12/01/2018
Pamela Lang (Agência Fiocruz de Notícias)
A estratégia anunciada pelo Ministério da Saúde (MS), na última terça-feira (8/1), de fracionar a vacina de febre amarela para três estados brasileiros teve como base um estudo da Fiocruz, realizado pelo seu Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos/Fiocruz), que comprova que a dose reduzida da vacina gera uma proteção equivalente à da dose padrão por oito anos.
A pesquisa com doses fracionadas da vacina de febre amarela teve início em 2009, com a aplicação de diferentes dosagens em 900 voluntários de um estudo clínico (foto: Bio-Manguinhos/Fiocruz)
Durante o anúncio do ministro da Saúde, Ricardo Barros, a presidente da Fundação, Nísia Trindade Lima, reforçou a importância estratégica da Fundação nas áreas de produção, pesquisa e vigilância. “A Fiocruz tem o papel não apenas de produzir as vacinas de febre amarela, mas também de produzir o conhecimento científico necessário para tomadas de decisão e atuar em estratégias de vigilância, que são fundamentais para o debate de novos estudos”, explicou.
A pesquisa com doses fracionadas da vacina de febre amarela teve início em 2009, com a aplicação de diferentes dosagens em 900 voluntários de um estudo clínico. A iniciativa teve financiamento da organização britânica Wellcome Trust e apoio da Organização Mundial de Saúde (OMS).
Em 2017, os mesmos voluntários foram chamados para participar de uma segunda etapa da pesquisa que avaliou a soropositividade, ou seja, a imunidade que eles ainda tinham após o período de oito anos. Da amostra inicial, foram analisados dados de 319 participantes.
Os resultados apontaram que mesmo com a aplicação da dose reduzida em 1/5 da dose padrão, a vacina de febre amarela de Bio-Manguinhos/Fiocruz ainda sustentava a proteção similar à inicial. A dose reduzida em 1/5 não é, portanto, mais fraca que a dose padrão. Isso acontece porque, apesar de reduzida, a dose ainda induz o organismo a produzir anticorpos em níveis necessários à proteção contra a doença.
“Verificamos que a potência da vacina excede o mínimo suficiente para induzir a produção de anticorpos no organismo necessários à imunização. Com uma potência mais baixa, como uma redução em 1/5, por exemplo, conseguimos obter o mesmo efeito”, explica um dos autores do estudo e pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz), Luíz Antônio Camacho.
Outro ponto importante para entender a segurança do uso da dose fracionada está relacionado à concentração viral da dose padrão. A OMS exige uma concentração mínima de 1 mil UI (unidades internacionais) para que a vacina seja considerada eficaz. A vacina padrão de Bio-Manguinhos tem uma concentração de cerca de 27 mil UI. Ou seja, quando se fala em reduzir a potência da vacina em 1/5, trata-se de uma dose com concentração viral ainda cinco vezes maior do que a mínima exigida pela OMS.
“O produtor precisa fazer uma vacina com concentração maior do que a exigida pela OMS, porque distribuímos essa vacina a lugares distantes, em que, muitas vezes, ela vai ser transportada em condições adversas, quando, por exemplo, ela tem que ser transportada de barco para o interior da Amazônia. Temos que garantir que, mesmo com algum nível de perda, ela chegará ao final de sua validade, de três anos, com uma concentração viral acima da exigida para imunização. O lote a ser fracionado é recente e será distribuído em centros urbanos. Há dados mostrando que a vacina tem boa estabilidade quando estocada, transportada e conservada nas condições adequadas da maioria das unidades de saúde. Nosso estudo ainda prevê uma margem maior. Verificamos que fracionando a dose em até 1/9, as pessoas ainda estão imunizadas após oito anos. Ou seja, quando tenho 1/5 da dose, estamos bem acima do nível necessário para uma imunização segura, segundo os parâmetros da OMS”, explica Camacho.
A primeira etapa desse estudo, em 2009, já foi capaz de dar suporte à estratégia de uso de doses fracionadas, adotada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), para o controle da epidemia na República Democrática do Congo. Na época, as vacinas utilizadas para esse fracionamento também foram produzidas pela Fiocruz. Apesar de haver quatro laboratórios no mundo certificados para a produção de vacinas de febre amarela, vale destacar que a OMS autorizou o fracionamento apenas de vacinas fabricadas e distribuídas por Bio-Manguinhos/Fiocruz, o maior fornecedor do mundo.
Segundo a presidente da Fiocruz, os estudos não param. “O que demonstramos até agora é que nesse período de tempo é absolutamente seguro fracionar a dose da vacina. Quando se fala em oito anos, não quer dizer que a vacina só dura oito anos. Quer dizer que está comprovado que, após oito anos, esse grupo manteve a soropositividade, ou seja, a proteção contra doença. Mas os estudos seguirão e poderemos continuar avaliando o tempo de duração da imunidade dessas pessoas”, afirma Nísia Trindade Lima.
Vacinação
Gestantes, crianças de nove meses a menores de dois anos e pessoas com condições clínicas especiais não são indicados para receber a dose fracionada, por falta de estudos específicos, e receberão, assim, a dose padrão.
“A dose fracionada é para uso emergencial, quando precisamos vacinar um grande número de pessoas num curto espaço de tempo. A vacina é a mesma que vem sendo usada na rotina e em campanhas de vacinação. Em vez de usar 0,5 ml, usa-se 0,1ml. No futuro, com o estudo de dose resposta em crianças menores de dois anos, se observarmos os mesmos resultados que observamos em adultos, poderemos mudar, junto à Anvisa, a potência da vacina. Mas enquanto não fazemos esse estudo, não podemos alterar a formulação da vacina. E ainda vamos levar alguns anos para mostrar que os resultados são os mesmos para todas as faixas etárias”, explica o assessor científico de Bio-Manguinhos/Fiocruz, Akira Homma.
Em caso de viagens internacionais, o viajante também deve tomar a dose padrão, e apresentar o comprovante de viagem no ato da vacinação.
A vacina, com dose padrão ou fracionada, é contraindicada para pacientes em tratamento de câncer, pessoas com imunossupressão e com reação alérgica grave à proteína do ovo.
A campanha do Ministério da Saúde terá duração de 15 dias e mobilizará a população do Rio de Janeiro, São Paulo e Bahia. Em São Paulo, a vacinação será realizada em 52 municípios. A meta é vacinar 6,3 milhões de pessoas entre 3 e 24 de fevereiro. No Rio de Janeiro, a vacinação será realizada em 15 municípios, com meta de 10 milhões de pessoas vacinadas. Na Bahia, a vacinação será realizada em oito municípios, com meta de 3,3 milhões de imunizados. O período de vacinação dos dois últimos estados é entre 19 de fevereiro a 9 de março.