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Evento virtual debate vivências e lutas das mulheres no contexto da pandemia


12/03/2021

Ascom/Cogepe

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Na manhã do dia 8 de março (segunda-feira), a Cogepe transmitiu pelo seu canal no YouTube o evento institucional Mulheres na Pandemia: resistências, vivências, adversidades e proposições, por ocasião do Dia Internacional da Mulher. O debate virtual foi organizado pela Cogepe, juntamente com um coletivo de trabalhadoras da Fiocruz e com o Comitê Pró-Equidade de Gênero e Raça da Fiocruz, e reuniu mulheres diversas, que compartilharam com centenas de espectadores suas experiências, vivências e olhares sobre diferentes temas que envolvem o cotidiano de conquistas e lutas em situações agravadas pelo contexto da pandemia de covid-19.

Participaram da mesa de abertura: Nísia Trindade Lima, a presidente da Fiocruz, Cristiani Vieira Machado, vice-presidente de Educação, Informação e Comunicação, Mychelle Alves, a presidente do Sindicado dos trabalhadores da Fiocruz (Asfoc-SN) e Andréa da Luz Carvalho, coordenadora-geral de Gestão de Pessoas na Fiocruz. Foram convidadas para o debate: Elaine Ferreira do Nascimento, pesquisadora em Saúde Pública, coordenadora adjunta da Fiocruz Piauí; Jennifer Kelly Marques de Oliveira, escritora e trabalhadora de Bio-Manguinhos, Vitória Rodrigues de Oliveira, estudante da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV), integrante do Grêmio e coordenadora do Girl Up Nise da Silveira e Isadora Nascimento, bacharela em direito e pós-graduanda em cidadania e direitos humanos no contexto das políticas públicas.

Ao iniciar a atividade, Andréa da Luz saudou as convidadas e demais participantes, além de anunciar a programação do evento. A gestora iniciou sua fala de abertura citando a tese 11 do VIII Congresso Interno da instituição, que afirma: “A Fiocruz se posiciona na luta por uma sociedade mais justa e equânime, comprometida com a diversidade do povo brasileiro e suas demandas, seja nas políticas voltadas para seus trabalhadores, independente de seus vínculos, seja nas ações para usuários em suas escolas, institutos e serviços de saúde, seja nos estudos e pesquisas desenvolvidos, buscando reconhecer e enfrentar todas as formas de discriminação, exclusão e violência”.

Na sequência, ela anunciou que o evento falaria sobre mulheres diversas e suas vivências na pandemia. Ao encerrar sua fala inicial, Andréa mencionou valores institucionais expressos na realização da atividade: “a diversidade, ao invés de ser encarada como minoria, tem que ser encarada como maioria, pois nós defendemos a democracia e o estado de direito, que são valores tão caros hoje em dia para todos nós”, concluiu antes de anunciar a presidente Nísia Trindade à mesa virtual.

A presidente da Fiocruz classificou a pandemia como um fato social total, ao citar um conceito da antropologia, de Marcel Mauss, por conta de sua implicação em toda a sociedade. “E o dia de hoje, que é um dia de celebração, de conquistas e de lutas, não pode nunca deixar de ser um dia de profundas reflexões sobre os retrocessos e também sobre desafios do presente. E a pandemia expressa isso de uma maneira muito forte”, ressaltou. Versando sobre tais impactos sociais, Nísia ressaltou que no mundo do trabalho os efeitos podem ocorrer como aprendizado de novas formas de trabalho, mas também como um profundo desemprego e abalo na proteção social, afetando diretamente as mulheres. 

Outro tema de preocupação social apontado foi a violência, lembrando que as estatísticas demonstram aumento de até 30% da violência doméstica contra as mulheres em vários países. “São fatos que nos desafiam de varias formas. Desafiam nossa tese 11 e deve ser um ponto para pensarmos nesse dia 8 de março. Ao mesmo tempo, o protagonismo se expressa na figura de lideranças e também deve se manifestar em interesses coletivos e lutas por políticas públicas capazes de diminuir desigualdades”, encerrou ao se despedir.

