23/06/2015
Por Amanda de Sá/ Agência Fiocruz de Notícias
Para debater os mitos e evidências sobre os efeitos do uso da Cannabis, o seminário Maconha: Usos, Políticas e Interfaces com a Saúde e Direitos contará com a presença do psiquiatra e professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Luís Fernando Tófoli. Co-fundador do Laboratório de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos (Leipsi), Luis Fernando falou, em entrevista, sobre a importância da regulamentação do consumo das drogas para o campo da saúde.
Em artigo divulgado em 2013, na Carta Capital, o senhor falou que existe uma falta de reflexão sobre os determinantes sociais do uso problemático das drogas. Que tipo de aprofundamento falta nesse debate sobre a questão social?
Os estudos sobre os determinantes do uso problemático de drogas estão excessivamente centrados na biologia do processo e nas características psicológicas do usuário, afuniladas dentro do viés cognitivo comportamental, que é apenas uma das várias teorias sobre a psiquê humana. Há uma carência muito grande sobre estudos que compreendam os determinantes socioculturais, especialmente aqueles que estejam voltados para características modificáveis por políticas públicas.
Como a regulamentação da maconha pode contribuir para essa questão?
A discussão sobre a regulamentação sobre a maconha traz, em si, grande visibilidade sobre diversas questões sociais: o direito ao usufruto do próprio corpo, a liberdade individual, o encarceramento em massa, a mortalidade dos jovens negros, a insustentabilidade do modelo proibicionista. Legalizar ou não a maconha, em si, não transformará magicamente estes determinantes, mas discuti-los, dentro deste contexto, é fundamental.
Professor, em 2014 o senhor liderou um manifesto apoiando a legalização da maconha junto com outros 85 médicos. Do ponto de vista da saúde pública, porque é importante regular/controlar o consumo das drogas no país?
Drogas são usadas quer as proibamos ou não. Sua proibição leva a uma série de agravos à saúde, principalmente pela consequência do encarceramento em massa. O crime de tráfico de drogas - no qual são condenadas, sabemos, muitas pessoas que são provavelmente usuários ou narcovarejistas não-violentos - é o principal responsável pelo monstruoso crescimento da população carcerária brasileira. Encarcerar pessoas causa mal à saúde e nós precisamos estar cientes disso. Além disso, o acesso ao usuário de drogas ilícitas ao SUS é problemático, pois é mediado por estigma. Casos onde intervenções poderiam acontecer no início terminam por chegar aos cuidados da rede de saúde quando já estão muito graves e difíceis de se tratar. Além disso, uma boa parte dos efeitos negativos das drogas se dá pela ausência de informação de teores de princípios ativos que é causada pelo impedimento da regulamentação do mercado gerado pela proibição. Podemos então dizer, sem muita dúvida, que a proibição das drogas provavelmente faz mal à saúde.
Ainda no âmbito da medicina, quais os benefícios e riscos que o uso da Cannabis pode causar?
Há alguns riscos bem documentados, embora a contribuição específica da Cannabis ainda esteja em disputa, pois os efeitos da maconha na equação parecem diminuir quanto se controla para variáveis sociais e genéticas. Entre eles podemos nomear o risco de desenvolvimento de esquizofrenia e de impacto na cognição, documentados para jovens que usam muita maconha desde idade precoce. O risco pulmonar não é claro, embora pareça ser menor do que o cigarro e potencialmente reduzido com o uso de vaporizadores ao invés de cigarros. Embora menos perigoso do que o álcool neste quesito, não é recomendável dirigir veículos após se consumir maconha. Do ponto de vista medicinal, está bem documentado que a maconha pode ser utilizada para o tratamento de efeitos colaterais de quimioterapia e auxiliar no tratamento da Aids, que ela tem efeitos terapêutico em casos de espasticidade, em especial na esclerose múltipla, e que ela tem efeitos antiepilépticos, especialmente quando for rica em canabidiol, um dos canabinoides, que são as substâncias que só estão presentes nas plantas do gênero Cannabis. Para o controle de riscos e maximização de benefícios, dados preciso sobre os percentuais de canabinoides são muito importantes. Isso só é possível em um mercado regulamentado.
Várias drogas lícitas fazem mal à saúde da população, como o álcool e o cigarro. Como controlar esses efeitos com a legalização de novas drogas?
O cigarro é um exemplo de grande sucesso de controle do uso problemático de uma substância dentro de um mercado regulamentado, sem necessitar lançar mão da justiça criminal. A grande redução no consumo do tabaco - que está entre as substâncias psicoativas mais viciantes - não precisou que qualquer tiro fosse disparado para que isso acontecesse. Já o álcool, no nosso país, é um caso claro de ausência de regulamentação, o que se dá, em grande parte, pelo lobby da indústria de bebidas, que é muito forte. É preciso compreender que drogas não são produtos como qualquer outros, e isso deve sempre ser levado em consideração quando estamos falando da regulamentação de drogas que estão atualmente ilícitas. Esse não é um caminho fácil, e na minha opinião, não deve ser tomado de forma inconsequente. A maconha, por ser uma droga relativamente menos nociva, que é justamente a ilícita mais consumida, nos dá a oportunidade de sanar uma série de injustiças sociais decorrentes do proibicionismo sem precisar tomar medidas precipitadas. Esse mercado, no entanto, deve ser, tanto quanto for possível, mais parecido com o do tabaco do que com o do álcool: taxado, controlado, proibido para menores, com mensagens educativas e sem propaganda. E extremamente importante que sejam informadas também as taxas dos diversos canabinoides presentes na maconha comercializada, já que eles têm efeitos que podem ser antagônicos entre si.
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