26/08/2021
Fonte: Fiocruz Minas
Neste 26 de agosto, o Instituto René Rachou (IRR), ou Fiocruz Minas, completa 66 anos de existência. Desde a sua criação, a unidade passou por diversas modificações administrativas, teve o nome alterado quatro vezes, sobreviveu a mudanças no regime de governo do país e ajudou no enfrentamento de muitas epidemias. Ainda agora, diante da pandemia de Covid-19, contribui com dezenas de estudos voltados para o combate à doença. Olhar para a trajetória da Fiocruz Minas permite perceber que, a despeito das transformações ocorridas, há algo que foi permanente na sua história: sua vocação para a pesquisa e para o ensino, a serviço das necessidades da população.
O atual IRR foi idealizado, no início da década de 1950, para ser uma unidade de pesquisas voltadas para as parasitoses, os famigerados vermes, que desde a instalação da barragem da Pampulha, em 1938, geravam problemas de saúde para a capital mineira, sendo a esquistossomose um dos principais. O médico mineiro Amílcar Martins, um dos primeiros a publicar estudos sobre essa situação, foi quem propôs a criação da unidade em Belo Horizonte e pleiteou, junto à prefeitura, a doação de um terreno para a sua construção. Entretanto, em 1955, quando o prédio ficou pronto, dois anos após o início das obras, negociações com o Ministério definiram que a edificação passaria a abrigar o Instituto de Malariologia, que funcionava em condições precárias no Rio de Janeiro, com a direção do pesquisador René Guimarães Rachou. Transferiram-se, então, o diretor e mais 35 pessoas que atuavam em estudos sobre malária e, assim, o prédio recém-construído virou a sede do Instituto de Malariologia.
Mas a situação mudaria já no ano seguinte, em 1956, com a criação do Departamento Nacional de Endemias Rurais (DNERu). A entidade compunha-se de vários órgãos, dentre eles o Instituto Nacional de Endemias Rurais (INERu), chefiado por Amílcar Martins. Ao INERu ficaram subordinadas unidades de pesquisa situadas em Recife, Salvador, Rio de Janeiro e ainda o Instituto de Malariologia, que, a partir de então, passou a ser chamado de Centro de Pesquisas de Belo Horizonte. Permaneceu com essa denominação até 1966, quando, em homenagem ao seu primeiro diretor, falecido três anos antes, recebeu o nome de Centro de Pesquisas René Rachou e, em 2016, virou Instituto René Rachou.
“O IRR que conhecemos hoje é resultado de diferentes eventos históricos, várias iniciativas e decisões governamentais, bem como de uma série de movimentações da própria comunidade científica. São histórias de diferentes órgãos e instituições que se entrelaçam e acabam dando origem ao que viria a ser o Instituto. Essa origem multifacetada foi positiva porque resultou de laços com diferentes instâncias, laços com pesquisadores de diferentes lugares do país, levando a unidade a ser um polo de disseminação de pesquisa e de cientistas. O IRR revela, então, um esforço que não é de uma pessoa só, mas um esforço coletivo, muito vantajoso”, avalia a historiadora Natascha Ostos, que integra o Projeto Memória: trajetória histórica e científica do Instituto René Rachou (IRR\Fiocruz Minas), coordenado pela direção da unidade.
A partir da integração ao INERu, em 1956, o então Centro de Pesquisas de Belo Horizonte pôde ampliar sua área de atuação, passando a se dedicar não somente à malária, mas também a outros agravos que afligiam a população do estado de Minas Gerais. Juscelino Kubitschek, presidente da República naquela época, havia chegado ao poder com a promessa de fazer o país crescer 50 anos em 5. Os problemas sanitários se tornavam um entrave para o desenvolvimento econômico do país e, por isso, o combate às endemias foi encarado como prioridade.
“JK privilegiou o combate às endemias rurais, com o objetivo de tornar a população fisicamente saudável para trabalhar. Havia o órgão central -o DNERu- para estabelecer as prioridades, mas com capilarização das ações, por meio dos centros de pesquisa que atuavam de acordo com a realidade sanitária e social de cada região. Em Minas Gerais, esquistossomose e doença de Chagas eram doenças que acometiam bastante a população e, por isso, o Centro de Pesquisas, desde o começo, desenvolve linhas de pesquisa bastante fortes em relação a esses agravos. Os estudos e experimentos realizados davam suporte ao enfrentamento dessas doenças”, explica a historiadora.
