16/08/2022
VPAAPS/Fiocruz
Parte do grupo participante do Intercâmbio e da XVI Romaria da Terra e Dona Marilda - VPAAPS/OTSS
“Foi enriquecedor pra gente crescer como ser humano, como profissional e principalmente como militante atuante”. A declaração é de Henrique Moreira, de 21 anos, jovem bolsista do projeto Ará pela Fiocruz Mata Atlântica (FMA), sobre a experiência de intercâmbio entre as juventudes do Ará das diferentes organizações e territórios do Estado do Rio, entre eles o Núcleo Jovem do Fórum de Comunidades Tradicionais de Angra, Ubatuba e Paraty(FCT), que conta com integrantes do Quilombo de Santa Rita do Bracuí, em Angra dos Reis (RJ) e do Quilombo da Fazenda, em Ubatuba (SP) e a participação conjunta na XVI Romaria da Terra e das Águas em Território de Povos e Comunidades Tradicionais, ocorridos entre os dias 23 e 25 de junho.
O intercâmbio aconteceu nos dias 23 e 24, antecedendo a Romaria, e contou com participantes dos estados do Rio de Janeiro e São Paulo. Saídos do Rio, além de Henrique, estiveram presentes outros e outras representantes da Zona Oeste, além de representantes do Núcleo Jovem do FCT e integrantes do Núcleo de Estudos em Agroecologia Incentivando Práticas e Integrando Movimentos (NEA Aipim), da UFF de Angra dos Reis, coordenado pelo professor José Renato Sant'Anna Porto.
O encontro foi organizado pelas lideranças jovens do FCT que atuam direta ou indiretamente com a agroecologia e estão conectadas/os à implementação das experiências apoiadas pelo Projeto Ará e teve como objetivo a troca de vivências sobre organização comunitária e agroecologia das juventudes em seus territórios de origem e a preparação para a participação conjunta na Romaria. A ida dos integrantes do Projeto Ará do Rio foi estimulada pela FMA que vem desenvolvendo e priorizando seu envolvimento das e dos jovens no planejamento e execução das atividades de agroecologia desenvolvidas pela unidade territorial.
Na tarde do dia 23, quinta-feira, as/os participantes foram recebidos no quintal da Marilda de Souza Francisco, liderança do quilombo, com um café da manhã quilombola que teve no cardápio aipim, batata-doce e banana cozida. Logo após o café, foi organizado um momento de acolhida, iniciado pela apresentação da história do quilombo, contada por Dona Marilda. A comunidade quilombola de Santa Rita de Bracuí tem sua história marcada por muita luta e resistência, a partir da ocorrência no território do tráfico ilegal de africanos e sua escravização no século XIX. Após a fala da anfitriã, houve a apresentação das juventudes participantes e suas atividades de cultivo e articulação nos territórios.
Na manhã do dia 24, sexta-feira, as/os integrantes participaram de uma troca de vivências em que foram levantadas as potencialidades e adversidades enfrentadas em cada território, assim como os pontos de desafio em comum entre as experiências. Entre esses últimos, foram identificadas a sustentabilidade da mão-de-obra, a comercialização dos produtos e o crescimento da especulação imobiliária, como nos conta Henrique: “A dificuldade da gente permanecer no nosso território enquanto a especulação imobiliária vem dominando tudo e [avança] o crescimento vertical”.
Roda de troca de experiências - VPAAPS/OTSS
Após a roda de conversa, as/os jovens conheceram a roça de Marilda e ali partilharam conhecimentos sobre as tecnologias sociais de cultivo. Na parte da tarde, ocorreu o planejamento da participação do grupo na Romaria, atividade que se iniciou com uma ampla reflexão sobre as mensagens de luta que as juventudes gostariam de comunicar durante a Romaria e terminou com a produção de faixas e cartazes com essas ideias. “A gente é mais parecido do que a gente imagina. Acho importante essa troca. Até mesmo porque essa troca de experiência traz pra gente jovem, motivação, esperança e ideias”, disse Camili.
