Fiocruz, Fundhacre e Mérieux assinam protocolo de cooperação

Quase 50 anos atrás, Alain Mérieux, hoje presidente da Fundação Mérieux, veio à Fiocruz com a missão de combater a epidemia de meningite que assolava o Brasil. Seu retorno ao campus Manguinhos (RJ), nesta segunda-feira (9/10), para a assinatura de um protocolo de cooperação entre as duas instituições e a Fundação Hospital Estadual do Acre (Fundhacre) foi carregada de lembranças, mas também de perspectivas de futuras ações, num momento em que o mundo enfrenta uma outra pandemia e novos desafios na saúde.

“É emocionante estar de volta à Fiocruz. Tenho lembranças muito fortes daqui”, disse Alain Mérieux (foto: Peter Ilicciev)

Em 1974, seu pai, Charles Mérieux, então presidente da fundação, havia assinado um contrato com o governo brasileiro para a produção da vacina meningocócica A e C. O acordo incluía não só o fornecimento de vacinas para imunizar a população de 106 milhões de brasileiros na época, mas também a montagem de uma fábrica para a produção no Brasil e o treinamento de funcionários. A fábrica, no Pavilhão Rockefeller, do campus de Manguinhos, seria depois incorporada ao Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos/Fiocruz), criado em 1976, mesmo ano da assinatura do acordo de transferência tecnológica para a fabricação do imunizante. E a vacinação em massa contra a meningite seria um dos primeiros desafios do Programa Nacional de Imunizações (PNI). 

“A cooperação com a Fundação Mérieux é muito importante para nós. A fabricação da vacina de meningite está ligada ao começo de uma revolução industrial na Fiocruz, disse o presidente Mario Moreira. “Naquele momento, a Fiocruz passou a investir mais na industrialização, tornando-se um dos maiores fabricantes de vacina do país. O novo acordo é importante, e a presença do Acre é fundamental”, acrescentou.

O documento tripartite assinado estabelece um protocolo de cooperação na área de pesquisa, treinamento e capacitação dos profissionais do SUS, além de reforçar o diagnóstico e a vigilância epidemiológica e molecular de doenças infecciosas no Laboratório Rodolphe Mérieux-Centro de Infectologia Charles Mérieux, pertencente à Fundhacre (conhecido pela sigla LRM-CICM-Fundhacre). A partir desse documento, será possível formar acordos específicos e planos de trabalho.

“É emocionante estar de volta à Fiocruz. Tenho lembranças muito fortes daqui”, disse Alain Mérieux. “E estou feliz em assinar este acordo hoje com Fundhacre, Fiocruz e Mérieux para esse laboratório para que caminhemos juntos. É muito importante manter a colaboração em ciência”, acrescentou o presidente da Fundação Mérieux, que tem como objetivo fortalecer capacidades locais para reduzir o impacto de doenças infecciosas em populações vulneráveis.

O documento tripartite assinado estabelece um protocolo de cooperação na área de pesquisa, treinamento e capacitação dos profissionais do SUS (foto: Peter Ilicciev)    

Entre outras funções, caberá à Fiocruz a liderança das atividades científicas e integrar o laboratório às redes de vigilância epidemiológica da Fundação, além de disponibilizar serviços de apoio diagnóstico, realizar o sequenciamento genético das amostras e formar cursos de capacitação. A Fundhacre, entre outras ações, vai oferecer as instalações para pesquisadores e alunos da Fiocruz e membros da Rede Gabriel – uma rede de laboratórios criada pela Fundação Mérieux em 2008 com o objetivo de estruturar a colaboração internacional na área da pesquisa de doenças infecciosas. Já a Mérieux vai propor programas de pesquisas, estudos e projetos; integrar o laboratório à Rede Gabriel; e apoiar programas de cooperação em pesquisa e formação aplicados a doenças infecciosas. Além disso, será formado um comitê responsável com representantes das três instituições para coordenar a elaboração de programas e projetos.

