Fiocruz

Fundación Oswaldo Cruz una institución al servicio de la vida

Início do conteúdo

Saúde mental da população negra é tema de debate na CST


06/12/2022

Compartilhar:

Tomando o racismo como estrutural, entendendo que ele constitui um importante determinante social de sofrimento psíquico para a população negra e indígena, e marcando o Dia da Consciência Negra (20 de novembro), a CST realizou, dia 10 de novembro, o encontro “Debates em trabalho: saúde mental da população negra e racismo em foco”. A atividade também fez alusão ao Dia Mundial da Saúde Mental (10 de outubro).

O evento recebeu os autores do livro “Saúde Mental da População Preta Importa” para debaterem sobre o racismo e seu impacto na saúde mental da população negra. A discussão enfatizou as relações raciais no trabalho, aspecto fundamental para o enfrentamento do racismo institucional. 

Mesa de abertura

Algumas questões nortearam o debate sobre o racismo institucional. “Onde estão os negros e negras no quadro funcional? Quais são seus cargos, salários e atribuições? Qual é a cultura organizacional em relação ao negro?” São algumas perguntas colocadas pela psicóloga e ativista brasileira Maria Aparecida da Silva Bento, e lembradas pela psicóloga Cecília Barbosa, que explicou que o evento foi pensado para ampliar espaços de discussão sobre ações e regramentos que modifiquem processos que perpetuam o racismo. A mesa de abertura contou com a presença da coordenadora da Cogepe, Andrea da Luz; da coordenadora da CST/Cogepe, Marisa Oliveira; da presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Fiocruz, Mychelle Alves, e da representante do Comitê Pró-Equidade de Gênero e Raça da Fiocruz, Roseli Rocha.

“Eu tive o prazer de ler o livro. Um dos pontos que me chamou atenção foi quando os autores falam que as teorias psicológicas e toda a formação em psicologia é branca, pautada em teorias europeias. É muito importante que se rompa com esse entendimento da maioria. A constante formação e letramento são fundamentais para que superemos o racismo”, destacou Andrea Luz.

A Fiocruz é reconhecida enquanto instituição de ensino, pesquisa e ciência. No entanto, Marisa Oliveira, destacou que na missão da instituição também está a redução de desigualdades e a ampliação da diversidade. “Sofremos reflexos da sociedade, então as expressões do racismo também chegam aqui, assim como outras violências. Desta maneira, estamos em constante esforço em enfrentar isso como uma prática inaceitável que, além de ser crime, causa sofrimento e destruição. Por isso a correlação tão importante de unir as datas Consciência Negra e Saúde Mental”, declarou.

Roseli Rocha mencionou que o maior número de suicídios entre adolescentes e de mortes pelo consumo de álcool são entre pessoas negras. “O Comitê Pró-Equidade de Gênero e Raça da Fiocruz segue firme contra o racismo estrutural e suas múltiplas expressões, sobretudo, o racismo institucional. Esperamos que a nossa política sirva de instrumento importante de combate ao racismo e de enfrentamento do racismo institucional, e que estas diretrizes implantadas em nossa política se materializem nos planos de ação das unidades, transformando o cotidiano da concretude da vida dos trabalhadores e trabalhadoras da Fiocruz”.

Mychelle Alves parabenizou os autores do livro e declarou a necessidade de “seguir na luta e na resistência”.

Herança potente

Abrindo a roda de palestras, Marcele Oliver, graduada em Psicologia, ativista sociocultural, fundadora do coletivo Avança Nega e organizadora do livro, destacou o racismo como uma das opções de extermínio das pessoas negras. “Não tem como falar de racismo sem falar da saúde mental. Acho que a mente foi uma das que mais sofreu nesse processo até hoje. O racismo mata com tiro, com asfixia, mata a gente todos os dias quando acordamos, quando ligamos a TV, quando estamos navegando pela internet. O tempo todo lidamos com agressões e micro agressões. Se temos ansiedade e depressão é por conta desse peso que carregamos diariamente há séculos”, enfatizou.

A ativista ainda destacou que o objetivo do livro foi a criação de um instrumento de cura, levando em consideração a herança de um povo escravizado e raptado, separados pelo mundo e que vivem em diásporas, sem saber a sua real origem e duvidando de seu valor. “O racismo é um problema social. As escolas são os maiores berços raciais do mundo, porque o racismo começa a ser introduzido no período escolar, na infância. Muitas pessoas sofreram para que estivéssemos aqui hoje. Todas as nossas conquistas individuais não pesam tanto porque o coletivo está totalmente desequilibrado. Eu não quero que daqui 20 anos a minha filha herde dor, quero que ela herde potência”.

Florescer como legado

Flavio Barros, psicólogo, formado em Terapia Cognitiva, com atuação em inclusão de públicos em vulnerabilidade social explicou que o cuidado com a saúde mental é algo ancestral. “Cuidar nosso orí (cabeça) e do nosso okan (coração) é uma prática que já existe desde a fundação da existência humana. Vivemos numa estrutura que abala nossa integridade emocional, física e psíquica. A crença de não ser, de não poder e não conseguir está sempre perpetuando a nossa psique. Por mais incríveis que sejamos, sempre temos dúvida da nossa capacidade. E essa é uma indagação constante que afeta a nossa existência”, explicou.

Flavio Barros também falou da discrepância de esforço entre pessoas negras e brancas e que, muitas vezes, isso custa a saúde mental da pessoa negra. “Temos que nos empenhar cinco vezes mais para produzir alguma coisa. E conseguimos, mas custo de nossa sanidade mental. A estrutura social não nos permite nem errar. Temos sempre crenças limitantes introjetadas como ‘meu corpo não é belo, meu fenótipo não é agradável, meu cabelo é feio, não sou capaz de adotar intelectualidade’. Isso faz com que cresçamos inseguros da nossa própria existência Não queremos só resistir, queremos florescer”.

Ansiedade e solidão institucional

Será que eu vou falar bem? Será que vai dar certo? Será que eu estudei o suficiente? Será que eu não tenho que me preparar mais? Estes e outros questionamentos foram apontados por Bruna Manoel, psicóloga, pós-graduada em Residência Multiprofissional em Saúde e mestre em Psicologia Social, como dúvidas internas constantes na vida de uma pessoa negra. Esta pressão interna e social do “não errar” é um dos principais responsáveis pela ansiedade da população negra, segundo a especialista. “A ansiedade é normal. O problema é quando ela está incomodando o bem-estar da pessoa. No caso da população negra, essa ansiedade disfuncional aparece com muita frequência. O medo de fracassar assombra. Ter que ser perfeito, não pode errar, se questionar o tempo todo, causa muita ansiedade e, consequentemente, dificuldade de dormir, horas extras no trabalho, estudo em excesso. Uma exaustiva tentativa de não errar nunca”, explicou.

Subjetividade e autoestima

Janaina Ignácio, psicóloga, especialista em Saúde Mental e Saúde da Mulher falou sobre a subjetividade e autoestima da população negra. Ambas se constroem a partir da relação com o outro e, o racismo, acaba produzindo uma construção de identidade distorcida. “Quando a autoestima da pessoa negra está se formando, se depara com estigmas e sistema opressor, que fazem com que a pessoa negra não consiga enxergar da forma como ela realmente. A forma que me vejo, como me posiciono no mundo, da forma como eu me enxergo, nas minhas relações com os outros, ficam completamente distorcidos”, concluiu.

 

Volver arribaVolver