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Laboratório da Fiocruz é referência nacional no atendimento ao paciente de Chagas

Homem, de costas, anda no que parece uma esteira ergométrica, supervisionado por um médico

12/04/2017

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Por: Antonio Fuchs/ Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI)

No Dia Mundial de Combate à Doença de Chagas, celebrado em 14 de abril, o Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz) tem muito a comemorar. O Laboratório de Pesquisa Clínica em Doença de Chagas é referência no atendimento e tratamento de pacientes com esta enfermidade e que, devido ao bom trabalho desenvolvido ao longo de quase três décadas, tiveram suas expectativas de vida aumentadas por conta de toda uma gama de serviços ofertados pelo Instituto, fazendo com que as atividades da equipe do laboratório ganhassem projeção nacional e internacional. O LapClin Chagas vai além da questão assistencial, envolvendo pesquisa, ensino, atendimento e gerando inúmeras parcerias dentro de fora dos muros da Fiocruz.

Chefiado pelo pesquisador Mauro Mediano, o Laboratório de Pesquisa Clínica em Doença de Chagas conta com 2.102 pacientes em seu banco de dados (dados de março 2017), sendo 55% mulheres e 45% homens, e com uma equipe de quase 18 profissionais ao todo, entre infectologistas, cardiologistas, farmacêuticos, enfermeiros, educadores físicos, gastroenterologista, entre outros. Em 2016 foram cerca de 1.100 pacientes acompanhados regularmente, sendo 60% na forma cardíaca, 35% na forma indeterminada e 5% da norma digestiva da doença.

“Na década de 90, nossos pacientes apresentavam uma expectativa de vida de 45 anos e hoje passam dos 60. Essas pessoas estão vivendo mais porque são melhor tratadas. Fazemos diversos exames, explicamos a doença, medicamos, temos o espaço da reabilitação cardíaca para a prática de atividades físicas. São uma série de fatores que contribuíram para esse aumento, o que, para nós, é motivo de muito orgulho”, explicou a cardiologista Andrea Silvestre.

Esse espaço citado por Andrea é o Centro de Reabilitação Cardíaca. “Ele é agregado ao Laboratório de Chagas e o forte do nosso atendimento. Temos cerca de 18 pacientes visitando o laboratório três vezes na semana, de segunda a sexta, e grande parte deles está conosco há muitos anos. Estamos sempre sensibilizando os pacientes para a importância do exercício físico e o quanto isso vai melhorar sua qualidade de vida e aumentar a sobrevida, benefício que não é encontrado na rede privada. Aqui, o índice de abandono do tratamento é bem baixo”, destacou Mauro Mediano.

A importância de um Centro de Reabilitação Cardíaca

Criado em 2013, o Centro de Reabilitação Cardíaca é um projeto inovador no setor público de saúde, atendendo a uma das recomendações das diretrizes de tratamento em cardiologia: a manutenção do paciente com atividade física regular, supervisionada e orientada. O programa, que atende pacientes do INI com insuficiência cardíaca ocasionada por doença de Chagas e síndrome metabólica ou cardiopatia decorrente do tratamento para HIV/Aids, integra avaliação e acompanhamento de uma equipe multidisciplinar na supervisão de exercícios individualizados. Além das atividades físicas, o paciente recebe o apoio de profissionais das áreas de Nutrição, Farmácia e Serviço Social.

Além das consultas e atividades físicas, o centro também tem a responsabilidade de acompanhar o tratamento farmacológico de seus usuários. O paciente tem direito a um período de 3 a 6 meses em treinamento com exercício no espaço. Na admissão, ele passa por uma avaliação detalhada, que inclui avaliação nutricional, exames laboratoriais, ecocardiograma, Holter, eletrocardiograma. Outro foco de atenção do projeto são os pacientes HIV reativos. As novas terapias antirretrovirais aumentam a sobrevida e a possibilidade de complicações não relacionas diretamente ao HIV.

“O Centro só existe como um espaço físico organizado por causa da ideia da reabilitação. O que acontecia? Nós oferecíamos diversos exames, mas estavam pulverizados em vários pontos do INI. Eu fazia ecocardiograma na radiologia, o eletro era realizado em outro lugar. A criação desse espaço físico foi muito importante porque sua ideia se mistura com a identidade do Laboratório de Chagas. Quando surgiu o conceito desse centro de reabilitação, escrevemos um projeto que ganhou financiamento inicialmente da Faperj e, com isso, adquirimos novos equipamentos e nos instalamos na casa onde estamos atualmente. Isso ocorreu em 2012. O que era feito em locais distintos passou a ficar em um só espaço físico, facilitando muito a vida do nosso paciente”, lembrou Andrea.

