29/03/2016
Por: Maíra Menezes (IOC/Fiocruz)
A alimentação das larvas do mosquito Aedes aegypti está no foco de uma pesquisa liderada pelo Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz). Publicado na revista Plos One, o estudo mostra benefícios a partir do consumo de leveduras Saccharomyces cerevisiae, que compõem os fermentos biológicos. Na comparação com a ração de gato – um dos compostos comumente usados para alimentar larvas em laboratório –, a dieta exclusiva com leveduras originou larvas e mosquitos machos adultos com aproximadamente o dobro do peso, o que indica uma vantagem nutricional. Além disso, o estudo demonstrou, pela primeira vez, que as larvas do A. aegypti possuem a enzima beta-1,3-glucanase. Capaz de romper a parede celular dos fungos, essa enzima é importante para a absorção dos nutrientes contidos nesses micro-organismos.
Os achados podem contribuir para a criação de insetos em laboratório, uma etapa fundamental para algumas novas estratégias de controle do vetor. “As pesquisas sobre hábitos alimentares geralmente se concentram nas fêmeas adultas do A. aegypti, porque somente elas consomem sangue e podem transmitir vírus para as pessoas. Porém, com o desenvolvimento de métodos de combate a doenças baseados na liberação de mosquitos, a alimentação das larvas se tornou uma questão fundamental”, afirma Fernando Genta, pesquisador do Laboratório de Bioquímica e Fisiologia de Insetos do IOC e coordenador da pesquisa.
Primeira fase de vida dos mosquitos, as larvas nascem quando os ovos do A. aegypti eclodem após entrarem em contato com a água. Na natureza, elas se alimentam da matéria orgânica diluída na água ou presente no fundo dos recipientes onde nasceram. Muitas vezes, micro-organismos, como bactérias e fungos, estão entre as partículas ingeridas naturalmente. Quando atingem o peso necessário, as larvas se transformam em pupas. Por sua vez, as pupas não se alimentam, mas atravessam um processo de transformação, dando origem aos insetos adultos.
Potencial nutricional
A pesquisa recém-publicada confirmou que as larvas do A. aegypti são capazes de se desenvolver a partir de uma alimentação exclusiva com leveduras, chegando até a forma adulta. Em média, as larvas alimentadas com leveduras demoraram dois dias a mais para se transformarem em pupas. No entanto, segundo os pesquisadores, esse atraso pode ser considerado pequeno e não reflete, necessariamente, uma carência nutricional. “Algumas pesquisas apontam que as larvas podem atrasar a pupação quando se encontram em ambientes nutricionalmente ricos. Isso seria uma estratégia para adquirir reservas para a vida adulta”, pondera Raquel Santos Souza, doutoranda do Programa de Pós-graduação em Biologia Celular e Molecular do IOC e primeira autora do artigo.
Os pesquisadores observaram que a dieta com S. cerevisiae contém aproximadamente 12 vezes mais proteínas e três vezes mais açúcares do que a ração de gato. Além disso, a solução com leveduras tem menor chance de contaminação do que a ração de gato. “Bactérias nocivas para as larvas podem se desenvolver na ração de gato, prejudicando a criação de mosquitos em laboratório. Por esse motivo, a ração de peixe é uma alternativa utilizada nas criações em larga escala, mas o preço é bastante alto. Embora mais estudos ainda sejam necessários, uma dieta desenvolvida a partir de leveduras ou utilizando estes micro-organismos como aditivo poderia ser vantajosa, por oferecer uma alimentação controlada e livre de contaminações”, avalia Genta.
Identificação inédita
De acordo com os pesquisadores, a enzima beta-1,3-glucanase – que atua para romper a parede celular dos fungos – já tinha sido encontrada em baratas, cupins, gafanhotos, besouros, larvas de mariposas e flebotomíneos. Porém, a detecção nas larvas de A. aegypti representa a primeira identificação em mosquitos. “A presença dessa enzima com altos níveis de atividade indica que a alimentação a partir de fungos deve ocorrer na natureza”, comenta Genta. Uma vez que os seres humanos não possuem a enzima beta-1,3-glucanase, os autores consideram que ela poderia ser um alvo interessante para o desenvolvimento de inibidores com o objetivo de combater as larvas do A. aegypti.
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