25/05/2023
Cristina Azevedo (Agência Fiocruz de Notícias)
Dois anos após o seu início, o projeto de Fortalecimento do Sistema Brasileiro de Vigilância à Resistência Antimicrobiana já conta com uma rede de 25 hospitais-sentinelas e 10 Laboratórios Centrais de Saúde Pública (Lacens) pelo país. Em seu terceiro ano, ele deverá reforçar o treinamento para aumentar o controle de qualidade e padronizar a operação nas diferentes regiões para, então, seguir ampliando essa rede. O balanço fez parte dos resultados e propostas apresentados, na última sexta-feira (19/5), ao grupo técnico dos Centros para Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos, na Fiocruz. Acompanhados por representantes do Ministério da Saúde (MS) e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), seus integrantes percorreram por dez dias hospitais e laboratórios que fazem parte do projeto. Para o CDC, o Brasil é um parceiro estratégico na América do Sul e pode no futuro prestar assistência aos países vizinhos.
Grupo técnico dos Centros para Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos visita a Fiocruz (foto: Peter Ilicciev)
“Um dos temas que tenho discutido com o nosso escritório em Brasília é como pensar a atuação do Brasil na região. No CDC, recebemos vários pedidos de assistência. O mundo é muito grande. É estratégico ter parceiros que possam estender essa assistência a vizinhos”, comentou Fernanda Lessa, brasileira que chefia o Programa Internacional de Controle de Infecção do CDC e que participou de Atlanta, via internet, da reunião na Residência Oficial. “O combate à resistência antimicrobiana é crucial para o CDC Atlanta e para a Organização Mundial da Saúde (OMS). A Fiocruz é um parceiro estratégico nesta área. E essas atividades podem ser sementes para políticas nacionais. Queremos ver como esse projeto pode ser amplificado para a região”, acrescentou Juliette Morgan, diretora do Escritório Regional CDC para América do Sul, em Brasília.
Representando o presidente Mario Moreira que estava em Genebra para a 76ª Assembleia Mundial de Saúde, o assessor especial da Presidência, Rodrigo Correia de Oliveira, observou que a estrutura da Fiocruz a capacita a assumir esse papel. “A Fundação está presente em 11 estados, o que a deixa em melhor posição para colaborar com diferentes laboratórios do Ministério da Saúde e mesmo com países ao redor. A resistência antimicrobiana é uma prioridade para a Fiocruz também.”
Mudanças para o próximo ano
As microbiologistas Danielle Lower e Sarah Sabour, do CDC Atlanta, chegaram a Brasília no dia 8 e visitaram hospitais e Lacens no Distrito Federal, em Minas Gerais, São Paulo e Paraná antes de virem ao Rio. Na quinta-feira, dia 18, acompanhadas por Magda Costa e Janaina Salas, da Anvisa; Renata Tigulini Peral, do Ministério da Saúde; e André Luiz Abreu, da Fiocruz Brasília, visitaram o Laboratório de Pesquisa em Infecção Hospitalar (Lapih), do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), onde assistiram a uma apresentação mais técnica da principal pesquisadora do projeto e chefe do laboratório, Ana Paula Assef. O grupo conheceu ainda o Biobanco.
Na sexta, dia 19, além de Correia, o grupo foi recebido pela vice-presidente de Pesquisa e Coleções Biológicas, Maria de Lourdes Aguiar Oliveira; por Tania Fonseca, da Coordenação de Vigilância em Saúde e Laboratórios de Referência (CVSRL/Fiocruz), e pela equipe de Ana Paula, para uma reunião mais ampla. Mais tarde, seus integrantes visitaram o Castelo Mourisco.
O projeto é o resultado de uma parceria entre a Fiocruz, o Ministério da Saúde - através da SVSA/DAEVS/CGLAB; o Lacen/PR (que divide com o Lapih/Fiocruz a posição de Laboratório Nacional de Referência para o Projeto) e a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), tendo o Laboratório Especial de Micologia Clínica (Lemi) e o Laboratório Especial de Microbiologia Clínica (Lemc) como laboratórios associados. O Projeto conta com financiamento do CDC e tem como objetivo principal apoiar o Ministério da Saúde na estruturação da Rede de Monitoramento de Resistência aos Antimicrobianos, em alinhamento com o Plano de Ação Nacional de Prevenção e Controle de Resistência aos Antimicrobianos – PAN-BR.
No segundo ano, a Anvisa também se somou ao projeto, que visa reforçar a detecção de bactérias e fungos (Candida spp.) multirresistentes nos hospitais, capacitar profissionais e permitir respostas mais rápidas. Cabe ao Ministério da Saúde, responsável pela Rede Nacional de Laboratórios de Saúde Pública, a articulação institucional, os sistemas de informação e o apoio logístico. Com expectativa de vigência até 2026, os resultados do projeto deverão ser incorporados às ações e políticas de vigilância de Resistência aos Antimicrobianos no país.