O presidente da Fundhacre, João Paulo Silva e Silva, destacou a importância da iniciativa no extremo Norte do Brasil, num estado de um milhão de habitantes entre florestas, seringais, com áreas mais remotas e afastado do centro do país. “Selar essa relação institucional traz um ganho imensurável para a região. Estamos de braços abertos para construir novas relações”, disse Silva na reunião no Castelo Mourisco, que contou com representantes das três fundações, como a vice-presidente de Pesquisa e Coleções Biológicas, Maria de Lourdes Oliveira, e Wilson Savino, assessor da Presidência para a Cooperação com Instituições Francesas, e integrantes da Fiocruz Rondônia, além de convidados.

De volta à década de 1970 

Para Alain Mérieux, a vinda à Fiocruz foi uma viagem no tempo. “A colaboração no combate à epidemia de meningite no Brasil para mim é inesquecível. Lembro que tivemos uma visita em agosto de 1974 do ministro da Saúde, em Lyon, nos pedindo para produzir rapidamente milhões de doses da vacina contra meningite A e C para cobrir toda a população brasileira, que na época era de 106 milhões de pessoas. E fizemos. Construímos rapidamente um laboratório. E trabalhamos noite e dia”, contou. “E fiquei orgulhoso de voltar aqui em 4 de agosto de 2005, quando Akira Homma inaugurou um laboratório em Bio-Manguinhos com o nome do meu pai. Então, este lugar e único para mim”.

Em Bio-Manguinhos/Fiocruz, Alain Mérieux visitou o Complexo Tecnológico de Vacinas (CTV), viu o Fermentador Bola construído em 1975 especialmente para ser instalado na Usina Piloto da Fiocruz, doado por seu pai, além de tirar foto na frente do Centro de Produção de Antígenos Bacterianos Charles Mérieux (CPAB).

No Castelo, Alain Mérieux assinou ainda a formalização da doação do filme Fondation Marcel Mérieux: Brésil (1974-75), produzido pela fundação francesa para registrar a campanha de vacinação contra a meningite em São Paulo e no Rio de Janeiro. O filme já se encontrava com a Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz) desde 2005, por ocasião da inauguração do CPAB, mas faltava a assinatura da doação. 

Mérieux assistiu à exibição do curta de nove minutos na Residência Oficial, ao lado de Mario Moreira. Embora o filme fosse originalmente colorido, sua restauração somente foi possível em preto e branco. Suas primeiras cenas mostram a meningite na África. As imagens mostram um Brasil que vivia um verão alegre de praia e carnaval num momento de explosão da epidemia, inicialmente escondida pelo governo militar. O documentário exibe as longas filas para vacinação, com crianças em uniformes escolares, adultos e idosos, e informa que cerca de 500 mil pessoas eram imunizadas por dia, chegando a dez milhões em cinco dias de abril de 1975, no início do PNI. “Agora, com a autorização, poderemos divulgar o filme”, explicou Diego Vaz Bevilaqua, vice-diretor de Patrimônio Cultural e Divisão Científica da COC.

Apesar das lembranças e referências ao passado, Alain Mérieux destacou os novos desafios em entrevista à AFN. “Nós aprendemos todos os dias. Aprendemos com a meningite, aprendemos com ebola, com a Covid-19. Destaco primeiro a importância do diagnóstico. Segundo, a importância da vacina. Há a nova tecnologia do mRNA. E que temos que trabalhar todos juntos porque é uma luta permanente. O mundo está mudando. A demografia está aumentando. As trocas entre humanos e animais cresceram. É um mundo muito complexo. Infelizmente, vírus e bactérias ficam muito à vontade [neste cenário] e crescem, e mudam. Hoje, no Sul da França, há o mosquito Tigre, que transmite chicungunya, a dengue. Vivemos num só mundo que enfrenta as mudanças climáticas”.