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Escoliose em adolescentes: pesquisadoras alertam para importância do diagnóstico precoce e tratamento conservador


07/12/2015

Fonte: Informe ENSP/Fiocruz

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A Escoliose Idiopática do Adolescente (EIA) é uma deformidade da coluna vertebral e do tronco que afeta crianças e adolescentes aparentemente saudáveis, sendo a maioria meninas. A doença pode progredir durante os rápidos períodos de crescimento e atinge entre 2% e 4% da população. O principal aliado do tratamento para a EIA é o diagnóstico, pois mais de 99% dos casos, quando detectados precocemente, têm a deformidade estabilizada por meio de tratamento conservador (não cirúrgico) específico para a doença. No entanto, no Brasil, o diagnóstico tardio e a não realização de tratamento conservador adequado têm levado um grande contingente de adolescentes à cirurgia, uma intervenção altamente complexa e com riscos.  

Mas quais são os fatores que têm impedido o diagnóstico precoce e o tratamento adequado da doença no país? Em entrevista ao Informe ENSP, as pesquisadoras da Escola, Carla de Andrade e Maria Lúcia Cardoso, respondem a essa pergunta. Elas lideram um projeto de pesquisa que tem como tema o Tratamento de pessoas com escoliose idiopática do adolescente no Brasil e os desafios à integralidade do cuidado. Nesse bate-papo, elas também falam sobre os objetivos e resultados esperados do estudo, que foi selecionado pelo Edital de Pesquisa 2021, lançado pela ENSP, por meio da Vice-Direção de Pesquisa e Inovação, no âmbito do Programa de Fomento ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico Aplicado à Saúde Pública.

Confira, a seguir:

Quais são os principais objetivos do projeto Tratamento de pessoas com escoliose idiopática do adolescente no Brasil e os desafios à integralidade do cuidado?

Carla, Maria Lúcia: O objetivo geral do projeto é contribuir no desenvolvimento de estratégias para o diagnóstico e tratamento da Escoliose Idiopática do Adolescente (EIA) no Sistema Único de Saúde (SUS), sob o princípio da integralidade do cuidado.

Buscamos compreender a situação do tratamento de escoliose no Brasil, tendo como base dados estatísticos, análise documental e revisão de literatura. E, também, propomos analisar as percepções de pacientes, familiares e profissionais de saúde sobre a escoliose, em relação aos itinerários terapêuticos vivenciados.

Como produto, pretendemos contribuir no desenvolvimento de uma proposta preliminar de política pública de saúde para detecção precoce e tratamento conservador de escoliose, adequada aos princípios do SUS.

Conforme apontam estudos, o diagnóstico tardio e a não realização de tratamento conservador adequado da escoliose têm levado um grande contingente de adolescentes à cirurgia, que é altamente complexa e com riscos. Que fatores têm impedido o diagnóstico precoce e o tratamento adequado da doença no país?

Carla, Maria Lúcia: A Escoliose Idiopática do Adolescente (EIA) é uma alteração da coluna vertebral e do tronco, tridimensional, que afeta crianças e adolescentes, sendo a maioria meninas (cerca de 80%). A EIA, que corresponde a cerca de 80% das escolioses, progride durante os rápidos períodos de crescimento, conhecidos como “estirões de crescimento”, e tem algo grau de evolução. Se não tratada, pode progredir a um nível que afeta órgãos como coração e pulmão, levando a condições incapacitantes. O que se observa mais comumente, além dos comprometimentos de saúde, é o impacto psicológico que ela causa, pois afeta a autoestima, os processos de sociabilidade, condições de estudo e trabalho, especialmente a longo prazo. Estima-se que entre 2% e 4% da população têm esse tipo de escoliose o que, no caso do Brasil, significaria em torno de 6 milhões de pessoas.

O tratamento de crianças e adolescentes com escoliose é uma corrida contra o tempo. Quanto antes detectada, isto é, no início de sua evolução, maior a possibilidade que o tratamento conservador seja eficiente e consiga controlar a progressão da curva. Por tratamento conservador entendemos a realização de exercícios fisioterapêuticos específicos para escoliose e o uso de órtese com correção 3D que, comprovadamente em vários estudos, são muito eficientes. Lamentavelmente, se a escoliose já está em alto grau, a cirurgia é a principal alternativa. É uma cirurgia complexa, com riscos significativos. Mas, segundo a literatura, apenas 0,3% dos casos precisariam de cirurgia, pois, mesmo com tratamento conservador, a progressão atinge um patamar muito alto. No entanto, no Brasil, a cirurgia tem sido indicada como o tratamento mais frequente. E, o pior, há filas no SUS em se chega a até oito anos de espera, o que, evidentemente, agrava muitíssimo a escoliose. 

Isso acontece, por um lado, devido à ausência de detecção precoce. O teste simples, conhecido como “teste de Adams”, que pode ser feito em consultas pediátricas, ou mesmo nas aulas de educação física nas escolas, em crianças e adolescentes, indicaria possíveis casos de escoliose. Se confirmado, se encaminharia a especialistas. No entanto, isso não existe no Brasil.