Fiocruz- Em 1970, 15 anos após o início de suas atividades, o Centro de Pesquisas René Rachou teria um dos mais importantes marcos institucionais de sua história: a integração à Fundação Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz), recém-criada por meio de um decreto. A nova Fundação passava a abranger o Instituto Oswaldo Cruz, a Escola Nacional de Saúde Pública, o Instituto de Produção de Medicamentos, o Instituto Fernandes Figueira, o Instituto Evandro Chagas, o Instituto de Leprologia e o Instituto Nacional de Endemias Rurais, da qual o Centro de Pesquisas René Rachou fazia parte. Internamente, a proposta de incorporação da unidade à Fiocruz foi bastante discutida e cogitou-se a possibilidade de vinculação à Superintendência de Campanhas de Saúde Pública (SUCAM), que tinha mais recursos financeiros e mobilidade nacional. Mas a maior parte dos pesquisadores entendeu que pertencer à estrutura da Fundação daria mais autonomia às pesquisas científicas.
“A SUCAM priorizava ações voltadas para a solução de problemas mais imediatos. Então, a incorporação à Fiocruz conferia maior independência no sentido de permitir a expansão da pesquisa com diferentes focos, ou seja, além da pesquisa aplicada, também a básica. Essa decisão resultou em uma instituição mais diversa do ponto de vista científico”, explica Ostos. “Além disso, as unidades que integravam o INERu já eram voltadas para a pesquisa e isso foi um fator que pesou, pois os objetivos convergiam. Os cientistas desses órgãos já se conheciam, já dialogavam. Assim, não foi um movimento estranho, teve um sentido histórico”, afirma.
Com a mudança de vínculo, passou a fazer parte da estrutura da unidade mineira o Centro de Estudos e Profilaxia da Moléstia de Chagas (CEPMC), que havia sido criado, em 1943, pelo Instituto Oswaldo Cruz (IOC), no município de Bambuí. Visando racionalidade administrativa, o CEPMC transformou-se em um posto avançando do CPqRR. Em 1980, passaria a se chamar Posto Avançado de Pesquisas Emmanuel Dias, em homenagem ao cientista que esteve à frente de suas atividades desde a fundação até 1962, ano de sua morte, quando seu filho João Carlos Pinto Dias assumiu o comando.
De acordo com os registros históricos, nos primeiros anos após a vinculação à Fiocruz, não houve mudanças significativas na atuação do Centro de Pesquisas, que continuou desenvolvendo estudos mais regionalizados e com muitas dificuldades financeiras e falta de profissionais. Eram anos complicados para toda a Fundação, devido ao recrudescimento do regime militar que, em abril de 1970, havia cassado os direitos políticos de dez pesquisadores do IOC, que foram obrigados a deixar a instituição. A situação começaria a melhorar após 1975, com a nomeação do economista Vinícius Fonseca para a Presidência da Fundação. Fonseca promoveu uma série de melhorias, destinando mais verbas para a pesquisa e oferecendo condições de trabalho mais adequadas. Ainda assim, foi um momento difícil, em virtude de um decreto que obrigava a adesão ao regime de CLT, levando ao desligamento de pesquisadores em várias unidades. As mudanças significativas, de fato, viriam a acontecer a partir da década de 1980, com o início do processo de redemocratização do país. É nesse período que vão ter início as reuniões do Conselho Deliberativo da Fiocruz e o as assembleias do Congresso Interno.
“A redemocratização promoveu um redesenho das instituições do estado, incluindo a Fiocruz e, consequentemente, o IRR. Com o fim da ditadura militar, as demandas sociais que não podiam ser reivindicadas foram incorporadas à Constituição de 1988, entre elas a saúde, que passou a ser considerada direito de todos e dever do Estado. A partir dessa época, duas palavras se tornam bem conhecidas: participação e diálogo. Isso se dá tanto externamente como internamente. A Fiocruz cria vários órgãos de decisão coletiva. Então, é uma democratização externa e interna. Já o IRR ganha um olhar renovado, com crescimento da área de humanas. Pode-se dizer que isso se dá em toda a Fundação”, destaca a historiadora.
A segunda metade da década de 1980 também seria marcada no Centro de Pesquisas René Rachou pela melhoria na infraestrutura. Ocorre, nessa época, a duplicação da área física e ainda a modernização dos equipamentos e das linhas de pesquisa dos laboratórios. Ainda nesse período, houve um aumento do número de pesquisas e trabalhos publicados em revistas nacionais e estrangeiras. Na década seguinte, a instituição teria mais avanços, com ampliação das áreas administrativas para apoio aos laboratórios de pesquisa, que já somavam 14.
