01/12/2014
Por: Claudio Oliveira / Portal Fiocruz
O Dia Mundial de Luta Contra a Aids é celebrado desde 1987, em 1º de dezembro. No Brasil, a data serve para lembrar daqueles que se foram em decorrência da doença, e para fazer um balanço sobre os erros e acertos do país na luta contra a epidemia, que, somente em 2013 foi responsável pelo óbito de cerca de 12 mil brasileiros.
Em entrevista concedida por e-mail ao Portal Fiocruz, Nilo Fernandes, pesquisador e Coordenador da Área de Aconselhamento e Educação Comunitária Laboratório de Pesquisa Clínica em DST e AIDS do Instituto Nacional de Infectologia (INI/Fiocruz), falou sobre os desafios e deficiências encontradas nos esforços de prevenção às DSTs/HIV/Aids e sugeriu alternativas para a reversão do quadro.
Portal Fiocruz - Que fatores podem explicar o aumento da incidência do HIV/Aids em populações vulneráveis, como os homens que fazem sexo com homens?
Nilo Fernandes - Entre os 135 países de baixa e média renda, a Unaids estima que 97 (71,8%) dos países têm baixos níveis de prevalência, ou epidemias de HIV/Aids concentradas em populações específicas. Os homens que fazem sexo com homens (HSH) são uma dessas populações que são desproporcionalmente afetadas pelo HIV/Aids. Em 15 países da América Latina os HSH tiveram aumento de 33,3 vezes na probabilidade de estar infectado pelo HIV em relação a homens na idade reprodutiva na população geral. Nestas regiões, incluído aí o Brasil, a prevalência de infecção pelo HIV entre HSH geralmente está acima de 10%, e o coeficiente de prevalência entre os HSH é muito mais elevado se comparado ao da população geral. Nos últimos 20 anos, houve aumento progressivo da categoria de exposição homossexual, principalmente na faixa etária de 15 a 24 anos. A prevalência de infecção em jovens gays também aumentou no período, sendo a chance de um jovem gay estar infectado, 13 vezes maior do que a dos jovens de 18 a 24 anos em geral. O conhecimento da população jovem sobre as formas de infecção pelo HIV, incluindo a importância do uso do preservativo, é alto. Contudo, os jovens em geral, de 15 a 24 anos, são os que mais têm parcerias casuais, sendo observada uma redução do uso regular do preservativo no período 2004-2008: de 63% para 55% com parceiros casuais e de 53% para 43% com qualquer parceiro. Entre os motivos para o aumento da prevalência da infecção entre jovens em geral e gays em especial estão a falta de políticas específicas de prevenção para essa população e pouco acesso dessa população aos serviços de saúde, por se sentirem discriminados. O tipo de exposição sexual ao HIV desta população, através do sexo anal, contribui no aumento da prevalência nessa população, porque o risco de infecção após contato com pessoa soropositiva para o HIV por essa via, sem preservativo, é maior que nas exposições vaginais e orais. Uma relação sexual anal receptiva, sem preservativo, aumenta em 10 vezes o risco de infecção pelo HIV.
Um fator que também contribuiu para esse aumento da prevalência é a divulgação pela mídia de certo otimismo em relação à Aids. Houve a difusão de que o tratamento para Aids era eficaz, gratuito e fácil e que as pessoas não morriam mais de Aids. Além disso, o fato de a população dessa faixa etária não ter vivido os momentos difíceis dos anos de 1980 - de perda de amigos, parentes e ídolos famosos - também contribuiu nessa concepção otimista da doença. Esse cenário se, por um lado, ajudou as pessoas diagnosticadas com HIV a viverem com menos temor o tratamento, por outro levou a certa banalização do HIV e consequente afrouxamento das medidas de prevenção. Outro fator que pode estar influenciando é a cultura do viver intensamente e sem restrições das sociedades da pós-modernidade. O preservativo seria um obstáculo a viver intensamente o prazer da sensibilidade total do encontro do corpo com corpo e, deste modo, as pessoas acabam não o utilizando.
