogo todas as suas construções acerca da vida e da morte. Infelizmente, muitas pessoas ainda acabam caindo na depressão”, pontuou. Por outro lado, Salvador ressaltou que a sociedade também tem uma capacidade muito grande de mobilização e de transformação. “É essa solidariedade que a gente precisa resgatar, se unir, dialogar e criar espaços para refletir as ações e garantir uma assistência de qualidade”, concluiu.