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Livro recém-publicado analisa a trajetória da lepra no Brasil

30/04/2013

Fonte: Editora Fiocruz

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Um livro de história que tem como objetivo apresentar a trajetória da lepra no Brasil, abordando a doença não como um acontecimento meramente médico-biológico, mas, sobretudo, como um aspecto da vida política e social. Assim é o livro Lepra, Medicina e Políticas Públicas no Brasil (1894-1934), de Dilma Cabral, mais novo título da Coleção História e Saúde da Editora Fiocruz. O recorte é muito preciso: a autora não estudou a lepra medieval, assentada sobre princípios ético-religiosos e ligada à ideia de pecado e punição; tampouco se debruçou sobre a hanseníase, nome contemporâneo com o qual a lepra foi rebatizada para distinguir-se da outra e livrar-se do seu estigma. A pesquisa de Dilma se concentra no período entre o fim do século 19 e as primeiras décadas do 20, quando houve um crescimento das pesquisas sobre a lepra e a interação entre a conjuntura internacional e a realidade sanitária brasileira produziu uma trajetória singular para a doença no país.

“Foi a partir do estabelecimento da lepra como uma doença que agravava as já precárias condições sanitárias do país, e cuja ameaça transcendia o drama individual dos leprosos, que se constituiu uma agenda de pesquisa e formularam-se diferentes propostas para seu controle”, diz o livro, fruto da tese de doutorado defendida pela autora na Universidade Federal Fluminense (UFF). De modo mais específico, a história que Dilma conta aos leitores começa com a criação do Laboratório Bacteriológico do Hospital dos Lázaros, no Rio de Janeiro, em 1894, e vai até a extinção da Inspetoria de Profilaxia da Lepra e das Doenças Venéreas, em 1934. A autora busca compreender como, neste período, o meio médico brasileiro interpretava a lepra e como isso se refletia no conjunto de intervenções implantadas para o controle da doença. Ela discute a estruturação do conceito de lepra e a institucionalização do seu combate, mostrando como a doença se relacionava com questões mais amplas da agenda política brasileira, como os debates sobre raça, identidade nacional, progresso e eugenia.

O legado da lepra medieval resistiu até a primeira metade do século 19, quando as pesquisas sobre a doença e o debate sobre sua etiologia começaram a ganhar impulso. A doença, embora nunca tivesse desaparecido, ficara restrita a algumas áreas, mas agora ressurgia com força na Europa e em regiões coloniais, sendo que, no fim daquele século, seria alçada à condição de problema sanitário internacional. E foi justamente nesse contexto que o Mycobacterium leprae foi descoberto pelo bacteriologista norueguês Gerhard Hansen. Apontado como o causador da lepra e o responsável por sua transmissão, o bacilo teve um impacto importante e serviu para reforçar o isolamento compulsório como ideal profilático para o controle da doença.

Contudo, na própria Noruega, berço da descoberta, o modelo de combate seguia outros parâmetros. “A lepra foi tratada num conjunto de medidas que visavam à melhoria das condições de vida do campesinato”, diz a autora. “Na discussão sobre sua etiologia, havia a consciência de que a pobreza e as más condições sanitárias que afetavam a população pobre contribuíam para sua alta incidência”. O mesmo não ocorria, por exemplo, em colônias tropicais como o Havaí, onde o rigoroso isolamento dos leprosos tinha como objetivo proteger a população branca e a mão de obra, e evitar qualquer restrição comercial ou econômica à região.

Segregação

O modelo de segregação estava em pauta desde a I Conferência Internacional sobre Lepra, em Berlim, em 1897. E ele também encontrou eco no Brasil. Aqui, “verificou-se a produção de um discurso que identificava essa enfermidade como um ‘flagelo nacional’, um verdadeiro perigo para a nação”, afirma Dilma. “Esperava-se que o governo assumisse uma estratégia segregacionista e internasse os leprosos em colônias de isolamento”.

A autora divide a trajetória da lepra em três momentos. No primeiro, na década de 1910, a doença ainda não era considerada prioridade no âmbito federal e seu controle ficava a cargo dos estados, com o auxílio da iniciativa privada, notadamente das instituições filantrópicas. Depois, nos anos 1920, a lepra se tornou um problema sanitário nacional sob a responsabilidade do recém-criado Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP), que, para centralizar as ações de combate à doença, estabeleceu a Inspetoria de Profilaxia da Lepra e das Doenças Venéreas, não sem crises e tensões. Alguns apontavam um desvio de função do DNSP, que deveria se concentrar nas endemias rurais. Outros consideravam as ações da inspetoria demasiadamente liberais, embora elas estivessem de acordo com as orientações internacionais.

As ações da inspetoria não se resumiam à segregação dos leprosos em sanatórios. Elas envolviam notificação obrigatória dos casos da doença, exame periódico dos pacientes e, dependendo do caso, isolamento hospitalar ou no próprio domicílio, conforme a avaliação das autoridades sanitárias. “O baixo investimento na segregação dos leprosos em instituições de isolamento seria utilizado por seus opositores como prova irrefutável de sua inoperância”, salienta Dilma. “O esforço em dimensionar a ameaça da lepra acabou por torná-la uma doença considerada distinta das demais endemias brasileiras, reforçando o argumento de que sua profilaxia exigia medidas igualmente singulares”.

Assim, no terceiro momento, que corresponde à década de 1930, foi criado o Ministério da Educação e Saúde Pública e extinta a inspetoria, desarticulando sua política de enfrentamento da lepra. “Esse processo significou o estabelecimento de um novo plano de ação do Executivo Federal contra a lepra, com o reforço do isolamento compulsório e a construção de inúmeros leprosários no país”, explica Dilma, pesquisadora do Arquivo Nacional. “Viria da administração sanitária de São Paulo a inspiração para a formatação desse novo modelo, que se assentava no isolamento compulsório do doente. A partir daí, a segregação dos leprosos foi institucionalizada e se constituiu a base da política federal de combate à doença”.

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