Ensino– A história do IRR ganharia capítulos importantes a partir dos anos 2000, com a criação dos programas de pós-graduação. O primeiro deles, fundado em 2002, foi o Ciências da Saúde, que, dentro de 15 anos, conquistaria nota 7 da Capes, a máxima. Em 2012, a Saúde Coletiva, uma das áreas de concentração do Ciências da Saúde, deu origem à segunda pós-graduação da unidade. A proposta de criar um programa específico surgiu a partir do aumento da demanda pela formação na área; haja vista que pelo menos metade dos alunos do Saúde Coletiva tem vínculo com alguma instituição que presta serviços para o SUS. E foi também com o objetivo de criar quadros qualificados para atuar no SUS que, mais recentemente, em 2020, foi criado o primeiro curso de pós-graduação lato sensu do IRR, a Especialização em Auditoria de Sistemas de Saúde, voltado para a gestão dos serviços públicos de saúde.
Importante salientar que, embora o primeiro curso de pós-graduação tenha sido implementado em 2002, as atividades de ensino estão presentes na instituição desde os seus primórdios. Entre 1956 e 1958, o então Centro de Pesquisas de Belo Horizonte já ministrava uma série de cursos para médicos e chefes dos serviços sanitários de todo o país, versando sobre doença de Chagas, malária, esquistossomose, entomologia, inseticidas, parasitologia, entre outros temas.
Nas décadas de 1960 e 1970, o CPqRR e a Universidade Federal de Minas Gerais firmaram convênios que permitiam a orientação conjunta de alunos, bem como o uso comum das instalações de ambas as instituições, possibilitando estágios em seus laboratórios e facilitando a elaboração de teses e dissertações. Muitos pesquisadores da unidade eram professores da UFMG e isso viabilizava os acordos. Pode-se dizer, portanto, que o IRR forma mestre e doutores muito antes de ter cursos de pós-graduação. O Instituto de Ciências Biológicas (ICB) e a pós-graduação em Parasitologia, ambos da UFMG, foram criados no contexto dessas parcerias, mostrando a participação do IRR no fortalecimento de algumas áreas da universidade. Já no fim da década de 1990, quando os programas de pós-graduação do país passaram por reformulações que impossibilitaram esse tipo de parceria, os pesquisadores do IRR foram incorporados como professores e orientadores em alguns cursos de mestrado e doutorado da própria Fiocruz, possibilitando dar continuidade ao exercício de sua vocação para o ensino.
Para a historiadora Natascha Ostos, a implementação dos programas de pós-graduação do IRR foi a formalização como política institucional de uma prática histórica. “Para resumir, se hoje a instituição tem esse papel tão constituído na área de ensino, com uma série de outras iniciativas, como, por exemplo, o Provoc [Programa de Iniciação Científica], é graças à atuação histórica desses pesquisadores que, há muito tempo, se dedicam tanto à pesquisa quanto ao ensino e à formação para os quadros da área de saúde”, destaca.
Ao longo desse período, os cursos de pós-graduação da unidade formaram 318 mestres e 220 doutores. Já no lato sensu, em seu primeiro ano, serão 40 formandos qualificados para atuar nos serviços de regulação do SUS até o fim de 2021. Números expressivos também podem ser verificados na produção científica da unidade, que, nos últimos anos, vem publicando em média 250 artigos anualmente. Tais resultados se devem à capacidade de dar respostas e se reinventar sempre que necessário para atender às demandas da sociedade. Há, entre os 25 grupos de pesquisa hoje credenciados, uma diversidade de temas sendo estudados. Além das tradicionais áreas ligadas às ciências naturais, como esquistossomose, doença de Chagas, leishmanioses, arboviroses, ganharam espaço na instituição, nos últimos anos, outras temáticas, como bioinformática, direitos humanos à saúde e ao saneamento, violência contra a mulher e questões de gênero, políticas públicas e proteção social, entre outras. Há, ainda, dezenas de estudos em andamento voltados para a Covid-19.
“Todas essas conquistas são resultado do trabalho de muitas pessoas, incluindo pesquisadores, estudantes, técnicos, além dos profissionais das diferentes áreas administrativas que dão suporte ao trabalho dos cientistas. Toda essa gente junta faz o IRR avançar e cumprir sua missão institucional”, destaca o diretor da unidade, Roberto Sena.
Para saber mais sobre a história da Fiocruz Minas, acesse a página do Projeto Memória: trajetória histórica e científica do Instituto René Rachou (IRR\Fiocruz Minas).
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