A história do LapClin Chagas

“O que caracteriza o Laboratório de Chagas, efetivamente, é a estruturação de uma coorte de pacientes que ora chamamos de coorte histórica, quando trabalhamos para fazer estudos retrospectivos, ora usamos o termo de coorte prospectiva, quando fazemos estudos de caráter de acompanhamento longitudinal”, ressaltou o diretor do INI, Alejandro Hasslocher. Especialista no tratamento etiológico da doença de Chagas, Alejandro lembrou que o banco de dados do laboratório começou a ser construído a partir de 1990. Oficialmente, o primeiro paciente de Chagas formalmente do INI é datado de novembro de 1986.

O médico infectologista Alejandro chega ao Hospital Evandro Chagas (HEC) no final de 1987 e começa a trabalhar com a doença a pedido da então diretora Keyla Marzochi, estabelecendo protocolos clínicos e fazendo um trabalho de organização do atendimento. O primeiro passo para a qualificação do laboratório foi a inserção de um cardiologista com expertise em ecocardiografia, no início de 1990, que foi o Dr. Sergio Xavier. “A ecocardiografia era um método que nunca tinha sido usado em doença de Chagas. Todos os parâmetros para classificar, avaliar e discutir diagnósticos da doença eram baseados em eletrocardiograma e raio-x de tórax. A introdução do eco foi a grande transformação nas contribuições que o Laboratório de Chagas começou a dar para a comunidade médica e acadêmica”, destacou Alejandro.

“Essa reestruturação, em 1990, foi importante, porque o atendimento  passou a contar com um infectologista (Alejandro) e o cardiologista (Sérgio). Eles foram os pioneiros na criação do banco de dados que temos hoje. Com isso, o laboratório cresceu, aumentando muito a entrada de pacientes jovens sendo atendidos aqui pela primeira vez por conta da doença”, afirmou Andrea.

Com o processo de consolidação de coorte e a nova abordagem para a doença na área cardiológica, uma série de trabalhos foram iniciados pela equipe e o cardiologista Sergio Xavier começa a mostrar, a partir do uso do ecocardiograma, linhas e curvas de sobrevida e de prognósticos para os pacientes. “O exame de eco passa a ser um divisor de águas no sentido de dar aos pacientes uma qualificação do que iria acontecer com eles e, ao mesmo tempo, de permitir que a gente separasse os doentes potencialmente mais graves dos menos graves e começasse as intervenções”, informou Alejandro.

Com essa coorte, novos exames implementados, banco de dados desenvolvido e o aumento da procura por parte dos pacientes, o laboratório foi se estruturando de forma a ganhar corpo de como é hoje. E os concursos públicos da Fiocruz, especialmente de 2006 para cá, contribuíram ainda mais para incorporar novos pesquisadores e consolidar a equipe atual, ganhando cada vez mais visibilidade nacional e internacional, sendo reconhecimento como um centro de excelência em pesquisa clínica e na atenção aos portadores de doença de Chagas.

O LapClin Chagas conta com diversas linhas de pesquisa: um estudo longitudinal da morbimortalidade cardíaca na fase crônica da doença de Chagas e diversos marcadores prognósticos; testes diagnósticos para o rastreamento de doença de Chagas; efeitos de diferentes formas de tratamento na doença de Chagas; segurança do tratamento etiológico da doença de Chagas; e um estudo clínico-sócio-epidemiológico da fase crônica da doença de Chagas, na qual diversos estudos e trabalhos foram publicados por seus pesquisadores em renomadas publicações científicas nacionais e internacionais.

Hoje, o Laboratório está praticamente em todas as redes sobre Chagas existentes. Tem uma boa relação com o Médico sem Fronteiras, com a iniciativa Medicamentos para Doenças Negligenciadas (DNDi - sigla em inglês de Drugs for Neglected Diseases initiative), com o grupo Nepacha, que é uma rede de atenção a Chagas capitaneada pelos espanhóis e que conta com vários profissionais de países da América Latina. “Nós passamos a ter essa visibilidade e isso é um processo de construção coletiva excepcional que está completando quase 30 anos”, informou Alejandro.

