28/06/2017
Por: Vilma Reis (Abrasco)
Defender as conquistas da Saúde Coletiva é uma das ideias centrais do próximo Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva da Abrasco. “Sabemos de nossa tradição ruim do clientelismo, do patrimonialismo, da concentração de renda, da violência, do machismo, do racismo, dentre outros, mas temos nossa tradição na Constituição de 1988, temos a conquista do Sistema Único de Saúde, nós temos uma tradição a ser defendida, aperfeiçoada e desenvolvida. Esta é a história deste próximo congresso da Abrasco”, disse Gastão Wagner de Sousa Campos, no lançamento do Abrascão que acontecerá no campus da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio de Janeiro, em julho do ano que vem.
Na manhã do dia 20 de junho, em auditório cheio da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz), o presidente da Abrasco pediu mais ativismo e militância de todos aqueles que estarão envolvidos na construção do 12º Abrascão. “Precisaremos de mais tolerância neste congresso, vamos caminhar mais, teremos menos conforto, porém vamos cuidar melhor da qualidade de nossas apresentações, do nosso espaço democrático. Queremos construir um congresso que facilite a participação dos estudantes de graduação e estamos avaliando a possibilidade do valor de inscrição, para este grupo, ser realmente bastante simbólico”, adiantou Gastão. Ele agradeceu a generosidade da presidente da Fiocruz, Nísia Trindade Lima; do Antonio José Leal Costa, diretor do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); do Aluísio Gomes da Silva Júnior, diretor do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal Fluminense (UFF) e da Gulnar Azevedo e Silva, diretora do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), por terem assumido este desafio, acrescentou.
Sobre o orçamento desta 12ª edição, Gastão explicou que o Abrascão de 2018 será feito em grande parte com o valor das inscrições. “Pediremos recursos ao Ministério da Saúde, mesmo sabendo que eles não nos atenderão, mas pediremos mesmo assim. Também entraremos em todos os editais de fomento a congressos para o ano que vem e teremos ainda a parceria com a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) no Brasil, que já designou dois representantes para acompanhar a Abrasco. Ou seja, o Abrascão 2018 será feito em construtivismo puro, mas tem funcionado. Eu saio deste lançamento mais animado e menos angustiado, a angústia que a gente angustia sozinho é uma angústia pura. Mas a angústia que a gente compartilha com os outros vira esperança, já dizia nosso roqueiro maior”, arrematou Gastão.
Gulnar Azevedo e Silva, diretora do Instituto de Medicina Social da Uerj, lembrou a todos o grave momento da educação. “Represento aqui uma Universidade Pública que foi a primeira a receber alunos à noite, que foi a primeira a receber cotistas raciais e sociais, e que resiste apesar de muitos anos de crise, que já vem sofrendo continuadamente. O Governo do Rio de Janeiro está querendo nos mostrar que nós não somos importantes, que a ciência e a tecnologia não são importantes, que a cultura não é importante e nós não vamos aceitar isso. E quanto mais reagimos, mais ataques sofremos: estamos sem o 13º do ano passado, sem os salários de abril e maio, e o governo de Luiz Fernando Pezão mandou depositar na nossa conta, na semana passada, o valor de R$300 para todos nós professores e técnicos administrativos, e isso é muito grave. O Rio de Janeiro está sendo atacado como um todo, e temos que resistir, e fazer este congresso aqui, em um encontro que vai retomar tudo o que é importante e vai gritar que o SUS não pode ser desmantelado e nem atacado, é muito bom. Desde o ano passado a Uerj tem feito um movimento em defesa do SUS, que foi criado a partir de uma conversa do Instituto de Medicina Social com o Hospital Pedro Ernesto que também está perdendo leitos, para ser um movimento de resistência que incluísse toda a sociedade da Universidade. Hoje temos inclusive o apoio da Faculdade de Direito e tantas outras unidades. Tenho orgulho que estar agora neste Congresso-processo, sempre resistindo”, disse Gulnar.