Segundo o Boletim Epidemiológico de 2013, o Nordeste apresentou um aumento de 92,7% no número de casos. Na região Norte, esse aumento foi de 62,6%. Paralelamente, o número de casos vem caindo nas regiões Sul e Sudeste. Na sua opinião, por que isso acontece?
NF - Este aumento pode estar acontecendo por vários fatores, como a melhora nas ações de diagnóstico e consequente ampliação da notificação de casos nos municípios destas regiões. Outro fator pode ser o perfil de interiorização da epidemia, atingindo cada vez mais municípios menores e afastados dos grandes centros urbanos. É necessário que sejam feitos estudos para explicar melhor esse cenário.
Quais são os maiores desafios que o Brasil precisa enfrentar no campo da prevenção?
NF - Vivemos um momento muito positivo no campo da prevenção, com o advento das novas tecnologias que ampliaram as possibilidades de proteção contra o HIV. Hoje as pessoas têm, além do preservativo, o tratamento como forma de prevenção (na sigla em inglês, TasP); a profilaxia pós (PEP) e pré-exposição sexual (PrEP) e a autotestagem domiciliar do HIV. Um estudo comprovou que a TasP oferece uma proteção aos parceiros soronegativos em um relacionamento com parceiros soropositivos de 96%. A PEP, que pode ser utilizada até 72 horas após uma exposição a risco sexual, protege em torno de 98%. A PrEP, que é o uso de um antirretroviral diariamente para a proteção contra o HIV, mostrou uma proteção de até 90%, quando utilizada corretamente. Foi aprovada pelo FDA (Agência de controle de alimentos e medicações dos EUA) e incorporada nas diretrizes da Organização Mundial de Saúde e de alguns países europeus como alternativa de prevenção. Esta estratégia está sendo testada no Brasil. A autotestagem domiciliar, que consiste na utilização de um kit de teste para HIV, feito com fluido oral, pela própria pessoa em local que achar mais conveniente, já é vendida nas farmácias de alguns países e está em teste no Brasil. O grande desafio no campo da prevenção é a incorporação e logística dessas novas tecnologias nos serviços públicos e no treinamento das equipes profissionais para saírem da lógica autoritária/prescritiva do preservativo e entrarem em uma lógica horizontal de gerenciamento de riscos e vulnerabilidades que, respeitando a autonomia, ajude os usuários a encontrarem as estratégias mais adequadas de prevenção para cada momento de suas vidas.
Que estratégias de prevenção seriam mais indicadas para a redução do número de infecções pelo HIV em populações mais vulneráveis?
NF - Em primeiro lugar é importante que os gestores das políticas que envolvem o tratamento e a prevenção ao HIV/Aids desmistifiquem o otimismo em torno da doença. Comecem a divulgar junto à população mais jovem que o HIV/Aids ainda é um grave problema de saúde pública e que todo tratamento de doença crônica envolve um processo difícil, pois são necessários exames e consultas periódicos e a utilização de medicações que às vezes, em algumas pessoas, tem efeitos colaterais desagradáveis. É importante que os jovens saibam que a Aids não é uma doença banal. Muito pelo contrário, é uma doença muito séria e estigmatizante. Infelizmente o portador do HIV/Aids, depois de trinta anos de epidemia, ainda sofre muita discriminação e preconceito na sociedade.
As políticas públicas de prevenção precisam levar em consideração as três dimensões da vulnerabilidade – programática, sociocultural e comportamental – quando traçar as estratégias e ações. O preservativo ainda é a melhor forma de prevenção, mas é importante substituir o modelo meramente prescritivo e autoritário das ações que envolvem preservativo por uma lógica de gerenciamento de riscos personalizada, que respeite a autonomia de cada usuário. É preciso que as novas tecnologias como, por exemplo, o tratamento como forma de prevenção, a profilaxia pós e pré-exposição sexual e a autotestagem domiciliar do HIV sejam incorporadas ao leque de possibilidades de prevenção. As populações mais vulneráveis precisam ter estratégias de prevenção mais adequadas aos seus contextos, histórias de vida e práticas sexuais.
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