Por outro lado, não adianta termos detecção precoce se não há tratamento adequado, especialmente, no SUS. O que percebemos é a indicação de fisioterapia “geral” ou RPG, natação, Pilates; todos sem base científica que comprove sua eficácia para o tratamento de escoliose. Vale lembrar que, internacionalmente, são reconhecidas sete escolas de tratamento fisioterapêutico de escoliose, cada uma com suas especificidades de método e abordagem, mas que compartilham os mesmos princípios básicos. Essas escolas ainda são pouco conhecidas por médicos e fisioterapeutas no Brasil, e no SUS não é oferecido nenhum tratamento com esses fundamentos. Apenas nos últimos anos estão sendo formados fisioterapeutas no país, mas que atuam na rede privada.

O que nos levou a realizar o projeto é que observamos o enorme sofrimento de crianças e adolescentes, e seus familiares, chegando ao desespero quando percebem que já apresentam um grau avançado da escoliose. Ficou evidenciado também a falta de orientação sobre tratamentos e informações contraditórias. As redes sociais estão repletas de relatos dramáticos e, de vez em quando, aparecem notícias na imprensa. Os relatos de pacientes em consultórios reiteram essa situação.

Inicialmente, realizamos uma parceria para elaboração de revisão bibliográfica sobre escoliose no Brasil. Os dados foram tão impressionantes que nos impeliu à elaboração do projeto de pesquisa. Assim, fortalecemos a parceria com o Instituto de Escoliose Patrícia Italo Mentges, que tem sido pioneiro no tratamento conservador, divulgação científica e formação de profissionais, e reunimos uma equipe de pesquisadores da ENSP e de outras unidades da Fiocruz.

Como o projeto está sendo desenvolvido?

Carla, Maria Lúcia: Atualmente, participa do projeto uma equipe multidisciplinar, com pesquisadoras e pesquisadores da ENSP (DCS, DAPS e Centro de Saúde), um pesquisador do ICICT e um técnico do IOC que colabora como assistente de pesquisa. Também integra a pesquisa uma estudante de doutorado de antropologia do IFICS/UFRJ, ex-aluna da ENSP e, por um ano, participou uma estudante de fisioterapia, como bolsista PIBIC-Manguinhos. A parceria com o Instituto de Escoliose se dá por meio da participação de sua diretora técnica, e também como campo de estudo onde foi realizada observação participante.

Elaboramos um questionário online sobre o itinerário terapêutico de tratamento da escoliose, respondido por quase 300 pessoas em todo o país, cujos dados já foram parcialmente analisados. Preparamos um banco de dados com as informações disponíveis nas bases de dados do SUS sobre tratamento de escoliose, que se encontra em fase de análise. E começamos a realizar entrevistas em profundidade com pacientes; ainda realizaremos entrevistas com profissionais que atuam nessa área. Também ampliamos a revisão bibliográfica sobre escoliose no Brasil, atualizando-a e contemplando também teses e dissertações.

Paralelamente, temos participado de alguns eventos, em especial, no mês de conscientização da escoliose. E acompanhamos a tramitação de um Projeto de Lei em tramitação na Câmara dos Deputados, que trata sobre diagnóstico e tratamento de escoliose; apresentamos um parecer ao relator. 

Quais são as primeiras impressões e os principais resultados esperados? 

Carla, Maria Lúcia: Os dados têm evidenciado o que a prática já apontava: que o diagnóstico de escoliose idiopática do adolescente é realizado muito tardiamente no Brasil, quando a deformidade causada pela doença se encontra em um grau avançado, exigindo tratamentos mais invasivos. Temos dados que demonstram isso. O tratamento cirúrgico, que deveria se ater a menos de 1% dos casos, acaba sendo a principal alternativa, o que é corroborado pelo volume de publicações sobre cirurgia, que corresponde a mais de 50% das publicações sobre escoliose no país.

Percebemos, também, que há um desconhecimento muito amplo por parte dos médicos sobre o tratamento conservador adequado, como exercícios fisioterapêuticos específicos para escoliose e coletes ortopédicos com correção 3D. Há muitos relatos de orientações de médicos que demonstram um desconhecimento da evolução natural da doença e dos tratamentos conservadores mais atuais. Isso causa um enorme sofrimento nas pessoas com escoliose, angústia por não saber o que fazer e desesperança.

Os dados do SUS indicam que a órtese mais utilizada é o colete Milwaukee, já há muito tempo não considerado como eficaz no tratamento da escoliose, seja pela baixa adesão, seja pelo tipo de correção que ele proporciona. Enquanto isso, é visível que o número de cirurgias tem aumentado no país.  

Quais são as contribuições do projeto para a sociedade e a popularização da ciência?

Carla, Maria Lúcia: Esperamos que o projeto contribua para um maior conhecimento sobre a escoliose idiopática do adolescente, tanto por parte de pessoas que têm escoliose, suas famílias e amigos, mas também por parte de profissionais de saúde, especialmente médicos/as e fisioterapeutas. Também esperamos que, com a divulgação dos resultados, as informações cheguem a escolas e à rede de ensino. 

Além disso, nosso intuito é contribuir na formulação de políticas públicas voltadas para a detecção precoce e tratamento conservador adequado, conforme os parâmetros internacionais. O Ministério da Saúde não possui protocolos e diretrizes para tratamento de escoliose. Isso requer a mobilização de profissionais que atuam na área, pessoas com escoliose e familiares, e a reunião de dados que apontem a realidade no país face as diretrizes internacionais e as evidências científicas. 

Em nosso site encontram-se mais informações sobre o projeto.

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