Representando o Instituto de Saúde Coletiva da UFF, o diretor Aluísio Gomes da Silva Júnior, agradeceu o convite e chamou atenção para o fato de estar rodeado de amigos e pessoas importantes em sua vida. “Não só professores, mas também alunos e isso mostra um pouco a continuidade da nossa luta. Todo mundo que faz militância na Saúde Coletiva se multiplica criando algo de felicidade mesmo no meio da crise. Eu confesso que adoro uma crise: acho que crise é o momento que a gente inova, é quando somos desafiados, provocados. É quando fazemos melhor a autocrítica e pode dar outras respostas aos problemas novos e pensar o futuro. Por isso eu recebi com muita alegria o convite da Abrasco em participar da construção deste 12º Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva que acontecerá aqui no Rio e contará com a participação das nossas Universidades e da Fiocruz, pois este trabalho em conjunto não nos deixa esquecer que precisamos uns dos outros e que estamos todos a servir a todos. E é para este desafio que coloco a UFF à disposição, vamos trazer Niterói para o Rio de Janeiro para nos somarmos a este esforço em discutir, debater, criticar de construir algo novo”, disse.
O professor Aluísio pediu ainda a participação do recém-criado Instituto de Saúde Coletiva do Centro de Ciências Biológicas e da Saúde da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), através da professora do Observatório de Políticas e Cuidado em Saúde, Carla Albuquerque, que estava no lançamento. Aluísio reforçou ainda a participação da graduação na participação do congresso. “Mas não só dos estudantes da Saúde Coletiva, falo de todas as graduações na área da saúde pois foi daí deste lugar que saiu a maioria de nós”, concluiu.
Antonio José Leal Costa, diretor do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da UFRJ, destacou a importância da realização do congresso no Rio de Janeiro, considerando as apresentações, debates e discussões enriquecedores para a reflexão sobre a formação e a produção de conhecimento no campo da Saúde Coletiva. “Será um necessário espaço de troca e articulação entre os diferentes níveis de formação em saúde coletiva assim como entre diferentes instituições. Esperamos que esse movimento tenha desdobramentos e contribua para o fortalecimento da saúde coletiva”, pontuou Leal Costa.
Diálogo
O lançamento foi finalizado pela presidente da Fiocruz Nísia Trindade de Lima, que pontuou o significado desta Abrascão como momento de convergência difícil de conseguir. “Precisaremos fazer o diálogo necessário entre os diferentes campos, muitos dos quais nem estão no centro da Saúde Coletiva. Nós temos uma tradição em Saúde Pública, temos conseguido inovações de parceria como por exemplo a medicina tropical com a epidemiologia e penso que este congresso poderia ampliar o diálogo nesta perspectiva, tanto na questão de territórios, quanto na própria comunidade científica e essa convergência precisa acontecer em várias frentes. Todas as ideias aqui colocadas neste lançamento são excelentes e elas serão agora aprofundadas na comissão organizadora local. Tenho certeza que nossas diversas frentes serão mobilizadas, não como uma ágora com todos juntos de mãos dadas como uma família feliz, não será assim, mas acho que estaremos mobilizados em cima de questões muito concretas e partir daí poderemos forjar outros caminhos e legados. Lembro que a agenda da saúde na 8ª Conferência era uma agenda mais ampla, que não se restringia à saúde como setor, e agora deveríamos retomar este pensamento e colocar a Fundação como um espaço aberto aos jovens, alunos, professores, usuários e trabalhadores do SUS, isso é fundamental. Quero compartilhar minha alegria de estarmos juntos e fazermos parte deste congresso-processo. É o momento de termos ousadia de pontuar o nosso projeto e a nossa unidade”, finalizou Nísia.
