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Pesquisador aponta falhas na prevenção aos acidentes de trânsito

Chave de um carro ao lado de um copo de uisque

23/08/2017

Por: Marlúcia Seixas (Fiocruz Amazônia)

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O excesso de velocidade é responsável por uma em cada três mortes por acidentes de trânsito em todo o mundo, aponta relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS), Managing Speed divulgado em maio deste ano. Estes números podem ser maiores se ocorrer a associação entre embriaguez alcoólica e direção veicular. Essa combinação é responsável por 9,4% das mortes e 9,0% das incapacidades de pessoas nas Américas, estima a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), no Relatório de situação regional sobre o álcool e saúde nas Américas, publicado em 2015.

Em ensaio publicado pela revista Saúde e Sociedade, disponível na SciELO, sob o título Apontamentos sobre as modalidades de intervenção social no enfrentamento das lesões e mortes causadas por acidentes de trânsito relacionados ao consumo de bebida alcoólica, o pesquisador Marcilio Medeiros, do Instituto Leônidas & Maria Deane (ILMD/Fiocruz Amazônia) apresenta algumas reflexões sobre as modalidades de intervenção social no enfrentamento às lesões e mortes causadas por acidentes de trânsito relacionados ao consumo de bebida alcoólica.

Álcool e Saúde
O consumo de álcool está associado a diversos problemas de saúde em todo o mundo, sendo o principal fator de risco de morte e incapacidade da população mundial na faixa etária de 15 a 49 anos de idade.
De acordo com informações do pesquisador, no Brasil, a estimativa dessa combinação: velocidade + álcool, varia de acordo com o método e as circunstâncias em que foram coletados os dados. “Por exemplo, em Porto Alegre (RS), foi constatada uma associação de 54,2%. Esse dado foi coletado dos prontuários do Instituto Medicina Legal que aferiu alcoolemia de vítimas fatais de sinistro de trânsito naquela cidade.  Mas há outros que estimam a associação em 22,3%. É o caso da metodologia que coletou dados de 71 serviços de urgência e emergência sentinela das unidades de saúde do Sistema Único de Saúde (SUS) do país, quando o vitimado recebeu os primeiros cuidados e apresentou sinais de embriaguez ou confirmou o consumo de álcool”, explica Marcílio Medeiros.

Segundo Marcílio, a lei transfere a responsabilidade de erradicar os riscos aos sujeitos, mas permite a fabricação de veículos de alta velocidade (Foto: Fiocruz Amazônia)

De quem é a responsabilidade?
Para o pesquisador, ao mesmo tempo em que o Estado adota medidas para reduzir os acidentes de trânsito, permite a fabricação de veículos e motocicletas de alto desempenho, e a propaganda sem restrições de bebida alcoólica. A reflexão identificou que as duas iniciativas (Lei Seca e o Legislação de Trânsito no que tange a obrigatoriedade de uso de equipamento de segurança e de respeitar a velocidade permitida) do Estado na redução das lesões e mortes por acidentes de trânsito envolvendo embriaguez ao volante agem no gerenciamento do risco, transferindo aos sujeitos a responsabilidade de erradicar comportamentos de risco.

Por outro lado, os conteúdos das mensagens publicitárias de bebida alcoólica atuam tanto no processo de tomada de decisão do indivíduo quanto no aumento do consumo geral de álcool. As peças publicitárias enfatizam temas e apelos relacionados ao efeito ansiolítico do produto, como também são associadas a símbolos nacionais, sempre evidenciando características positivas, calcadas em tecnologias discursivas modalizadoras da felicidade.

Situação no Amazonas
No Amazonas ainda não se tem estudos específicos que analisem o nível de alcoolemia dos prontuários de óbito do Instituto Médico Legal (IML). O teste de alcoolemia no IML Manaus somente é realizado por demanda judicial, ou seja, não é de rotina. No entanto, a estimativa de lesões e mortes de trânsito é de 22,3%, de acordo com dados dos serviços sentinela do Programa de Vigilância de Violências e Acidentes do Ministério da Saúde. Portanto, estima-se que velocidade e consumo de álcool podem ser responsáveis por ¼ dos sinistros de trânsito em Manaus.

A partir de dados coletados em outro estudo sob sua coordenação, o pesquisador observa a interiorização do problema. Quando “comparamos os números de mortes por violência de trânsito terrestre nos anos de 1998 e 2009, verificamos que no primeiro ano havia registro de óbitos fatais em 18 dos 62 municípios amazonenses. Em 2009, o número de municípios saltou para 39”.
Legislação

O pesquisador reconhece que de 1980 a 2010 ocorreram mudanças importantes na legislação, que tornaram-na mais rigorosa, o que influenciou na percepção e responsabilidade das pessoas sobre as lesões e mortes de trânsito associadas a embriaguez. “Mas sabemos que outros fatores agem da determinação da violência de trânsito, como por exemplo, a qualidade do transporte coletivo, a infraestrutura das cidades (construção, conservação e sinalização das estradas); o que nos remetem a pensarmos sobre qual cidade queremos para viver, ou seja, o planejamento da mobilidade urbana”.

Dentre essas inconsistências, o pesquisador cita a questão da compreensão do termo ‘acidente de trânsito”, que, pelo seu significado, pode transferir suas causas a ideias de destino, vontade divina ou intencionalidade, possibilitando que seja ponderada a sua relação com a violência.

Uma outra contradição está ligada a aplicação da Lei Seca que possibilitou aos órgãos públicos fiscalizar, multar e prevenir os acidentes de trânsito relacionados ao consumo do álcool, por meio de teste de bafômetro em pontos de checagem de sobriedade (concentração de etanol no sangue de 0,2 g/L) e que reduziu em 17 das 27 capitais brasileiras o número de mortes no segundo semestre de 2008, em comparação com o ano de 2007. Porém, essa redução não foi homogênea entre as unidades da Federação, sendo mais expressiva apenas nas capitais, onde se dispõem com mais frequência do etilômetro.

A outra questão ganha abrangência internacional, e diz respeito à proibição da propaganda de bebida alcoólica e a redução dos danos atribuíveis ao seu consumo.  Nesta luta entram os movimentos sociais que atuam em uma perspectiva de reduzir os efeitos nocivos do álcool em todo o mundo, através da promoção de políticas baseadas nos conhecimentos científicos existentes, independentemente de interesses comerciais.
Para Marcilio Medeiros, “essas novas lutas sociais, em nível mundial, pregam que as estratégias de enfrentamento dos problemas relacionados ao consumo de bebidas alcoólicas devem ser planejadas globalmente, visto que  o marketing das indústrias de bebidas alcoólicas opera de forma globalmente articulada”.

Sobre o pesquisador
Marcílio Medeiros é doutorando em Saúde Pública e Direitos Humanos pela Fundação Oswaldo Cruz e Universidade de Coimbra e coordena o Curso de Especialização em Saúde Ambiental do Instituto Leônidas e Maria Deane, unidade técnica-científica da Fundação Oswaldo Cruz na Amazônia.

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