Consenso Brasileiro em doença de Chagas e diretrizes para atendimento no país

Os pesquisadores do INI sempre estiveram presentes na elaboração do Consenso Brasileiro em doença de Chagas, publicado pela primeira vez em 2005 e que teve uma segunda versão revisitada e lançada em 2015. O documento abarca toda a informação da doença de Chagas, desde seu diagnóstico, o controle vetorial, dados epidemiológicos, atendimento do paciente sem ou com cardiopatia, questões do trato da parte digestiva, entre outros pontos. Em sua primeira versão, criou-se toda uma classificação baseada no trabalho desenvolvido pelo Sergio Xavier nas curvas de sobrevida do paciente através do exame de ecocardiograma. Em 2015 foi a vez da cardiologista Andrea Silvestre colaborar na mesma temática, quando o documento foi atualizado.

“O capítulo destinado ao paciente com a cardiopatia foi onde encontramos as maiores divergências entre os especialistas e consenso não saia porque essa parte não fechava de jeito nenhum. Conseguimos criar um texto harmônico, ressaltando os pontos em que não havia consenso, permitindo a publicação de um trabalho que estava parado há dez anos”, ressaltou Andrea. O Consenso foi publicado em inglês também porque existe uma procura muito grande de uma literatura da doença para ser utilizada em outros países. “Muitos especialistas buscam a expertise brasileira de como tratar a doença de Chagas. Nós somos, junto com a Argentina, referência no atendimento para a doença”, lembrou Mauro Mediano.

Paralelo ao Consenso, existem as diretrizes do Ministério da Saúde do que deve ser garantido no acesso aos pacientes com doença de Chagas. O trabalho de elaboração dessas normas vem sendo organizado pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec) e pela Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS/MS), com colaboração do INI nesse processo, através da consultoria de Andrea Silvestre. O Protocolo Clínico e Diretriz Terapêutica (PCDT) de atendimento é o documento que será criado com o objetivo de garantir todo um acesso ao diagnóstico e tratamento dos pacientes em todo o país. Em suma, essas diretrizes vão determinar exatamente o que o SUS tem a ofertar para um paciente com doença de Chagas.

A doença hoje em dia

O Brasil conseguiu mitigar a principal forma de transmissão da doença que é o vetorial clássico – o barbeiro –, além de estabelecer um controle muito mais preciso e eficaz dos bancos de sangue, principalmente por conta do advento do HIV/Aids. Cerca de 70 a 75% dos 300 novos casos que acontecem por ano no país ocorrem principalmente na região Norte, especialmente no Pará, por conta da ingestão oral não só do açaí, mas também de outros alimentos, como carne de caça contaminada.

A Certificação Internacional de Eliminação da Transmissão da Doença de Chagas pelo Triatoma infestans, nosso principal vetor, foi conferida pela Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) ao Brasil em 2006. Entretanto, Andrea Silvestre explica que nunca será possível controlar 100% a transmissão vetorial clássica da doença porque ela está na natureza. “Existem outras dezenas de barbeiros espalhados pelo país que vivem no ambiente silvestre, e se aproximam do peridomicílio (área existente ao redor de uma residência, num raio não superior a cem metros) em busca de alimentos, junto aos animais domésticos ou em galinheiros, em áreas rurais do Nordeste, por exemplo. Então, ainda vamos ter casos novos esporádicos vindos por essa transmissão vetorial clássica. Mas isso reduziu muito. Estima-se que haja de dois a três milhões de indivíduos no país com a doença, muitos deles sem nem saber que estão contaminados”, concluiu a pesquisadora.

Dados da OMS (2009) informam que existem de 8 a 15 milhões de infectados na América Latina e 30 milhões de pessoas em situação de risco para a doença. Por ano, 40 mil novos casos são registrados, sendo 30% com cardiopatia chagásica crônica.

Dia de Chagas

O dia 14 de abril foi escolhido como o Dia Mundial de Combate à Doença de Chagas pela Federação Internacional de Pessoas Afetadas pela Doença de Chagas (Findechagas), justamente porque foi quando o pesquisador brasileiro Carlos Chagas comunicou sua descoberta à comunidade científica há 108 anos.

A detecção da doença foi levada ao conhecimento da comunidade científica através de uma nota prévia escrita por Chagas em 14 de abril de 1909 e publicada na Revista Brasil-Médico em 22 de abril. No mesmo dia, Oswaldo Cruz anunciou formalmente, na Academia Nacional de Medicina, a descoberta da doença.

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