Nísia Trindade quer a Fiocruz como um espaço aberto aos jovens, alunos, professores, usuários e trabalhadores do SUS (Foto: Peter Iliciev)
A Comissão Organizadora local está sendo formada e será coordenada por Guilherme Franco Netto. Para o pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz e dirigente da Abrasco este congresso acontecerá num momento muito importante do cenário político no Brasil. “O Abrascão 2018 acontecerá no fim de julho, o país já estará em processo de eleições onde as disputas já estarão claramente colocadas, devemos estar cientes que este evento será um palco extraordinário para quase 10 mil pessoas e precisa ter um grande debate político sobre qual o projeto de país que queremos, para além do campo da saúde articulando a questão de saúde e democracia, trazendo até mesmo para o Congresso os candidatos e seus projetos. Este lançamento tem um grande significado para mim: um auditório cheio que mostra a adesão e a densidade do processo de construção e meu intuito como coordenador desta Comissão Organizadora Local é, como fazer um Abrascão diferente? ”, perguntou Netto.
A sugestão de Ary Miranda, membro do GT Saúde e Ambiente da Abrasco, foi retomar a experiência do 2º Simpósio Brasileiro de Saúde e Ambiente de 2013, onde foi chamado um grupo representativo da sociedade civil para a organização do simpósio. “Ou seja, sindicatos, representantes de moradores, de sem teto, sem terra… e incorporamos as opiniões deles na construção da programação científica. Eles tiveram lugar em cada uma das grandes mesas. Acho que a Abrasco poderia avançar nesta perspectiva lembrando até que só conseguimos construir o SUS nos anos 80 com o apoio que foi muito além da saúde coletiva, devemos ampliar mais nosso relacionamento com a sociedade, bem além da saúde coletiva”, frisou Ary.
O recém empossado diretor do Instituto de Comunicação e Informação em Saúde (Icict/Fiocruz) e membro do GT de Comunicação e Saúde da Abrasco, Rodrigo Murtinho lembrou a importância de falar de comunicação no Congresso. “Precisamos refletir a comunicação que realizamos e precisamos questionar acima de tudo nesta conjuntura a comunicação que tem cumprido um papel nos processos políticos e sociais que precisam ser questionados. Este é um momento importante para pensarmos não só em mobilizar a estrutura de comunicação da Fiocruz (que não é pequena, para divulgação e mobilização deste congresso), mas principalmente para pensarmos nesta relação com sociedade e desengavetarmos alguns projetos, como o da Rádio Maria Manguinhos, por exemplo. Talvez seja um momento histórico para retomarmos um projeto como esse e pensarmos outros caminhos”, sugeriu Murtinho.
O presidente da Associação Brasileira de Saúde Mental (Abrasme), representante da Fiocruz na Comissão Organizadora Local e dirigente da Abrasco, professor Paulo Amarante engrossou o coro do chamamento da sociedade para a organização do Congresso através de outras instituições e de maciça participação de estudantes e ativistas. “Acho importante também que a programação cultural aconteça na cidade, podemos procurar cinemas e teatros pra comporem programação cultural complementar, apoiar os recursos locais das comunidades vizinhas para a construção das atividades, feiras, bolsas, shows, alimentação, espaços coletivos para debates, fazer uma ocupação cultural na Tenda da Ciência em Cena (herdada pela Fiocruz da Rio-92), fazer corredores temáticos que organizem os debates, os campos, as rodas de conversa (etnias, gênero, sexualidade, trabalho, comportamento/loucura, trabalho, terra/territórios e cidades etc. Poderíamos pensar ainda em fazer pavilhões com homenagens aos históricos do campo como Sergio Arouca, Victor Valla, David Capistrano, Cecília Donnangelo, Nina Vivina Pereira Nunes, Carlos Gentile e Mello, Luiz Cerqueira, Mário Magalhães, Guilherme Rodriguez dos Santos, Mário Victor Assis Pacheco e outros”, explicou Amarante.
O mais importante evento da Abrasco, pretende reunir professores, pesquisadores, gestores, alunos de graduação e pós-graduação de todas as áreas da Saúde Coletiva, como Epidemiologia, Ciências Sociais e Humanas em Saúde e Política, Planejamento e Gestão em Saúde, além das questões relacionadas à Ciência e Tecnologia em Saúde. A Comissão trabalha agora para colocar o site do Congresso no ar no dia 1º de agosto.
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