12/12/2014
Por: Maíra Menezes (IOC/Fiocruz)
Erradicado no final dos anos 1950, o mosquito Aedes aegypti pode ter sido reintroduzido no Brasil não apenas uma, mas duas vezes; seguindo caminhos diferentes em cada uma delas. A conclusão é de um estudo de pesquisadores do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) e da Universidade de Yale, nos Estados Unidos, publicado recentemente na revista científica PLOS Neglected Tropical Diseases. Analisando a genética das populações do mosquito da dengue no país, os cientistas observaram que os insetos encontrados entre o nordeste e o sudeste parecem ser oriundos do Caribe. Já aqueles do norte do Brasil seriam originários de outra parte das Américas, na região compreendida entre a Venezuela e o sudeste dos Estados Unidos.
A pesquisa foi realizada a partir da análise de trechos específicos do DNA de cerca de 400 insetos capturados em 11 cidades brasileiras, das regiões Norte, Nordeste, Sudeste e Centro-Oeste, além de sua comparação com mais de 300 mosquitos de oito localidades estrangeiras. “Verificamos que os Aedes aegypti do Brasil estão divididos em dois grandes grupos genéticos e, pela comparação com mosquitos de outros países, identificamos as duas possíveis fontes de migração dos insetos para o País”, diz o geneticista Fernando Monteiro, um dos autores do estudo e pesquisador do Laboratório de Epidemiologia e Sistemática Molecular do IOC.
Colaborador e autor sênior do estudo, Jeffrey Powell, da Universidade de Yale, ressalta a importância de identificar as possíveis rotas de entrada do A. aegypti no Brasil, a partir de outros países. “No caso da região norte brasileira, parece provável que o movimento de pessoas e mercadorias por terra, em estradas ou ferrovias, levou à reintrodução dos mosquitos. Já no sudeste, a maior chance é de que isso tenha ocorrido por meio do comércio por barco ou avião. Assim, se houver novas tentativas de erradicação, esses dados apontam caminhos para prevenir mais uma reintrodução desses insetos”, declara o cientista.
Conhecer a origem e a distribuição dos diferentes grupos de A. aegypti no Brasil é um dado relevante para estratégias de combate ao inseto. Também autora da pesquisa, a geneticista Renata Schama, do Laboratório de Biologia Computacional e Sistemas do IOC, lembra que a resistência a inseticidas é uma característica genética que pode se espalhar mais rapidamente dentro de um mesmo grupo de insetos. “Por exemplo, se mosquitos do nordeste desenvolverem resistência para um determinado produto, podemos imaginar que esta característica vai se disseminar logo até o sudeste, porque os Aedes aegypti destas duas regiões fazem parte de um grande grupo geneticamente próximo, dentro do qual provavelmente existe migração de mosquitos”, explica.
Fronteiras suscetíveis
Além de caracterizar as populações de A. aegypti do País, o estudo reforçou a hipótese de que a erradicação promovida no passado foi realmente eficiente. Segundo Fernando, a possibilidade de uma eliminação incompleta, seguida pela expansão a partir de um pequeno número de insetos sobreviventes em refúgios, parece pouco provável a partir das características genéticas observadas nos insetos estudados. “Quando se realiza uma campanha de erradicação, muitos mosquitos são mortos e, consequentemente, a variabilidade genética das populações se reduz drasticamente. No Brasil, observamos um alto grau de variabilidade genética dentro de cada grupo de insetos, semelhante ao de países que nunca passaram por esse tipo de ação de controle”, afirma, acrescentando que a própria distribuição dos grupos de A. aegypti no Brasil também aponta para a reintrodução a partir de outros países. “Se os mosquitos tivessem sobrevivido em pequena quantidade em diferentes refúgios e depois se espalhado novamente, deveríamos encontrar um número maior de grupos genéticos – pobres em variabilidade – e não apenas duas grandes populações de insetos no País”, diz.
Iniciado em 1947, o programa para erradicar o Aedes aegypti no país foi declarado um sucesso pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 1958. No entanto, nos anos 1970, os insetos voltaram a ser capturados em território brasileiro. Os especialistas acreditam que a reintrodução dos mosquitos ocorreu devido à diminuição das atividades de controle, que eram baseadas principalmente no uso de inseticidas. Na época, o foco do combate ao A. aegypti visava evitar os casos urbanos de febre amarela, que eram numerosos até a década de 1940. Embora a campanha tenha sido eficaz neste sentido, quando o vírus da dengue chegou ao Brasil, em 1982, encontrou um ambiente propício para a sua disseminação. Com os mosquitos transmissores espalhados por todo o território nacional, as epidemias da doença se tornaram frequentes.
Aedes: fácil proliferação
Segundo a OMS, cerca de 2,5 bilhões de pessoas – aproximadamente 40% da população do planeta – vivem hoje em áreas infestadas pelo Aedes, com risco de transmissão da dengue. Especialista em genética evolutiva, Powell avalia que, como espécie, o A. aegypti é altamente capaz de se espalhar e sobreviver. “Populações com alta variabilidade genética podem se adaptar a muitos tipos de habitat, se alimentar de diversas formas, ser mais resistentes à seca ou a temperaturas extremas. Quanto mais variável geneticamente, mais difícil é controlar ou eliminar uma espécie. A resistência a inseticidas evolui mais rapidamente em populações com mais variação genética, assim como a capacidade de adaptação a mudanças climáticas”, afirma o cientista.
Atualmente, a disseminação da resistência aos inseticidas é um dos fatores que dificultam o combate ao mosquito e, de acordo com Renata, essa situação torna ainda mais importante o engajamento da população para evitar a proliferação do inseto. “O Aedes aegypti se espalhou pelo mundo e, em todos os países, a resistência aos inseticidas aumenta rapidamente. Quando um novo produto começa a ser utilizado, em seguida os mosquitos se tornam capazes de tolerá-lo. Por isso, o controle da dengue depende, hoje, basicamente da conscientização da população para eliminar os depósitos de água parada, que podem se tornar focos de reprodução do inseto”, destaca.
Além de transmitir os vírus da dengue e da febre amarela, o Aedes aegypti também é vetor do vírus causador da febre chikungunya. Comum na Ásia, a doença chegou ao Caribe no final do ano passado e já provoca epidemias na Bahia e no Amapá, com mais de 1.300 casos registrados no Brasil, segundo o Ministério da Saúde.
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