A vice-presidente de Educação, Informação e Comunicação, Cristiani Machado, lembrou em sua fala de abertura que o Dia Internacional da Mulher é, sobretudo, para marcar as lutas das mulheres ao longo de séculos. “Estamos avançando aos poucos ao longo do tempo. Os avanços são graduais e, em alguns momentos, os retrocessos são bruscos e rápidos. Temos que persistir e perseverar nessa luta em uma série de frentes diferentes. Muito já foi conquistado, mas há muito a fazer ainda”, lembrou Cristiani, adiantando alguns dos assuntos que foram debatidos pelas convidadas. “As desigualdades de gênero se entrelaçam com as de raça, com as de classe social e uma série de outras dimensões”.

Mychelle Alves, presidente da Asfoc-SN, pontuou a dupla jornada vivida pelas mulheres no período anterior ao da pandemia e acentuada com o início da crise sanitária. “E ainda enfrentamos o machismo que cresceu muito nesse período, além da violência doméstica como tem sido retratado. Não há dúvidas que nós, mulheres, somos as que mais sofrem as consequências dessa pandemia”. Mychelle enfatizou as consequências da sobrecarga de atividades no desenvolvimento profissional e na saúde mental. “É preciso considerar que conciliar algumas funções, como cuidado da família, da casa, a presença dos filhos em casa pela impossibilidade de retorno à escola ou em creche nesse momento, a vida laboral, entre tantas outras possibilidades, produz mais impactos na saúde mental e no desenvolvimento acadêmico das mulheres se comparado com os homens”.

Violência racial

A pesquisadora em saúde pública e coordenadora adjunta da Fiocruz Piauí, Elaine Ferreira do Nascimento, centrou sua apresentação na análise do espectro da violência que atinge todas as mulheres, mas com especial virulência o segmento representado pelas mulheres negras. “No Brasil, a gente tem um outro elemento, uma outra opressão associada a esta. Estamos falando de uma desigualdade de gênero que tem como fundo estrutural o patriarcado e a misoginia. Estamos falando de duas formas estruturadas de opressão que atravessam o mesmo corpo. Eu estou falando de uma outra opressão associada que é o racismo. No Brasil, temos dados que informam que as mulheres negras têm três vezes mais chances de morrerem de feminicídio do que as mulheres brancas”.

Elaine destacou a importância de leis, como a Maria da Penha, e a formulação de políticas públicas protetivas para as mulheres. No entanto, a pesquisadora ressaltou que as iniciativas existentes não conseguem defender de forma igualitária todas as mulheres. “As políticas públicas precisam incluir o quesito raça/cor de pele. Nosso país é multirracial. As políticas públicas precisam ser construídas, estruturada e formulada em cima de uma dimensão interseccional. Quando essa dimensão não está incorporada, eu crio ou formulo uma política pública baseada em uma desigualdade porque a sociedade é desigual”.

Pequenas grandes conquistas

A escritora e trabalhadora de Bio-Manguinhos, Jennifer Kelly Marques de Oliveira, vive diariamente um dilema vivenciado por milhares de mulheres trans no país: o preconceito. “A questão da violência é muito ampla. Às vezes, quando se fala em violência, se fala em violência física, e na grande maioria das vezes, a violência é mais sútil porque envolve preconceito”. Jennifer afirmou que o pioneirismo custa caro e que ela paga o preço no seu dia a dia. “O fato de ser uma mulher trans já te rotula de um jeito pejorativo”.

Jeniffer citou um exemplo prático do que ela e outras mulheres trans vivem cotidianamente. A permissão de uso do banheiro ou vestiário feminino se tornou uma das suas bandeiras de luta. “Ser mulher, independentemente de ser cis ou trans, é ser mulher. Se ela está ali é porque ela tem o direito de estar ali. Uma mulher trans não entra no banheiro para ficar olhando para outras mulheres, ela não entra no vestiário para ficar olhando outras mulheres. Ela entra para fazer uso do local como qualquer mulher faz”.

Juventude doada

Aos 16 anos de idade, em plena transição para a vida adulta, a estudante da EPSJV Vitória Rodrigues abriu sua fala com uma série de questionamentos e reflexões acerca dos desafios de ser mulher em nossa sociedade. Em seguida, relatou de forma emocionante como a pandemia atravessou seus planos e a mobilizou em torno do enfrentamento a dificuldades ampliadas pela crise sanitária. Juntou-se com colegas e atuou na elaboração de um projeto social voltado para a pobreza menstrual que resultou na arrecadação de 30 mil reais, utilizados na compra de absorventes e coletores para mulheres em situação de vulnerabilidade social. “Sinto que esse devia ser o papel do poder público. Sinto que estou tendo minha adolescência roubada”, destacou, ao citar a jovem ativista ambiental sueca Greta Thunberg.

