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“Linha Curva”: entrevista


08/06/2016

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Disse certa vez o célebre arquiteto Oscar Niemeyer: “O que me atrai não é o ângulo reto, nem a linha reta, dura, inflexível, criada pelo homem. Me atrai a curva livre e sensual, a curva que encontro nas montanhas do meu país, no curso sinuoso dos rios, na onda do mar, no corpo da mulher preferida. De curvas é feito o universo inteiro, o universo curvo de Einstein”. Palavras que inspiraram o título do novo livro da Editora Fiocruz, A Linha Curva: o espaço e o tempo da desinstitucionalização, de Ernesto Venturini, psiquiatra que contribuiu ativamente para a reforma psiquiátrica na Itália e acompanhou a reforma brasileira. Como assessor da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), o autor esteve várias vezes no Brasil, onde, em encontros com gestores da saúde, profissionais, usuários e cidadãos, falava de sua experiência na Itália. Escritos que foram temas desses encontros estão agora reunidos no livro, que integra a coleção Loucura & Civilização. Nesta entrevista, Venturini comenta a importância do trabalho de realizar plenamente a desinstitucionalização.

Ernesto Venturini durante o 5º Congresso Brasileiro de Saúde Mental, realizado em maio de 2016, em São Paulo/SP
(Foto: Bruno C. Dias | Abrasco)

Editora Fiocruz: Como foi a escolha do título A Linha Curva?
Ernesto Venturini: Sempre pensei que o processo de desinstitucionalização exigisse flexibilidade, leveza e criatividade. A sentença de Niemeyer me pareceu indicada para expressar estes conceitos.

Editora Fiocruz: Na apresentação do livro, o senhor afirma que a desinstitucionalização, na maior parte dos países europeus e americanos, é um processo ainda em vias de realização e, frequentemente, se realizado, foi mal feito ou apenas parcial. O que falta, então, para que a desinstitucionalização seja plenamente realizada nesses países?
Ernesto Venturini: Faltam o encerramento total dos hospitais psiquiátricos e a plena realização de um atendimento em liberdade para as pessoas com transtornos mentais.

Editora Fiocruz: O senhor fala também da "exigência de manter sempre viva a crítica ao poder institucional da disciplina psiquiátrica". Na prática, como se exercita essa crítica?
Ernesto Venturini: É necessário efetivar a capacidade decisória dos usuários e dos familiares, e promover o controle social sobre o funcionamento das instituições psiquiátricas

Editora Fiocruz: Mais do que superar os muros do manicômio, é preciso transpor as barreiras da segregação social, mas isso requer o envolvimento não só de profissionais e gestores da saúde, mas da sociedade como um todo. Como envolver a todos?
Ernesto Venturini: Através de uma sensibilização das instituições educacionais e políticas, mas, acima de tudo, através de uma presença mais ativa do mundo da cultura na luta contra o estigma social e em favor da inclusão social. Os meios de comunicação poderiam mostrar os exemplos positivos, que são numerosos, em que há boa resolução dos problemas.

Editora Fiocruz: Como as experiências da Itália podem contribuir para o atual contexto brasileiro de desinstitucionalização? 
Ernesto Venturini: Por meio do fortalecimento de um diálogo, que já existe, entre profissionais, usuários e familiares dos dois países. Existe também nestes dois países o risco de que prevaleçam políticas que desmantelem o Welfare State, cobrando dos mais pobres e necessitados da população o preço desta operação. É necessário que os cientistas e intelectuais dos dois países tomem medidas para demonstrar como um sistema de saúde mental público, universal e antimanicomial produz saúde e bem-estar social e econômico para todos.

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