Os dados recolhidos pelos hospitais-sentinela são enviados para o BR-GLASS, parte de uma plataforma de vigilância global (Global Antimicrobial Resistance Surveillance System). "O desenvolvimento desta plataforma nacional será fundamental para entender o perfil de resistência no país e subsidiar a tomada de decisão dos gestores em saúde neste tema. Estão sendo feitos também testes de suscetibilidade dos micróbios para novos medicamentos que estão chegando ao Brasil – um dado importante para apoiar hospitais a decidirem qual o melhor remédio a ser usado. Os laboratórios regionais estão recebendo treinamento para implementar a detecção de genes de resistência por PCR em tempo real, num trabalho que tem intensificado os esforços de padronização do controle de qualidade", explicou Ana Paula na apresentação referindo-se à estratégia para bactérias.
"O desenvolvimento desta plataforma nacional será fundamental para entender o perfil de resistência no país", destacou Ana Paula (foto: Peter Ilicciev)
A segunda estratégia, referente à Candida spp., importantes nas infecções hospitalares, inclui os mesmos hospitais e laboratórios. A intenção é que as informações também venham a ser incluídas no BR-GLASS. “Queremos melhorar a identificação e detecção de resistência de Candida nos hospitais, treinar os profissionais para identificar diferentes Candidas, principalmente a Candida auris, que é um grande problema atualmente”, informou Ana Paula.
Foram feitos treinamentos em micologia e bacteriologia com hospitais sentinelas, Lacens e laboratórios regionais de referência. Para o terceiro ano, o treinamento presencial também deverá ocorrer. E a ideia é que os profissionais treinados se tornem multiplicadores, treinando colegas.
“Quando olhamos outros projetos de vigilância, vemos como este, ainda em seu início, já é um sucesso, porque normalmente começamos com um número pequeno de hospitais e laboratórios. Mas agora podemos ir mais rápido. O mais importante é ir além da resistência antimicrobiana. Agora, ele já inclui a micologia, um dos mais importantes gaps que temos na saúde pública”, disse a vice-presidente Maria de Lourdes. “Em nenhum país é fácil implementar um programa como este. São diferentes estados, diferentes políticas, somos uma República Federativa”.
O próprio tamanho do Brasil dificulta e impõe adaptações às estratégias para cada região. Para o programa de controle de qualidade, por exemplo, os laboratórios têm 20 dias para responder a um questionário. Mas, o material leva 14 dias para chegar ao Acre, deixando menos tempo para análises e respostas. “É muito difícil fazer um trabalho como esse, com essa qualidade, em dois anos, ainda mais num país do tamanho do Brasil. Houve capacidade para responder a diferentes demandas. E foi muito bem feito”, resumiu Tania, que destacou ainda a importância do treinamento dos Lacens para saber “o que está acontecendo nos estados”.
Algumas das recomendações apresentadas pelas representantes do CDC após a visita já estavam incluídas nos planos para o terceiro ano do projeto, como fortalecer o treinamento, formar multiplicadores e harmonizar métodos de testagem. Algumas ideias da equipe do projeto no Brasil incluem usar o Campus Virtual da Fiocruz ou a Universidade Aberta do SUS (UNA-SUS) para o treinamento e aprimorar o material de ensino, levando em conta os diferentes níveis encontrados entre os profissionais. Outra ideia é que as informações sobre sequenciamento entrem no CABGen, site hospedado no Procc que inclui diferentes softwares para controle de qualidade, anotação genômica, busca de genes resistentes, mutações relacionadas à resistência, tudo de forma automatizada.
Grupo percorreu por dez dias hospitais e laboratórios que fazem parte do projeto (foto: Peter Ilicciev)
“Esse projeto traz um novo legado em vigilância, contribui em como pensar uma política, construir ações para controlar e prevenir. Um outro legado é que ele já estabeleceu uma rede. Sabemos o nível de dificuldade. Ele vai servir de base para responder a emergências de saúde. Para a Fiocruz, é um prazer ter essa cooperação com o CDC. Temos outros pontos que podemos aprimorar. Mas esse é o caminho”, disse Maria de Lourdes ao fim do encontro.
Participaram ainda da reunião na Residência Oficial Marcelo Pillonetto, do Lacen Paraná e coordenador de atividades laboratoriais no projeto; Heloisa Setta atuando na parte administrativa do projeto; Claudio Rocha, do Laboratório de Bacteriologia Aplicada, Saúde Única e Resistência Antimicrobiana; e Bruna Ribeiro Sued Karam, do Lapih. Diversos outros integrantes do CDC, da Universidade Federal de São Paulo, da Anvisa e de hospitais em Minas Gerais e Brasília participaram de forma online da reunião.