Ao reforçar sua inquietação, Vitória reafirmou que deveria estar vivendo plenamente sua adolescência e que no Dia Internacional da Mulher “devíamos estar comemorando a igualdade de gênero, mas não estamos”. Sua rotina na pandemia também foi abordada, com a necessidade de estudar, cumprir a agenda acadêmica - com as aulas on-line -, realizar trabalhos escolares, projetos sociais, se dedicar ao ativismo e ainda auxiliar nas tarefas domésticas que divide com a mãe e a avó, citadas em sua fala. E apesar de tamanha sobrecarga se lamenta por ainda notar uma desqualificação no papel social dos adolescentes: “vocês precisam ouvir o que os adolescentes têm a dizer. Não é fácil estudar nesses tempos. Peço que vocês escutem a gente (...) é difícil, mas estar viva para lutar pelas coisas é bom”.

Visibilidade para ser reconhecida: o capacitismo e desafios da acessibilidade

Última convidada a falar, Isadora Nascimento apresentou-se como uma pessoa com deficiência visual, mulher negra, com 24 anos de idade. Ao abordar as dificuldades encontradas pelos deficientes de forma geral, Isadora citou como exemplo a pandemia e as campanhas de comunicação que muitas vezes excluíam essa importante parcela da população: “onde ficam as pessoas com deficiência em uma pandemia? As informações muitas vezes não incluíam essas pessoas e quando você deixa de levar esse tipo de cuidado para todas as pessoas, você mata”, advertiu.

A convidada citou ainda outras dificuldades cotidianas que interferem nas concepções mais elementares da vida, como a de pertencimento e reconhecimento. “Nossa luta geral é para sermos reconhecidos como seres humanos. Agradeço muito a quem veio antes de nós. Que conquistou os direitos que temos hoje, porque por mais que eu sabia que tenho que lutar muito, eu sei que já nasci num mundo muito melhor do que há 24 anos e precisamos ser gratas”. Isadora falou ainda sobre o negligenciamento de direitos básicos, ao afirmar que em muitos casos os cuidadores de uma mulher deficiente não dão importância a áreas como a saúde sexual, por exemplo, desconsiderando que uma pessoa com deficiência constitui-se de necessidades e vontades que excedem a deficiência em si.

Ao relatar suas experiências e de outras pessoas com deficiência, ela explica o peso do capacitismo, que é uma forma de discriminação que ocorre exclusivamente por motivo de deficiência. Segundo explicou, o capacitismo é tão estrutural que em muitas ocasiões surge como forma de elogio: “considerar que a pessoa com deficiência é um exemplo de superação apenas por existir [é um preconceito]. A minha vida não é menos vida porque tenho uma deficiência. Eu consegui, em um mundo que não está preparado para me aceitar, fazer tudo o que me propus. Às vezes por caminhos diferentes, com ferramentas diferentes, mas o capacitisimo prende a gente. Ele duvida de nós”, desabafou.

Evento está disponível na Internet

Ao encerrar sua participação, a bacharela em direito orientou àqueles que querem propor ajuda a ouvirem da própria pessoa com deficiência se ela realmente precisa de auxílio e que tipo de ajuda ela necessita. Ao falar sobre situações de abuso e violência, Isadora relatou dificuldades específicas como a ausência de estatísticas: “a gente não tem dados sobre a violência contra mulheres com deficiência. E quando não tem dado, não existe. Precisamos ser quantificadas para que saiamos desse lugar de silenciamento e invisibilidade. Luto diariamente contra a invisibilidade e ainda acredito. Porque a gente tem que fazer um futuro melhor para quem virá, pois quem veio antes fez um futuro melhor para a gente, hoje”, afirmou.

Ao término da fala das convidadas, Andréa da Luz retomou a palavra para mediar as interações com o público, juntamente com Cristiani Machado, e elogiou todas as participações: “Foram falas fundamentais. Não há mais política pública sem pensar de forma interseccional, precisamos pensar políticas públicas de forma plural, diversa, para aqueles que muitas vezes não conseguem ser ouvidos em suas especificidades”.

Assista à íntegra do evento no canal da Cogepe no YouTube.

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