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Destinos do SUS mobiliza debate


18/09/2013

Por Daniela Lessa

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A pergunta “Para onde vai o SUS?” motivou o debate entre a pesquisadora da UFRJ Ligia Bahia e o sanitarista Gilson Carvalho, durante as comemorações dos 59 anos da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz), em agosto. Na análise sobre o possível destino do Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro, os debatedores criticaram o o distanciamento entre os rumos do sistema na atualidade em relação à proposta discutida na histórica 8ª Conferência Nacional de Saúde, em 1986.

Ambos especialistas acreditam que a cultura neoliberal dominante na sociedade alcançou o SUS e, devido a isso, as políticas de saúde praticadas orientam o sistema em direção contrária à da universalidade. Para eles a tendência que se observa é de que haja uma parte privada, garantida pelos seguros de saúde para os que puderem pagar e uma parte gratuita destinada apenas os que não conseguem contratar tais seguros

Ligia Bahia afirma: “Há uma política de privatização em curso”. Ela critica a existência de práticas próprias de uma tendência privatista ocorrendo em paralelo àquelas de atendimento mais universal e considera esse duplo foco prejudicial para o desenvolvimento do SUS universal, integral edemocrático, como foi definido na Constituição de 1988.

Na sua visão, o principal problema é que a ascensão da chamada nova classe média veio acompanhada da argumentação equivocada de que essas pessoas não precisam mais dos SUS uma vez que podem contratar os planos de saúde particulares. Com isso, explica, promoveu-se a valorização do sistema que classifica como filantropo-lucrativo representado por alguns hospitais de alto nível e, por outro lado, o incentivo a políticas assistencialistas, que mitigam problemas imediatos, mas não promovem mudanças estruturais na saúde pública. No âmbito dessa visão política dominante, o destino do SUS é ser um sistema pobre para os muito pobres.

A pesquisadora também denuncia relações inadequadas decorrentes desse sistema híbrido público e privado, que facilita o clientelismo e o uso político-eleitoral dos serviços de saúde que deveriam ser integrais e para todos. “Tem vereador dono do Samu e de centros de assistência social”, lembra.

Segundo ela, o único alento dos anos recentes advém das manifestações que ganharam as ruas do país, recolocando a pauta do sistema de saúde como um direito do cidadão e um dever do estado no ideário popular. “O SUS está esvaziado em termos práticos e em termos simbólicos, mas agora podemos dizer que há um antes e um depois das manifestações. E é preciso que os profissionais da área se apropriem desse espaço para rediscutir o SUS que queremos”.

Atento ao foco na prática dos municípios, Gilson Carvalho argumenta que o ponto de chegada do projeto do SUS estabelecido há 25 anos depende de como enfrentaremos os desafios impostos pela atualidade. Ele concorda com Ligia de que o movimento dos dias de hoje nos leva a um sistema semelhante ao dos Estados Unidos, destinado a atender os muito pobres e os vulneráveis e a deixar os demais à mercê da própria capacidade financeira e de contratos com sistemas de seguro de saúde privados.

Para o sanitarista, uma das questões fundamentais a se atacar visando minorar a problemática do nível municipal do Sistema Único de Saúde de forma efetiva é o destino do financiamento. “Hoje, os municípios são reféns das marcas de governo”, reclama e explica: “quando o dinheiro vem carimbado, destinado a fortalecer uma marca de governo, ele não cumpre a função de atender às demandas reais do município”.

Ainda no âmbito municipal, ele critica a formação médica, voltada para o mercado. “Hoje não há médicos para o Programa de Saúde na Família porque os municípios não conseguem oferecer a remuneração que os médicos têm expectativa de ganhar na iniciativa privada”, argumenta. Carvalho sugere um modelo de remuneração baseada na combinação de remuneração fixa com adicionais de qualidade e produtividade.

Observando o SUS desde um prisma mais amplo, ele define os grandes desafios do sistema segundo os seguintes paradoxos: discurso social, mas prática neoliberal; defesa da saúde, mas com negligências; bases no estado de direito, mas decisões por meio de portarias; marcas e legado do SUS em oposição a marcas e legados dos governos; necessidade de financiamento e saída de recursos federais do SUS; defesa do que é público, mas com subsídio aos planos de saúde privados; distribuição desigual das responsabilidades do SUS de forma que o que é percebido como bom é do Ministério da Saúde e o ruim é dos estados e municípios; distanciamento da academia; judicialização do sistema de saúde.

"Há uma política de privatização em curso" - Lígia Bahia, pesquisadora da UFRJ. "Os municípios são reféns das marcas de governo" - Gilson Carvalho, sanitarista.

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