Aprendizagem sobre tecnologias sociais de cultivo - VPAAPS/OTSS
O sábado começou cedo com mais um café da manhã quilombola e a ida para a Romaria da Terra. Antes das 9h, o grupo estava concentrado junto a centenas de pessoas na BR-101, ponto de encontro para a saída do cortejo. As Romarias da Terra se iniciaram na esteira do Concílio Vaticano II, que uniu o povo, a palavra e o altar. As romarias tradicionais essencialmente buscam o altar e o Santo, enquanto as Romarias da Terra introduziram a palavra e a reflexão e tem um caráter ecumênico. A Comissão Pastoral da Terra (CPT) realiza as romarias desde 1978. Esta foi a XVI edição estadual e teve como diferencial ser realizada em um território quilombola.
Segundo a publicação do evento, a romaria em terras de povos tradicionais é um “espaço de denúncia contra todo domínio e exploração, contra a compreensão enganosa da posse e do uso da terra em benefício de poucos”. O trajeto de 4km foi realizado em cerca de 5h, com pausas para a realização de cerimônias sobre educação, religião, recursos naturais, sementes e por fim, a importância da juventude na manutenção e continuidade da luta pela terra. Neste momento, o cortejo foi liderado pelos jovens que discursaram e entoaram gritos de luta. Para Marcos Vinícius, do Bracuí, a cooperação entre as juventudes nesse momento de luta foi fundamental: “o apoio nessa grande luta que é o bem viver na verdade. É isso que a gente quer, nosso bem-viver, nosso espaço, nosso direito de ir e vir, nosso direito de plantar, nosso direito de viver”.
O cortejo chegou em seu ponto final no início da tarde, onde houve a apresentação de grupos musicais e de jongo. No final da tarde, o grupo dos jovens retornou às suas cidades. Para alguns jovens, aquela havia sido a primeira experiência coletiva de tal magnitude. “Fiquei feliz de estar com aquela quantidade de pessoas caminhando em prol de um objetivo. E todo mundo caminhando com fé, porque quando você caminha, você tem a fé em chegar em um determinado destino. E as trocas que foram acontecendo no caminho, tudo é muito simbólico. Foi muito gratificante ver aquela diversidade de pessoas ali reunidas em prol de um objetivo maior”, contou Agatha. Para o professor José Renato, a experiência de organizar coletivamente a participação na Romaria e caminhar lado a lado no cortejo foi um importante momento de formação política. “Acho que a romaria foi um momento muito importante de formação. Uma convergência de pautas ali muito significativa e para os estudantes, para juventudes acho que é importantíssimo ter participado desse momento”, disse ele.
Como resultado das experiências, as juventudes identificam a sensação de “pertencimento” , de “visibilidade” de seus trabalhos e do “compartilhamento” das experiências e saberes, o que fortalece a caminhada e a construção de uma realidade mais justa e digna. Para Guilherme, a integração trouxe potência para as juventudes ao apresentar outras realidades enfrentadas por este grupo social. “A integração foi importante porque trouxe um pouco mais de força onde a juventude conheceu um lado diferente, de uma outra luta, de uma outra juventude que está batalhando, está lutando para também plantar, para trazer de volta o conhecimento medicinal das plantas, uma juventude que tem o enfrentamento com os parques estaduais, com a retomada das roças tradicionais caiçaras. Eu acho que foi muito importante, muito rico”.
Nas palavras de Lucas, “retorno para o casa renovado, voltei com muitas esperanças de dias melhores, dias melhores de luta de uma luta mais visível, mais palpável e mais clara para a juventude, que se fortalece a cada dia mais, não não será fácil a gente está ainda num processo de construção enorme, mas eu ainda eu creio bastante, tenho bastante esperança, de esperançar”.