02/02/2015
Por Graça Portela/Icict
O que pode parecer uma simples brincadeira de criança ou ser visto como um passatempo de algum nerd, cada vez mais se transforma em uma ferramenta que permite influir no aprendizado e no cuidado da saúde por crianças e adolescentes: os jogos virtuais.
O pesquisador do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz), Marcelo de Vasconcellos, coordena o projeto Jogo digital para comunicação em saúde. A primeira experiência foi a construção de um jogo que aborda a vida de pessoas que convivem com a HIV/Aids. Voltado para jovens, o game explora o modo como os diversos personagens lidam com a realidade da doença.
Na entrevista abaixo, Marcelo explica o uso dos jogos digitais na saúde, fala sobre as possibilidades para explorar a ferramenta e o que está sendo desenvolvido no Instituto.
Por que misturar jogo digital e saúde? Que resultados esta parceria apresenta?
De certa forma, jogo digital e saúde sempre estiveram misturados. Desde os primeiros jogos digitais havia as “vidas” do personagem, que depois se tornaram "barras de vida", retângulos coloridos que iam esvaziando à medida que o personagem era atingido por oponentes no jogo. Assim, podemos dizer que o cuidado com a própria saúde é um elemento básico da maioria dos jogos digitais. Com a sua popularização na sociedade começou a haver mais e mais interesse em utilizá-los para fins educativos — os chamados serious games — e entre estes, a Saúde é um dos campos mais relevantes.
Recentemente você participou do programa Unidiversidade, do Canal Saúde, que abordou o tema "Brincadeiras de crianças", falando sobre a questão dos jogos digitais. Uma das suas frases foi que os "jogos digitais são uma mídia maleável". Você poderia falar um pouco a respeito, incluindo o brincar e a saúde?
O brincar é uma função natural do ser humano e também de muitos animais. Também não se limita às crianças, mas todos brincam de uma forma de outra. Além das funções de relaxamento e sociabilidade, é um poderoso meio de aprendizado. Na brincadeira lidamos com muitas situações semelhantes às da vida real, mas em um ambiente seguro onde podemos explorar alternativas de ação sem riscos reais. Os jogos digitais nada mais são que uma brincadeira estruturada por regras objetivas. Eles são maleáveis pois permitem integrar diversas mídias, como texto, imagens, vídeo, respondendo às ações do jogador. Assumem assim de forma ainda mais marcante a característica de simulação do real, permitindo uma abordagem de tentativa e erro onde é possível testar exaustivamente soluções para os desafios do jogo. Esta forma de aprendizado tende a ser mais gratificante e envolvente para o usuário e torna os jogos digitais excelentes para tratar das complexas questões do campo da Saúde.
Muitos estranham ou se mostram céticos com o fato de se falar em jogos digitais para a área de saúde e não conseguem visualizar bem como de fato eles podem ser utilizados. Em sua tese de doutorado, você aborda o potencial dos Massively Multiplayer On-line Roleplaying Games (MMORPGs) como uma estratégia de Comunicação e Saúde. Você poderia falar um pouco de como isto ocorreria?
Em relação à saúde, os jogos digitais têm sido prioritariamente utilizados para transmitir conteúdo audiovisual que fica mais atraente no jogo em função das suas características interativas. Entretanto, em minha tese abordei um aspecto menos explorado, que é o uso de jogos online como espaços de participação social em favor da saúde. Nestes jogos, que congregam milhares de jogadores e formam imensas comunidades em mundos fantasiosos, jogadores podem ser encontrar, trocar ideias e definir planos para cooperação na resolução de diversos problemas. Existem até jogos onde jogadores podem eleger seus representantes para diálogo contínuo com os criadores do jogo. Embora isso não tenha sido ainda aplicado na saúde, é possível imaginarmos jogos onde os jogadores se encontrem virtualmente e formem equipes para investigar epidemias, promover campanhas de saúde online e até planejar e testar políticas de saúde para o mundo virtual.
Você é o coordenador do projeto Jogo digital para comunicação em saúde. Como nasceu o projeto?
O projeto foi uma primeira aproximação ao uso de jogos digitais para Comunicação e Saúde. Partimos de uma pesquisa realizada no Icict que mostrava o descompasso entre os materiais oficiais de comunicação em saúde tratando da Aids e os jovens e adolescentes, que seriam alvo deste material. A pesquisa apontava a necessidade de se contextualizar o conteúdo de saúde para a realidade cotidiana do jovem, fugindo do formato clínico, tão comum nestes materiais. Com isto em mente, imaginamos um jogo formado pelas histórias de vida de pessoas tocadas pela Aids, explorando como os diversos personagens lidavam com a realidade da doença, colocando-a em um contexto mais humano. O projeto só foi possível com o apoio do Programa de Indução à Pesquisa & Desenvolvimento Tecnológico do Icict – PIPDT 2011-2013, cujos recursos foram vitais para trazer conhecimentos que ainda não construímos aqui, como modelagem 3D, animação e o próprio desenvolvimento do código do jogo.
Há algum produto já pronto do projeto? Ele já está sendo testado?
O projeto produziu um protótipo com o cenário principal do jogo, uma praça típica da Zona Norte do Rio de Janeiro, e alguns personagens. Entretanto, jogos digitais tridimensionais como este demandam muito tempo e recursos para sua finalização, e embora o protótipo seja funcional, ainda há muito trabalho a se fazer. Nosso próximo passo é buscar investimentos para dar continuidade ao projeto.
Há outros projetos em andamento em 2015?
Nosso plano para este ano é produzir pelo menos dois jogos HTML5, bidimensionais. É um formato mais simples, o que agiliza a produção e permite sua execução em um navegador comum como o Google Chrome ou o Internet Explorer. Isso permite a distribuição do jogo em um site regular, como por exemplo, o site institucional do Icict. Também permite testarmos ideias diferentes em um ciclo mais rápido de produção. Mas é importante frisar que nosso esforço é combinar desenvolvimento técnico e pesquisa. Por exemplo, na minha tese construí um modelo de análise de jogos digitais que leva em conta seus aspectos comunicacionais e sociais e nosso foco agora é aplicar este modelo para orientar o desenvolvimento de jogos digitais voltados para a Comunicação e Saúde. Além disso, criamos um grupo de estudo sobre jogos que se reúne quinzenalmente no Icict, temos participado de diversos congressos de Game Studies no Brasil e no exterior e, recentemente, obtivemos a certificação do grupo de pesquisa Jogos e Saúde, devidamente registrado no CNPq e contando com pesquisadores de diversas instituições. A presença dos jogos digitais em nossa sociedade é intensa e isso só tende a aumentar, o que torna relevante investigar esta mídia. Nosso objetivo é tornar o Icict e a Fiocruz uma referência na pesquisa e desenvolvimento de jogos para a saúde no Brasil, assim como no seu emprego em favor da saúde da população.