14/03/2016
Por: Renata Fontoura (ICC/Fiocruz Paraná)
A relação entre as más-formações congênitas e a infecção pelo vírus zika em gestantes foi reforçada por um estudo desenvolvido pelo Instituto Carlos Chagas (ICC / Fiocruz Paraná) em parceria com a Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR). O trabalho analisou amostras recebidas pelo Laboratório Sentinela da Fiocruz Paraná para o diagnóstico de zika, das regiões Nordeste e Sul do país, de placentas de mulheres grávidas infectadas em diferentes fases de gestação e de tecidos de cérebros de bebês que morreram em menos de 24 horas após o nascimento. Os resultados mostram que o vírus infectou a placenta em todos os casos e que este tecido é um alvo preferencial, no caso das gestantes, assim como os tecidos dos cérebros, no caso dos bebês.
“Evidenciamos que o vírus chega à placenta em qualquer fase da gestação. Além da análise de tecidos da placenta de grávidas que relataram sintomas da infecção por zika no primeiro trimestre de gravidez – uma que sofreu aborto retido e outras duas que tiveram bebês com má-formação e que morreram algumas horas após o parto –, investigamos o caso de uma gestante que teve diagnóstico confirmado pela técnica molecular de Reação em Cadeia da Polimerase (PCR, na sigla em inglês) e pelo diagnóstico sorológico, no terceiro trimestre de gravidez. Neste último caso, ela deu à luz a um bebê saudável, apesar de termos identificado a presença do vírus nas amostras da placenta”, explica a chefe do Laboratório de Virologia Molecular da Fiocruz Paraná, Cláudia Nunes Duarte dos Santos.
A pesquisa também mostrou um tropismo viral, ou seja, uma certa preferência do vírus para infectar os tecidos da placenta e do sistema nervoso central. “Foram analisados tecidos de outros órgãos, incluindo rins, pulmão e baço. A maioria deles não apresentou lesões causadas pelo vírus e, os que apresentaram, tratava-se de lesões secundárias”, complementa a virologista do ICC.
A patologista do Laboratório de Patologia Experimental da PUC-PR, Lúcia Noronha, explica que o vírus danificou os tecidos cerebrais dos fetos. “Onde a imunohistoquímica estava positiva para o vírus, constatamos uma cerebrite, ou seja, uma inflamação no cérebro que destrói as neurônios e células da glia, sendo que estas últimas são células que dão suporte ao sistema nervoso, sustentam os neurônios e são responsáveis por sua defesa e sobrevivência”, esclarece. Além disso, as células gliais também são responsáveis pela maturação dos neurônios durante o desenvolvimento do cérebro dos embriões e o fato desta célula estar positiva para o vírus zika pode ser um indício de como este vírus poderia ser responsável pelas lesões cerebrais tão graves que estamos presenciando”, esclarece.
Outra evidência importante está relacionada a utilização, pelo vírus, do potencial migratório das células de células Hofbauer – que se situam na placenta e atuam na defesa do feto durante a gestação. “Essa dinâmica pode explicar o mecanismo de infecção dos bebês ainda no útero. O que ocorre é uma inflamação da placenta – vilosite – que quebra a barreira placentária e possibilita que o vírus entre em contato com estas células de Hofbauer. Estas células então, que podem se movimentar dentro da placenta, poderiam se aproximar dos vasos do feto e transmitir o vírus”, coloca a patologista como uma hipótese.
O conjunto de informações gerados a partir da análise dos cinco casos, transforma o estudo em umas das mais completas descrições das alterações causadas pelo vírus na placenta e em diferentes tecidos do feto. O trabalho deu continuidade à investigação divulgada em janeiro de 2016 pelo mesmo grupo de pesquisa, que resultou na confirmação a transmissão trans-placentária do vírus zika. “Acreditamos os resultados e dados que estamos apresentando serão muito importantes para darmos continuidade às pesquisas e buscarmos o conhecimento das formas de transmissão do vírus zika e suas interacções com as células hospedeiras e tropismo viral”, finaliza Cláudia.
Fiocruz como protagonista na pesquisa sobre vírus zika
A Fundação Oswaldo Cruz desempenha um papel de protagonista no desenvolvimento de pesquisas relacionadas ao vírus zika no país e no mundo. Atualmente, uma rede de cerca de 300 pesquisadores se dedica ao estudo de aspectos relacionados ao vírus e seus impactos para a saúde pública brasileira.
Único atuando na região Sul do país, o Laboratório de Virologia Molecular da Fiocruz Paraná participa de forma significativa desse esforço, já que é um dos cinco laboratórios sentinelas do Ministério da Saúde para o tema. O grupo foi responsável pela confirmação, através do sequenciamento do genoma viral, em maio de 2015, da presença do vírus zika em oito amostras humanas vindas do Rio Grande do Norte e agora divulga a pesquisa que reforça a relação entre o vírus e as más-formações congênitas.
Liderada pela virologista Cláudia Nunes Duarte dos Santos, a equipe trabalha no desenvolvimento de um teste de diagnóstico capaz de detectar a infecção em amostras de sangue, por meio de exame sorológico. Um passo importante para ter uma ideia mais ampla da infecção do vírus e potenciais mecanismos de transmissão e ter uma dimensão quantitativa de pessoas infectadas. Atualmente, somente testes moleculares, que precisam ser realizados em até cinco dias após o aparecimento dos primeiros sintomas, são realizados. “Trabalhamos em rede no Brasil e buscamos a cooperação com grupos de pesquisa internacionais, como os do Instituto Pasteur, que iniciaram estudos sobre o vírus após o surto da doença na Polinésia Francesa, em 2014”, reforça Cláudia. “A emergência desse novo vírus, reforça a importância da ampliação das pesquisas científicas na área e o quão fundamental são as ações de combate, pela população e pelo poder público, ao Aedes aegyti, mosquito transmissor do vírus zika, da dengue e da febre chikungunya”, finaliza a virologista.
Mais em outros sítios da Fiocruz