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Estudo contribui para reflexão sobre a atenção diferenciada no parto de indígenas


30/07/2014

Ana Paula Gioia / Fiocruz Amazônia

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Apresentar a forma como os Munduruku vivenciam a gestação, o parto e o pós-parto em tempos em que se procura valorizar, reconhecer e respeitar a diversidade étnica e cultural dos povos indígenas no Brasil e a necessidade de minimizar os processos de medicalização da saúde indígena sem abrir mão do direito de cidadania de acesso aos serviços de saúde biomédicos. Essa foi a motivação da pesquisadora do Instituto Leônidas e Maria Deane (Fiocruz Amazônia), Raquel Paiva Dias-Scopel, para realizar um estudo que resultou na sua tese de doutorado pelo Programa de Pós-graduação em Antropologia Social da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

Na tese A cosmopolítica da gestação, parto e pós-parto: práticas de autoatenção e processo de medicalização entre os índios Munduruku, a pesquisadora Raquel Scopel apresenta uma etnografia das práticas de autoatenção relativas à gestação, ao parto e ao pós-parto entre os índios Munduruku da Terra Indígena Kwatá-Laranjal, Borba, Amazonas, Brasil, feita a partir da abordagem da antropologia da saúde. Com o estudo observou-se que as mulheres Munduruku têm articulado as práticas biomédicas (modelo médico oficial) com as práticas indígenas de atenção à saúde, apesar das diferenças radicais entre elas.

“Elas têm participado do Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher, por meio das consultas de acompanhamento pré-natal, ao mesmo tempo em que consultam parteiras, pajés e as mulheres mais velhas da família extensa para ‘pegar barriga’, ‘puxar a mãe do corpo’, fazer ‘banhos’, além de seguirem uma dieta alimentar e cumprirem um conjunto de prescrições e proibições acerca das atividades diárias de trabalho e de lazer”, explicou.

Segundo a pesquisadora, a etnografia apontou que, para os índios Munduruku, a gestação, o parto e o pós-parto não são estados fisiológicos peculiares às mulheres apenas, mas, sim, processos de caráter social, que envolvem relações entre homens, mulheres e demais seres que habitam o cosmo. “Entre os Munduruku, também os homens podem vivenciar a gestação, através de diversas mudanças socialmente percebidas em seus corpos e comportamentos e eles têm um papel muito importante no cumprimento do resguardo de pós-parto, contribuindo para preservar e manter a saúde, a vida e o bem estar da mãe e do recém-nascido. Há também uma construção social do corpo do bebê no interior de relações afetivas inerentes ao grupo primário, através de esforços coletivos e individuais de cuidado e apoio mútuo”, afirmou.

Dentre os Munduruku, a biomedicina é um recurso de atenção à saúde com o qual pretendem contar e prevenir, solucionar, minimizar ou tratar questões relativas às enfermidades. No nível das práticas de autoatenção à saúde, verificou-se que as populações indígenas têm articulado os diferentes saberes (modelo médico e indígena) na tentativa de aumentar a qualidade de vida da população local, apesar da crescente expansão da medicalização do parto entre os indígenas no Brasil, demonstrando a potencialidade dos saberes locais nos processos de saúde/doença/atenção.

A pesquisadora concluiu que há um processo crescente de medicalização da gestação, parto e pós-parto entre as populações indígenas, que tem avançado nas aldeias apesar das iniciativas dos movimentos sociais e governamentais para a humanização do parto e nascimento, em âmbito mundial e nacional, e apesar das práticas indígenas Munduruku no trato à gestação, parto e pós-parto continuarem intensamente ativas. Também verificou que o subsistema de atenção à saúde indígena tem se mostrado, ainda, com graves dificuldades, desde a falta de recursos financeiros suficientes, problemas operacionais até falta de equipes devidamente capacitadas.

Para a Raquel, esta tese contribui para reflexão crítica sobre o princípio da “atenção diferenciada” preconizado na Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas (Brasil, MS, 2002). Trata-se de um campo social ainda em construção. “Se, por um lado, a Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas prevê em seu escopo uma ‘atenção diferenciada’, por outro, a biomedicina alopática está em processo contínuo de expansão mundial, o que resultaria em tensão entre princípios e projetos contraditórios que deveria ser minimizada por um modelo de atenção sensível às especificidades culturais, avaliou a pesquisadora.

Foram oito meses de pesquisa de campo, quando foram realizadas observação participante, entrevistas, coletas de narrativas e dados secundários. Para desenvolver o estudo a pesquisadora contou com o apoio da Fapeam, que concedeu bolsa pelo Programa de Formação de Doutores em Áreas Estratégicas - Edital n. 006/2011, PDAEST/AM/CNPq.

Veja também no site da Agência Fiocruz de Notícia (AFN)

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